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Poder público deve assegurar direitos básicos das pessoas portadoras de deficiência

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14 de setembro de 2020, 10h00

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, caput estatui que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Já no inciso I do referido dispositivo consta que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

O artigo 23, inciso II da Carta Magna estatui "é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência". De outra parte, o artigo 24, inciso XIV da Carta da República diz que "compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência". 

O artigo 227, parágrafo 2º da Constituição Federal estabelece que "a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. Por sua vez, o artigo 244 da Carta Magna estatui que “a lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º". Ainda, o artigo 280 da Constituição do Estado de São Paulo dispõe que “é assegurado, na forma da lei, aos portadores de deficiências e aos idosos, acesso adequado aos logradouros e edifícios de uso público, bem como aos veículos de transporte coletivo urbano”.

Esta obrigação também foi regulamentada pelo legislador infraconstitucional. Neste sentido, a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 veio garantir o “pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências e sua efetiva integração social”, determinando ao Poder Público a obrigatoriedade de adotar as medidas efetivas de execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas (artigo 2º, inciso V).

Por sua vez, a Lei nº 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação, ressaltando-se o artigo 53, o qual estatui que “a acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social”.

O Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamentou a Lei nº 10.098/2000, fixou prazo para a execução de obras visando assegurar a acessibilidade dos portadores de necessidades especiais em todos os ambientes existentes nas escolas públicas, bibliotecas, auditórios, ginásios, sanitários etc. Ademais, regulamentou a prioridade de atendimento e normas para promoção de acessibilidade amplamente, em seu artigo 14, estabelecendo que “na promoção da acessibilidade, serão observadas as regras gerais previstas neste Decreto, complementadas pelas normas técnicas de acessibilidade da ABNT e pelas disposições contidas na legislação dos Estados, Municípios e Distrito Federal”. 

Ainda, a Lei nº 10.172/2001, ao instituir o Plano Nacional de Educação, fixou prazo para o cumprimento de certas implantações, como a adaptação dos edifícios escolares. Além disso, a Lei nº 12.587/2012 instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Do mesmo modo, temos a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

Cabe colacionar trecho do julgamento da ADI nº 5.357 MC-REF, com voto de Relatoria do eminente Ministro Edson Fachin, ao explanar sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência:

“A Constituição da República prevê  em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II e § 2º e 244.

Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio.

Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta.

Posta a questão nestes termos, foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009 a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, dotada do propósito de  promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo o respeito pela sua inerente dignidade (art. 1º).

A edição do decreto seguiu o procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição da República, o que lhe confere status equivalente ao de emenda constitucional, reforçando o compromisso internacional da República com a defesa dos direitos humanos e compondo o bloco de constitucionalidade que funda o ordenamento jurídico pátrio”.

É dever dos órgãos governamentais a realização de políticas públicas no sentido de garantir a inclusão de pessoas especiais na sociedade, capacitando-as para o exercício da cidadania, além de minimizar as dificuldades oriundas de eventuais problemas, físicos ou psíquicos, cumprindo, assim, um dos postulados fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no inciso II do artigo 1º da Carta da República, que serve de inspiração a todo o ordenamento constitucional. Trata-se do princípio da dignidade humana.

José Afonso da Silva ensina:

“Proteção constitucional da dignidade humana. Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos “a priori”, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí a sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional”.

Apesar da multiplicidade de regramento disciplinador da matéria, o Poder Público não tem agido de forma eficaz na consecução de suas obrigações, permitindo o decurso de prazos assinalados na legislação infraconstitucional, sem a necessária realização de obras de adaptação com o objetivo de assegurar aos portadores de necessidades especiais mobilidade ampla, irrestrita e com segurança em suas dependências, como ocorre na situação dos autos.

Assim, a atuação do Poder Judiciário decorre de livre provocação da parte interessada na busca do pleno exercício de direitos e garantias constitucionais que são obstados por quem deveria, constitucionalmente, assegurar os meios necessários ao seu gozo. Cumpre anotar, também, que não há ofensa a princípios orçamentários na gestão de recursos públicos, cuja matéria é totalmente irrelevante frente ao ordenamento constitucional e o bem jurídico tutelado.

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