Opinião

O poder familiar e a alienação parental

Autor

  • Francine Sgnaolin Schmitt

    é advogada de Direito de Família e Sucessões advogada associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) pós-graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau (SC) e em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).

15 de setembro de 2020, 12h13

Os pais exercem um verdadeiro poder sobre os filhos ao assumirem um dever natural e legal de proteção da sua prole, acompanham seu filho durante o natural processo de amadurecimento e formação de sua personalidade.

Ocorre que existe um compreensível desconforto com o vocábulo poder, até mesmo uma distorção na sua interpretação. Pois o que se identifica nos casos práticos de litígios de família é a remota ideia de domínio dos pais sobre seus descendentes, o que não se concilia com a democratização da família.

Como bem ensina Maurício Luiz Mizrahi [1], o poder gera uma probabilidade de asfixia ao infante na célula parental, desencadeando neuroses, o qual o dever não se inclina a auxiliar, mas ao autoritarismo.

O pátrio poder já restou definido como "um conjunto de direitos concedidos ao pai, ou à mãe, a fim de que, graças a eles, possa melhor desempenhar a sua missão de guarda, defender e educar os filhos, formando-os e robustecendo-os para a sociedade e a vida" [2].

Ocorre que a distorção da expressão pátrio poder, corroborando com o entendimento de Rolf Madaleno [3], induz a uma noção de um poder exclusivo a um dos genitores, ao que está na posse efetiva.

Com a separação dos pais, o exercício conjunto do poder familiar se torna mais problemático em relação à vida diária da prole, termina, assim, o ascendente guardião chamando para si as decisões imediatas da vida do filho sob sua custódia fática e legal. Isso, claro, não deveria ocorrer, pois essa ruptura de cotitularidade, coparticipação e coexercício pode ser extremamente nociva ao desenvolvimento do menor, aparecendo com isso as atitudes impensadas dos pais e os abalos na formação psíquica da prole, relacionadas à Síndrome da Alienação Parental (SAP).

Muito embora a regra na nossa legislação seja a guarda compartilhada, como bem sabido, o progenitor guardião é colocado em uma posição de privilégio nas decisões diárias que surgem no desenvolver e na orientação dos filhos. Esse ponto é que nos liga ao oportunismo da prática da alienação parental.

Traz-se, assim, um caso mais prático, em que o genitor como guardião da filha adolescente utiliza da autoridade parental para desviar as visitas da genitora, frente a isso o magistrado Pedro Aujor Furtado Junior, ao decidir nos autos de uma das buscas e apreensões de processo que tramita no TJ-SC, expressou, in verbis:

"Deve a criança ser educada a respeitar as determinações de seus pais, ensinando-lhe a preciosa regra da obediência. Atender aos caprichos do 'não vou porque não quero' equivale a permitir que a autoridade paterna como tal possa ser questionada, o que nem de perto revela-se favorável a uma educação sadia.

Doutro vértice, o genitor deve conscientizar a si e a sua filha que tal comportamento (recalcitrância) não guarda amparo legal, mormente porque desrespeita o que foi ajustado, seja por horas, minutos ou segundos, pouco importa.

A aplicação de multa mostra-se meio insuficiente para fazer com que o genitor enfim resolva impor as regras a uma criança que deve obedecer o que lhe é mandado, respeitando até mesmo a Justiça".

Ou seja, o que se quer afirmar é que, nos litígios de família, o pátrio poder pode ser uma arma nas mãos do genitor na posse mais contínua da prole, interferindo em muito na relação esporádica.

Ainda que a guarda compartilhada legal introduza a forma igualitária e equilibrada com mãe e pai, por vezes, tendo em vista as condições fáticas e os interesses prioritários dos filhos, o compartilhamento do exercício do poder familiar não ocorre, em iminente estado de alienação parental.

O artigo 2º da Lei 12.318 de 2010, traz formas exemplificativas da prática e, entre elas, está a dificuldade de autoridade parental:

"Artigo 2º — Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II Dificultar o exercício da autoridade parental".

Dispensável mencionar que a prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, pois isso está expresso em lei, tampouco faz-se necessário afirmar que prejudica a realização de afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

Dito isso, concluindo, como dever prioritário, fundamental e igualitário entre os genitores, enaltecendo o pátrio poder e desqualificando a alienação parental, está para ambos os pais o dever de assistir de modo mais amplo e integral no exercício de proteção, seja de guarda, segurança, companhia e zelo na integridade moral e psíquica, dando aos filhos suporte ao completo desenvolvimento e independência. Devendo, com isso, os filhos a necessária obediência aos genitores.

 


[1] MIZRAHI, Maurício Luiz. Responsabilidad parental. Buenos Aires: Astrea, 2016, p. 240.

[2] CARVALHO, João Andrades. Tutela, curaleta, guarda, visitas e pátrio poder. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 175.

[3] MADALENO, Rolf. Direito de Família, 7ª. ed. rev., atual e ampl – Rio de Janeiro: Forense, 2017.

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