Paradoxo da Corte

Duração razoável do processo nos países da zona do euro

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

15 de setembro de 2020, 8h00

A preocupação com a duração razoável do processo longe de ser um problema exclusivamente da justiça brasileira, constitui, na verdade, um desafio universal.

Dos 22 países que compõem a União Europeia, 11 deles[1] estabeleceram, em 1998, inúmeras diretrizes e metas visando à adoção de moeda única: o euro. Para tanto, em prol de uma economia estável e duradoura, além de muitas medidas de caráter financeiro, tributário e social, tornou-se imprescindível o compromisso com a segurança jurídica. A previsibilidade das decisões e a celeridade da prestação jurisdicional constituem por certo importantes vetores para a segurança jurídica.

A generalidade dos Estados-membros que instituíram a denominada “zona do euro”, cada qual em maior ou menor dimensão, passaram a rever os seus respectivos modelos processuais em busca de maior efetividade, até porque o artigo 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000) consagra o direito a um processo sem dilações indevidas.

Cite-se, à guisa de exemplo, a experiência jurídica da Espanha. A partir do mandamento inserido no artigo 24.2 da Constituição (“Todos têm direito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo público sem dilações indevidas e com todas as garantias…”), o Tribunal Constitucional espanhol tem decidido inúmeras reclamações, formuladas por meio de recurso de amparo, contra a indevida morosidade do processo, norteando-se na jurisprudência da Corte Europeia.

Verifica-se, pois, que, a Espanha vem tentando minimizar esse tormentoso problema, procurando também solucioná-lo intra muros.

Já em Portugal, o Código de Processo Civil, recentemente reformado, manteve a expressa previsão, no artigo 2-1, do direito a um processo despido de inoportunas procrastinações: “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”.

Anota, a esse respeito, José Lebre de Freitas (Revisão do processo civil, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 55(1995): 427) que a legislação processual de Portugal assinala um importante passo ao consagrar o direito “a obter, em prazo razoável, uma decisão de mérito e a respectiva execução”. Esse postulado fundamental, na verdade, consubstancia-se em uma “derivação do direito de acesso aos tribunais, que a demora desrazoável dos processos judiciais viola, constituindo uma actuação inconstitucional. A nova lei de processo civil pode (e deve) contribuir para que esta violação, hoje contínua, deixe de se verificar”.

Ainda é deste processualista lusitano a informação de que “a duração dos processos judiciais nos tribunais portugueses ultrapassa frequentemente o prazo razoável. Está, porém, hoje geralmente espalhada a compreensão da necessidade de o respeitar” (José Lebre de Freitas, Em torno da revisão do direito processual civil, Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 55, 1995).

Segundo estatística, relativa ao ano de 2019, pela Corte Europeia dos Direitos do Homem, tem havido sensível diminuição de condenações impostas aos países da “zona do euro”, com fundamento no desrespeito do artigo 6º, 1, da Convenção Europeia, pela excessiva demora do processo. Tais condenações derivam do dano moral gerado pela intolerável demora do processo, quando este ultrapassa, de modo injustificado, o lapso temporal de 5 anos, a contar do ajuizamento da demanda.

De fato, os dados fornecidos revelam que nenhuma demanda dessa natureza foi ajuizada, perante a Corte Europeia, contra a Alemanha, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda e Luxemburgo.

Apenas 1 ou 2 reclamações admitidas contra a Áustria, e Portugal.

Itália, Espanha e Polônia sofreram 3 condenações durante 2019.

Acrescente-se que, na Itália,  em 24 de março de 2001, foi editada a Lei n. 89, que ficou conhecida como “legge Pinto”, pela circunstância de ter sido o Senador Michele Pinto o primeiro a subscrever o respectivo projeto de lei, que tinha por escopo precípuo, além de introduzir mecanismo para acelerar a marcha do processo, instituir um remédio intra muros, de acordo com os termos do artigo 13 da Convenção Europeia, que propiciasse a fixação de indenização, pela própria jurisdição italiana, pelos danos emergentes do  excessivo atraso da tutela jurisdicional.  Certamente por esta razão, caiu sensivelmente o número de reclamações procedentes contra o Estado italiano. Há dez anos, a Itália fora condenada em 12 processos.

Vale invocar, a propósito, a original sentença da 2ª Seção do Tribunal Europeu, datada de 21 de dezembro de 2010, proferida no caso Affaire Gaglione e outros x Itália, que reúne 475 demandas conexas promovidas contra a República Italiana, cujo objeto é o injustificado atraso no cumprimento de anteriores decisões condenatórias proferidas com base na Lei Pinto, a Corte acabou rejeitando o argumento de defesa, no sentido de que o atraso no adimplemento não acarretava prejuízo aos requerentes. Assim, reconhecendo a procedência da pretensão: a) determinou a Itália que os respectivos pagamentos sejam feitos no prazo máximo de 3 meses, a contar do trânsito em julgado; b) impôs condenação líquida de € 200 a favor de cada um dos reclamantes; e, ainda, c) impôs condenação global de mais € 10.000, para cobrir custas e despesas processuais. Determinou, outrossim, que na hipótese de descumprimento da sentença, passará a incidir juros sobre a quantia devida, à taxa legal fixada pelo Banco Central Europeu, acrescida de “3 pontos percentuais”. 

Contra a Grécia, 8 queixas foram recebidas.

Em 21 de dezembro de 2010, a 1ª seção da Corte de Estrasburgo, ao condenar o Estado grego, asseverou que: “Os requerentes constatam a existência de um problema sistêmico devido à excessiva duração dos processos administrativos na Grécia. Eles registram ainda a omissão das autoridades gregas quanto à introdução de um recurso efetivo para remediar tal disfunção da ordem jurídica interna” (Vassilios Athanasiou e outros x Grécia – proc. n. 50.973/08).

Ao impor a significativa condenação em prol de cada um dos 10 demandantes, fixada no montante líquido de € 14.000 a título de dano moral, e de € 2.500, à guisa de reparação de dano material, o tribunal advertiu expressamente o governo grego, concedendo-lhe o prazo de 1 ano, a partir da publicação da decisão, para inserir no ordenamento jurídico grego, em atendimento ao artigo 13 da Convenção Europeia, um mecanismo processual apto a possibilitar a formulação de queixa pela excessiva demora do processo.


[1]. São eles: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda e Portugal. A nova moeda passou a circular em 1º-1-2002. Mais tarde, ingressaram na denominada “zona do euro”, a Grécia (2001), a Eslovênia (2007), Chipre e Malta (2008), e a Eslováquia (2009).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!