Direto do Carf

Tributação na integralização de capital de associações sem fins lucrativos

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

16 de setembro de 2020, 9h44

Nesta coluna, analisaremos as decisões do Carf acerca da tributação ou não pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) dos valores decorrentes de reservas superávits acumulados utilizados para integralização de capital no caso de transformação de associação sem fins lucrativos em sociedade empresária.

Spacca
O Código Civil elenca as pessoas jurídicas de direito privado existentes no ordenamento jurídico brasileiro, prevendo entre elas tanto as associações quanto as sociedades [1].

Uma associação é constituída pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos, sendo que na hipótese de sua dissolução o saldo remanescente de seu patrimônio líquido depois de deduzidas as quotas ou frações ideais (se o estatuto assim definir) será destinado a entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou se houve previsão contratual ou deliberação dos associados, tal saldo poderá ser destinado à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes, ou até mesmo pode ser distribuído aos associados, que poderão receber em restituição, atualizado o respectivo valor das contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação [2].

A constituição de uma associação sem fins lucrativos para a prestação de serviços educacionais tem sido uma prática comum no Brasil, visto que a própria Constituição Federal estabelece em seu artigo 151, VI, "c", que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviço de instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, bem como leis específicas estabelecem isenções relativas às contribuições sociais para tais entidades desde que sejam cumpridos alguns requisitos.

No que tange especificamente ao ensino superior privado, houve importantes avanços inclusivos a partir do início do século XXI com a instituição do então Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) pela Lei nº 10.260/01 e do Programa Universidade para Todos (Prouni) pela Lei nº 11.096/05.

Em 1999, já havia sido incluído um artigo 7º-A na Lei nº 9.131/95 dispondo que as pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, poderiam assumir qualquer das formas admitidas em Direito, de natureza civil ou comercial [3].

Contudo, com a edição do artigo 13 da Lei nº 11.096/05 ocorreu um estímulo para que pessoas jurídicas, mantenedoras de instituição de ensino superior e constituídas soba a forma de associações sem fins lucrativos, se transformassem em sociedades empresárias por meio da criação inclusive de um regime gradual para que o recolhimento integral da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento somente ocorresse após cinco anos [4].

Nesse período, a contabilidade das entidades sem finalidade de lucros era regida pela Resolução CFC nº 877/00, que dispunha que o resultado positivo nelas gerado não seria destinado aos detentores do patrimônio líquido, e o lucro ou prejuízo deveria ser denominado, respectivamente, superávit ou déficit, sendo transferido para conta de patrimônio líquido ao final de cada exercício.

Diante de tal cenário, era comum que instituições de ensino superior tivessem saldos acumulados no patrimônio líquido de superávits de períodos anteriores.

Com a transformação de diversas instituições de ensino de associação sem fins lucrativos para sociedade empresária, surge a discussão acerca da tributação dos valores relacionados com a emissão das quotas ou ações da sociedade empresária que foram integralizados com os superávits acumulados de períodos anteriores, isto é, se tais montantes deveriam ser tributados ou não como renda dos associados que se transformaram em sócios daquelas pessoas jurídicas.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, resta saber como ele vem sendo enfrentado no Carf.

Nos Acórdãos 2201-002.471 (de 12/8/14) e 2202-003.323 (de 13/4/16), foi discutido se as ações emitidas e integralizadas com recursos de superávits de instituição potiguar de ensino constituída sob forma de associação e transformada em sociedade empresária se enquadrariam ou não como rendimentos das pessoas físicas.

Assim, no Acórdão 2201-002.471, entendeu-se, por voto de qualidade, que os valores utilizados para integralização do capital na sociedade empresária originados de reserva de superávit pré-existente que estava registrada nas demonstrações financeiras da associação configurariam rendimentos omitidos da pessoa física.

Para tanto, foi ressaltado que o aumento de capital em decorrência da incorporação de superávits acumulados não se enquadra no disposto no artigo 10 da Lei nº 9.249/95, assim como não se trata de devolução de capital em virtude de capital excessivo.

Em igual sentido, no Acórdão 2202-003.323, o lançamento tributário de omissão de rendimentos foi mantido por voto de qualidade com menção expressa das razões de decidir do referido Acórdão 2201-002.471.

No Acórdão 2301-005.037 (de 11/5/17), que tratava de uma instituição de ensino superior baiana constituída como associação sem fins lucrativos e que foi transformada em sociedade empresária, entendeu-se, por maioria de votos, que o lançamento tributário por acréscimo patrimonial a descoberto estaria equivocado, de forma que o crédito tributário foi exonerado.

No referido caso, cumpre destacar que após a transformação em sociedade empresária, ela teve parcela do seu patrimônio cindida para outra sociedade empresária de titularidade do mesmo sócio.

Como decorrência da cisão parcial, houve a versão de parcela de reserva de capital cuja origem remonta aos superávits acumulados pela associação.

Nessa linha, a fiscalização entendeu que a cisão e a transferência de tal parcela do patrimônio configuraria devolução de ativos aos sócios para posterior integralização de capital em nova sociedade, o que configuraria um acréscimo patrimonial a descoberto.

Em voto vencido, o relator entendeu que a parcela transferida relativa aos superávits seria rendimento tributável, no entanto, sob a forma de ganho de capital, e não de outros rendimentos.

Por sua vez, o redator do voto vencedor apontou que ainda que também concordasse com a eventual tributação de tais montantes como ganho de capital, isso implicaria alteração de fundamentação do lançamento, de modo que votou por dar provimento ao recurso.

Os Acórdãos 2201-003.233 (de 15/6/16), 2402-006.996 (de 14/2/19), 2402-007.033, 2402-007.034, 2402-007.035 e 2402-007.036 (todos estes últimos de 12/3/19) envolvem a transformação de instituição de ensino superior do Estado do Mato Grosso constituída sob a forma de associação em sociedade empresária e implicou autuação de diversos dos seus associados, que foram transformados em sócios para que estes pagassem IRPF sobre o montante das quotas recebidas, que se configurariam como rendimentos omitidos.

Nos referidos casos, a autoridade fiscal entendeu que não se tratava de restituição de capital, mas de recebimento do superávit acumulado pela associação sem fins lucrativos por meio de emissão de novas quotas de sociedade empresária, sendo que tais rendimentos não estariam abrangidos pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/95, dado que este se refere aos lucros e dividendos pagos por pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado.

No Acórdão 2201-003.233, entendeu-se, por maioria de votos, pela exoneração do crédito tributário. Foi preponderante em tal sentido a existência de autos de infração concomitantes destinados à sociedade empresária e a seus sócios, cada qual com fundamentos divergentes, isto é, no auto de infração lavrado contra a instituição de ensino, exigia-se IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sob justificativa de que ela não seria uma associação sem fins lucrativos, ao passo que no auto de infração lavrado contra a pessoa física, exigia-se IRPJ sob a alegação de que os superávits não teriam sido tributados na pessoa jurídica.

Sob essa ótica, a relatora pontua que parte do valor considerado como superávit foi caracterizado como lucro distribuído entre os sócios isento do imposto nos termos do Acórdão 1401-001.414 (de 24/3/15), que julgou pela manutenção do auto de infração lavrado contra a instituição de ensino.

Ainda com relação à mesma situação fática, a discussão acabou não prosperando no Acórdão 2402-006.996, uma vez que o recurso da contribuinte não foi conhecido em função de sua intempestividade.

Por sua vez, nos Acórdãos 2402-007.033, 2402-007.034, 2402-007.035 e 2402-007.036, entendeu-se, por voto de qualidade, pela tributação dos rendimentos derivados do recebimento de novas quotas integralizadas com parte das reservas de superávit, com exceção da parcela que já foi tributada na pessoa jurídica conforme o já mencionado Acórdão 1401-001.414.

Com relação à questão ao momento de disponibilidade de tais rendimentos, prevaleceu o entendimento de que este ocorreria na capitalização da sociedade empresária com os recursos da reserva de superávit, no entanto, nesse caso ainda houve uma redução de capital em momento posterior.

Diante do exposto, nota-se que tem preponderado o entendimento de que são rendimentos tributáveis pelo IRPF os valores recebidos a título de aumento de capital integralizados com reservas de superávits acumulados nos casos de transformação de associação sem fins lucrativos em sociedade empresária.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[1] Código Civil: "Artigo 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I – as associações;

II – as sociedades;

III – as fundações.

IV – as organizações religiosas;

V – os partidos políticos.

VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada".

[2] Código Civil: "Artigo 53 – Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. (…)

Artigo 56 – A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário.

Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si , na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto. (…)

Artigo 61 – Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do artigo 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

§1º. Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação".

[3] Lei nº 9.131/95: "Artigo 7o-A – As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, previstas no inciso II do artigo 19 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo disposto no artigo 24 do Código Civil Brasileiro. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 1999)".

[4] Lei n. 11.096/05: "Artigo 13 – As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, sem fins lucrativos, que adotarem as regras de seleção de estudantes bolsistas a que se refere o artigo 11 desta Lei e que estejam no gozo da isenção da contribuição para a seguridade social de que trata o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal, que optarem, a partir da data de publicação desta Lei, por transformar sua natureza jurídica em sociedade de fins econômicos, na forma facultada pelo artigo 7º-A da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, passarão a pagar a quota patronal para a previdência social de forma gradual, durante o prazo de 5 (cinco) anos, na razão de 20% (vinte por cento) do valor devido a cada ano, cumulativamente, até atingir o valor integral das contribuições devidas.

Parágrafo único. A pessoa jurídica de direito privado transformada em sociedade de fins econômicos passará a pagar a contribuição previdenciária de que trata o caput deste artigo a partir do 1º dia do mês de realização da assembléia geral que autorizar a transformação da sua natureza jurídica, respeitada a gradação correspondente ao respectivo ano".

Autores

  • é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Comercial pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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