Opinião

IPI na revenda do produto importado: uma equalização tributária preservada

Autor

  • Caio Cesar Braga Ruotolo

    é advogado tributarista em São Paulo membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo ex-coordenador Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo pós-graduado com Especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de Recursos Humanos com experiência consultiva e contenciosa nas áreas de Direito Tributário Empresarial Ambiental Aeronáutico e crimes contra a ordem tributária.

11 de setembro de 2020, 7h12

11 de junho de 2014. Um dia antes da tão esperada estreia da seleção brasileira de futebol na fatídica Copa do Mundo do Brasil. Todos os brasileiros com olhos, ouvidos e corações unicamente voltados para esse momento que poderia ter sido histórico.

O grande jogo de estreia se daria em São Paulo, na Arena Corinthians. O povo, com a esperança do tão sonhado hexa, estava insano, coberto de verde e amarelo. Mas, no Planalto Central, no dia imediatamente anterior à estreia da nossa seleção, a atmosfera era tensa. Julgamento bastante conturbado nos EREsp 1.411.749/PR reverteu o entendimento até então assente da legalidade da incidência do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na revenda do produto importado. Votação apertada, com retificação de voto e tudo.

O resultado foi noticiado no Valor Econômico de 13 de junho: "Decisão do STJ isenta o IPI na revenda de mercadorias importadas que não sofreram nova industrialização após o desembaraço aduaneiro".

O verde e o amarelo que cobriam o Brasil naquele ano precisaram ser defendidos por um grupo de procuradores da Fazenda Nacional e de advogados de várias entidades do setor produtivo nacional, unindo-se para estudar o caso e buscar a reversão do julgado.

Se aquela decisão prevalecesse, nossas cores poderiam ser substituídas por diversas outras, de qualquer outro país, cujos produtos invadiriam e dominariam o mercado nacional, sem a incidência do IPI (tributo este que incide para a indústria nacional, que já é excessivamente onerada).

A tese dos importadores era de que praticavam a mera revenda de produtos importados e somente poderia haver nova incidência do IPI (além do IPI incidente na importação, recolhido no desembaraço aduaneiro) se houvesse industrialização em território nacional.

Naquele julgado do STJ, que mudaria totalmente o cenário para a indústria nacional, o voto vencedor foi do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, para quem, ao cobrar o imposto, o Fisco estaria tributando o IPI na circulação de mercadorias: "Estaria criando um ICMS federal".

O relator (ministro Sérgio Kukina) dava parecer contrário aos importadores, afirmando que o IPI incide na saída das mercadorias importadas em decorrência de previsão legal e que tal se dava também para que a tributação se igualassem os nacionais e os importados.

Quando ainda atuava no departamento jurídico de uma das entidades do setor industrial, um empresário associado da entidade questionou-me sobre esse processo e sobre como a decisão já começava a afetar suas operações. Não conseguia mais competir com uma empresa que importava um produto similar ao que produzia internamente, mas com uma vantagem de preço tamanha que esse empresário desconfiou e, para nossa surpresa, comprovou que o concorrente estava com uma decisão liminar fazendo uso exatamente daquela tese esboçada no julgado do STJ.

Imediatamente, uma força-tarefa se compôs, no sentido de buscar a melhor possibilidade jurídica de se demonstrar ao Tribunal da Cidadania que a mudança de posicionamento era drástica (a indústria e o erário atingidos, ao mesmo tempo, na casa dos bilhões).

A atuação e a sinergia entre advogados do setor produtivo e procuradores da Fazenda Nacional foi fundamental e sem precedentes até então, para que os ministros percebessem a necessidade de se afetar novo processo, com a vinda de novos atores, tanto por parte dos setores de importação quanto por parte do setor produtivo brasileiro. Argumentos trazidos por mais de uma dezena de amici curiae, que participariam de um novo julgamento.

A fim de refletir, uma vez mais, sobre o ponto, em 4 de dezembro de 14 o ministro Napoleão Nunes Maia Filho afetou os EREsp 1.403.532/SC, para ser analisado sob o rito dos recursos repetitivos. Na oportunidade da afetação, determinou-se a suspensão de todos os casos em andamento, contudo, alguns casos tardaram a ser suspensos e outros já não estavam mais sob o crivo do STJ.

Naquele intervalo (entre 11 de junho e 4 de dezembro), especialmente replicando a decisão dos EREsp 1.411.749/PR, alguns casos tiveram julgamento monocrático pela ilegalidade da incidência do IPI, mantidos mesmo após agravos internos, já que processados antes ou concomitantes à afetação como repetitivo dos EREsp 1.403.532/SC.

Argumentações e pareceres foram juntados por todos os interessados na causa, várias entidades e até mesmo empresas foram admitidas como amici curiae. Todos puderam sustentar oralmente no dia do julgamento, que durou quase seis horas. Não houve qualquer cerceamento de argumentos, tanto de uma parte como de outra: enfim, era possível demonstrar que a incidência do IPI em dois fatos geradores distintos era a interpretação mais aderente à lei.

Todavia, mesmo após essa batalha no STJ, o tema voltou à tona no STF com a decisão do ministro Marco Aurélio em afetar como repercussão geral o Recurso Extraordinário 946.648/SC, de um importador, que alegava suposta ofensa à Constituição Federal e ao princípio da isonomia na incidência do IPI na venda do produto importado, após o desembaraço aduaneiro. O STF exibia dezenas de decisões refutando a natureza constitucional do tema, mas o debate fora reaberto.

Anos se passaram desde o recebimento do caso na Suprema Corte e, novamente, a luta de advogados do setor produtivo e procuradores da Fazenda, lado a lado, em esforço conjunto, possibilitou externar a relevância do tema e os argumentos jurídicos consistentes pela tributação. Assim, na semana do último dia 19 de agosto (sim, seis anos após a conturbada sessão de julgamento no STJ), o STF entendeu, por maioria de votos (6 a 4), pela constitucionalidade da regra de incidência.

Enfim, celeuma desfeita. E pela ótica da legalidade e da constitucionalidade das normas positivadas.

O importador, no ato de importar, não se caracteriza como estabelecimento industrial. Essa equiparação se dá quando esse mesmo importador promove a saída, a qualquer título, do produto estrangeiro, introduzindo-o no mercado interno. Nesse momento é que se equipara a estabelecimento industrial.

A incidência do IPI na revenda de produtos importados não traz violações aos princípios constitucionais e nem cria hipóteses de incidência diferentes à exação. Tanto que o artigo 5° do RIPI (Decreto n. 7.212/2000) disciplina taxativamente as operações que estão fora do campo de incidência do imposto.

Além disso, a não cumulatividade do IPI está prevista e autorizada pelo artigo 153, § 3º, II da Constituição e um dos principais argumentos da tese oposta era afronta ao regime monofásico, porém, esse regime foi criado pelo legislador infraconstitucional, como forma de facilitar a fiscalização e a arrecadação do PIS e da Cofins e não se confunde com os regimes de apuração cumulativa e não cumulativa, haja vista que a regra de concentração é aplicada independentemente da que a pessoa jurídica esteja submetida.

A manutenção do IPI na comercialização do produto importado, cuja incidência pela equiparação do comércio como indústria está determinada no Código Tributário Nacional (CTN), não promove choque no mercado doméstico e há muito está sedimentada nunca foi novidade!

O estudo do "custo Brasil", a que tiveram acesso os julgadores, calcula a diferença entre o custo de se produzir no Brasil em comparação com o custo dos principais países parceiros comerciais (no mercado brasileiro), que respondem, em média, por 75% da pauta de importação de bens industrializados. Além disso, o diferencial de preços entre o produto industrializado nacional e o importado verifica-se após a contabilização do "custo Brasil", do desalinhamento cambial, dos tributos indiretos e dos custos de internalização (frete, seguro, imposto de importação, taxa aduaneira, entre outros). O processo de desindustrialização da economia brasileira já é uma forte comprovação de que as teses de "reserva de mercado para a indústria nacional" não são sustentáveis.

Nesse mesmo estudo tem-se que do ápice da industrialização da economia brasileira, vale dizer, entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980, até o presente momento, a participação da indústria no PIB caiu quase pela metade: de 21,6% em 1985 para 11,7% em 2016. Veja-se que o nível atual de industrialização no Brasil é muito semelhante ao do final da década de 1940 e início da de 1950, em um total retrocesso de quase 70 anos!

Por fim, o mesmo estudo econômico constante do processo julgado no STF demonstrou que, de 2007 a 2017, houve "aumento de 53% na participação dos produtos importados no consumo do mercado doméstico, passando de 13,8% em 2007 para 21,1% em 2017".

O costumeiro argumento de que a decisão poderia caminhar para uma ausência de inovação interna também cai por terra com o estudo que comprova que as empresas da indústria de transformação são as principais investidoras na atividade, segundo dados da Pesquisa de Inovação (PINTEC) do IBGE. As empresas do setor são responsáveis por: I) 68,5% dos investimentos privados em inovação tecnológica no Brasil; e II) 66,0% dos gastos privados nas atividades de pesquisa e desenvolvimento.

A função extrafiscal do IPI tem por objetivo a pertinência da tributação para equalizar o desequilíbrio existente entre o produto importado e o nacional. Nesse sentido a razão da equiparação.

O enfrentamento da questão trilhou pelas normas constitucionais e o STF pacificou o tema, conferindo segurança jurídica para todos os atores. Agora é trabalhar para uma reforma tributária ampla, buscando melhorias para o Brasil. Que possamos nos cobrir de verde e amarelo novamente.

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    é advogado tributarista em São Paulo, membro efetivo do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio, ex-coordenador jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, ex-membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP e da Comissão de Assuntos Fiscais da CNI, pós-graduado com especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional.

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