Devo, não nego

Administração não pode ser responsável por dívida trabalhista de terceirizada

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12 de setembro de 2020, 9h03

A Administração Pública não pode ser automaticamente responsabilizada por dívida trabalhista de empresa terceirizada que a ela preste serviços, a menos que haja comprovada conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos de terceirização. Assim decidiu a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos.

Carlos Moura/SCO/STF
A ministra Rosa Weber, relatora dos recursos, foi voto vencido no julgamento
Carlos Moura/SCO/STF

Esse entendimento foi adotado pela corte na análise de recursos da União contra decisões do Tribunal Superior do Trabalho que não seguiram a jurisprudência do STF sobre o assunto. A relatora, ministra Rosa Weber, foi voto vencido no julgamento, já que votou pelo desprovimento do agravo regimental. A ministra entendeu que os recursos da União pretendiam revisar fatos e provas e afirmou que a aplicação da jurisprudência do Supremo tem exceção nos casos em que houver culpa da Administração.

Segundo o advogado trabalhista Pedro Maciel, sócio da Advocacia Maciel, o TST entende que a empresa pública tem de comprovar que não teve culpa no descumprimento contratual da terceirizada e que o mero inadimplemento da empresa contratada já enseja a responsabilização da União. No entanto, o STF viu a questão de outra maneira.

"O TST, pretendendo indiretamente manter sua antiga jurisprudência, passou a decidir contrário à jurisprudência do STF, entendendo em tese que o descumprimento contratual por parte da empresa terceira já comprovaria a culpa in vigilando e in eligendo da empresa pública, o que seria culpa presumida, exatamente o contrário do entendimento da Corte Superior", comentou Maciel.

De acordo com o advogado tributarista Thiago Guimarães, sócio do Guimarães Parente Advogados, como o entendimento já está firmado em tese de repercussão geral, deve ser seguido em respeito à segurança jurídica, mas ele discorda do entendimento do STF, pois defende que a  União deveria ser responsabilizada em todas as ocasiões, independentemente de culpa, já que optou por esse tipo de contratação. 

"Com todo respeito à corte, eu entendo de forma diversa. Em um contrato de terceirização, o empregado, a parte mais hipossuficiente, presta serviço para a União, que contrata a mão de obra terceirizada para evitar outro tipo de contratação, como um concurso público. Quando a empresa deixa de pagar, quem arca com o prejuízo é o trabalhador que prestou o serviço para a União. Então, é a União que tem de achar mecanismos para proteger o empregado", disse Guimarães.

Efeitos da decisão
O julgamento realizado no Supremo terá dois efeitos significativos, conforme explica o advogado Camilo Onoda Caldas, sócio da Advocacia Gomes, Almeida e Caldas: o primeiro é que haverá maior risco aos trabalhadores de empresas que prestam serviços para a Administração Pública; o segundo é que existirá também maior risco para as empresas.

"Com a crise econômica e o déficit fiscal constante do governo, há o risco de que empregadores não cumpram suas obrigações trabalhistas. Sem a responsabilização da Administração Pública, as chances de recebimento dos trabalhadores diminuem", afirmou ele. "Quando a Administração Pública era responsabilizada mais facilmente, isso acabava fazendo com que muitas vezes a execução não seguisse de forma tão exaustiva contra a empresa e, principalmente, seus sócios".

Quanto ao voto vencido da ministra relatora, o advogado trabalhista e sócio da Ferraz dos Passos Advocacia, Fábio Ferraz dos Passos, explica que Rosa Weber foi derrotada em sua tese de que, em primeiro lugar, não poderia o TST, sob o pretexto da ausência de transcendência, deixar de examinar o tema. Além disso, a simples menção genérica feita em acórdãos dos tribunais regionais de que não houve efetiva fiscalização, ou a isolada assertiva de que houve a omissão, sem o apontamento específico da falha, não induz à responsabilização subsidiária.

"Embora o acórdão não tenha ainda sido publicado, ao que parece, a 1ª Turma reforçou um entendimento de que o ônus da prova é dos reclamantes. Mas, ao que parece, a discussão está longe de se encerrar, pois decisões como a da ministra Rosa Weber, que acabaram sendo reformadas na 1ª Turma, são de igual forma adotadas pelo ministro Fachin e pelo ministro Celso de Mello, ambos componentes da 2ª Turma, os quais têm negado seguimento monocraticamente a reclamações com natureza semelhante".

Rcls 36958, 40652 e 40759

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