Privilégio negado

Celso de Mello determina depoimento pessoal de Jair Bolsonaro

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11 de setembro de 2020, 10h42

SCO/STF
Decisão do ministro Celso de Mello é de 18 de agosto, mas só foi assinada agora
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O ministro Celso de Mello, relator do Inquérito 4.831, instaurado contra o presidente da República Jair Bolsonaro e seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, negou ao chefe de estado a prerrogativa processual de depor por escrito. Tal pedido havia sido feito pelo procurador-Geral da República, Augusto Aras.

A decisão também autoriza que Moro acompanhe pessoalmente o interrogatório, podendo inclusive fazer perguntas. O inquérito apura se Bolsonaro tentou interferir no comando da Polícia Federal, com vistas a proteger familiares e aliados. A investigação foi aberta a pedido do PGR depois que Moro, em coletiva para anunciar sua demissão da pasta, sugeriu que o presidente tentou interferir na PF.

A decisão do ministro se amparou no artigo 221, caput e parágrafo 1º, do CPP. Os dispositivos somente concedem esse benefício — depoimento por escrito —  aos chefes de poderes da República (os presidentes da República, Câmara, Senado e do STF) que figurem como testemunhas ou vítimas — não, porém, quando estão na condição de investigados ou de réus.

A decisão já se encontrava pronta em 18 de agosto, quando o ministro foi internado para ser submetido a uma cirurgia, o que o impediu de assinar o ato decisório. Apesar de continuar em licença médica, a decisão foi liberada agora, o que é autorizado pelo artigo 71, parágrafo 2º, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Em sua decisão, o ministro evoca artigo publicado pelo Subprocurador-geral da República, Vladimir Aras, em maio, no blog do jornalista Fausto Macedo, que registra as sucessivas decisões do próprio ministro, desde 1999, no mesmo sentido: como testemunha, o presidente pode depor por escrito. Como acusado ou réu, em hipótese alguma.

Celso de Mello invocou como precedente a decisão do falecido ministro Teori Zavascki, que, igualmente, negou ao então presidente do Senado, Renan Calheiros, o privilégio. Com todas as vênias, o ministro escusou-se com seus colegas Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, mas discordou dos votos dos dois que, quando intimado a depor o então presidente Michel Temer, ofereceram ao chefe do Executivo a prerrogativa de depor por escrito. No caso, a Câmara dos Deputados acabou por negar autorização para que o presidente fosse processado.

O voto de Celso de Mello é impessoal do começo ao fim. E bastante técnico. O relator colacionou à decisão opiniões respeitáveis de doutrinadores como Ada Pellegrini Grinover que taxam de inconstitucional até mesmo o favor de depor por escrito no papel de testemunhas. Por outro lado, o ministro registra o direito Constitucional que tem todo cidadão de, se quiser, nada responder.

Dentro desse roteiro, caso a Procuradoria-Geral da República peça o arquivamento do caso, o processo nem se inicia. Em contrário, o ministro pedirá à Câmara dos Deputados a abertura do processo — o que só poderá ser feito com os votos de 2/3 da composição da Casa.

Para estabelecer o direito de Sergio Moro acompanhar o interrogatório e, se quiser, fazer perguntas, Celso de Mello lembrou precedentes como o emblemático caso em que o então juiz federal Fausto de Santis — ao julgar o empresário Bóris Berezovski — negou aos co-réus o direito de fazer perguntas ao depoente. Na ocasião, por unanimidade, a Segunda Turma invalidou a decisão do juiz.

Antes de reassumir sua vaga no Supremo, no dia 27 deste mês, o ministro deve liberar uma batelada de casos nos quais já havia trabalhado antes da licença (seu quinto afastamento em 52 anos de serviço público). Nos casos distribuídos depois, seu substituto natural é o ministro Marco Aurélio.

Enquanto relator do inquérito, Celso de Mello já havia tornado pública a gravação de reunião ministerial de 22 de abril, quando Bolsonoro teria sugerido a interferência na PF para blindar família e aliados. Moro prestou depoimento a respeito no início de maio.

Inquérito 4.831

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