Opinião

A eterna reforma da Lei de Recuperação e Falência

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16 de setembro de 2020, 13h14

O PL 6.229/2005, de relatoria do deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), recentemente aprovado pela Câmara de Deputados, reúne diversas proposições que tramitam no Congresso Nacional para modificação da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei n° 11.101/05).

Muitas questões tratadas no PL 6.229/05 foram construídas pela vasta jurisprudência já existente, como o reconhecimento da competência do juízo recuperacional para a suspensão de constrições de bens considerados essenciais e a possibilidade de recuperação judicial conjunta de empresas do mesmo grupo econômico.

Outro exemplo de positivação de entendimento jurisprudencial é a recuperação judicial do produtor rural, desde que comprovado o exercício da atividade por um período mínimo de dois anos. Acerca desse ponto, o PL 6.229/05 traz inovações relevantes, como a exclusão extraconcursalidade da CPR e dos créditos constituídos para aquisição de imóveis rurais nos últimos três anos.

O projeto apresenta melhorias consideráveis para o procedimento de falência, com a fixação de prazo de venda dos ativos pelo administrador judicial e prazo decadencial para habilitação retardatária de crédito. A fim de possibilitar a reabilitação do empresário, o projeto ainda prevê uma espécie de encerramento sumário da falência, para os casos de escasso ou inexistente ativo para liquidação.

Os créditos trabalhistas também sofreram modificações relevantes. Além da possibilidade de extensão do prazo de pagamento do credor trabalhista na recuperação judicial, de um para dois anos, cumpridos alguns requisitos, também será possível a inclusão do crédito trabalhista na recuperação extrajudicial, desde que negociado com o sindicato, tratamento descartado na lei em vigor.

O projeto ainda inaugurará a esperada regulamentação da insolvência transnacional. O Brasil é um dos poucos países ocidentais que ainda não possuem legislação específica para enfrentamento de crises globalizadas, o que, sem dúvida, contribuiu para o afastamento de investidores, especialmente os estrangeiros. O PL 6.229 incorpora a Lei Modelo da Comissão para Legislação em Comercio Internacional (Uncitral), com previsão de cooperação e coordenação direta entre as jurisdições. Além da participação do Ministério Público como fiscal da lei, foi mantida a competência do STJ para homologação de sentenças estrangeiras.

Merece destaque a previsão, embora sem estímulos significantes, do financiamento das empresas em recuperação ou DIP, alternativa utilizada em algumas recuperações judiciais, para geração de caixa.

O PL 62.229 também prevê uma modalidade de recuperação prévia, com a possibilidade de concessão de uma moratória de 60 dias o chamado stay period para que as empresas tentem negociar suas dívidas com os credores antes do pedido recuperacional.

Apesar de abrir caminho para a mediação e a conciliação, a inovação apresenta dificuldades. Além de a cultura litigiosa ainda reinar no Brasil, o projeto não viabiliza a coordenação dos interesses individuais de todos os envolvidos na recuperação, dificuldade afastada pelo procedimento judicial, diante da existência do chamado concurso de credores todos os créditos, ressalvadas algumas exceções, sujeitam-se ao plano de pagamento previsto no plano de pagamento.

Um dos pontos mais comentados é o "duplo caráter" assumido pelo Fisco. O crédito tributário ainda precisa ser buscado nas execuções fiscais, embora o projeto permita o parcelamento total do débito fiscal. Aliás, um dos requisitos do parcelamento é o oferecimento de garantia para os débitos discutidos em execuções fiscais ou decorrentes de outro parcelamento, benefício não concedido aos credores extraconcursais.

Curiosa é a possibilidade de declaração de ineficácia de uma alienação de ativos que implique em prejuízo ao Fisco ou ao credor extraconcursal nova situação de convalidação da recuperação em falência, por esvaziamento patrimonial —, questão tratada de maneira genérica, sem critérios objetivos, lacuna que poderá inviabilizar um dos principais meios de soerguimento das empresas, a venda de ativos ou unidades produtivas isoladas.

Apesar de inovador e complexo, o projeto não preenche espaços importantes, como a possibilidade de convalidação da recuperação em falência quando constatada fraude ou tratamento diferencial de credor, questões essas normalmente tratadas na falência. Eventuais limites para aplicação do soberano princípio da preservação da empresa também foram ignorados, omissão que ainda permitirá abusos de direito, como a suspensão indeterminada de constrição de bens sob o pretexto de sua essencialidade.

Ao que parece, diante da dificuldade de coordenação dos diversos interesses e setores envolvidos nos projetos de alteração da Lei de Recuperação Judicial e Falência (produtores rurais, Fisco, trabalhadores, administradores judiciais, bancos, empresários, juízes, mediadores etc), o projeto foi formatado para posterior complementação, tanto pela jurisprudência como pela edição de novas leis, assim como ocorreu na reforma de 2005.

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