Opinião

Eleições municipais e crise da Covid-19: que lições vamos aprender?

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11 de setembro de 2020, 13h28

O Brasil entrou para um grupo de 70 países que adiaram suas eleições, previstas antes da ocorrência da pandemia da Covid-19, conforme dados sistematizados na página do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International IDEA [1]), uma organização intergovernamental que tem como missão difundir a democracia como uma aspiração universal, uma coalizão de governos do qual o Brasil faz parte desde 2016.

Em 2 de julho de 2020, entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 107 [2], que estabeleceu o dia 15 de novembro para o primeiro turno e, para municípios com mais de 200 mil eleitores, a possibilidade de um segundo turno em 29 de novembro.

A EC 107, no seu artigo 1º, §4º, prevê a possibilidade de adiar novamente as eleições, através de um mecanismo de segurança sanitária caso o quadro viral se agrave e coloque em risco a população. Seria impensável realizar eleições em plena quarentena em qualquer parte do mundo, principalmente com o formato atual brasileiro do exercício presencial e pessoal do voto.

Nesse caso, a autoridade competente será o Tribunal Superior Eleitoral, que, após instrução da autoridade sanitária nacional e ouvida a Comissão Mista que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, poderá solicitar ao Congresso Nacional que edite um decreto legislativo com a finalidade de remarcar o pleito eleitoral, observando o prazo limite de 27 de dezembro deste ano. Uma vez tomada essa decisão, será o TSE o responsável pelas medidas necessárias para a realização das eleições. Todas medidas preventivas são, de fato, necessárias. O ministro Roberto Barroso, atual presidente do TSE, em entrevista sobre a promulgação da EC nº107, lembrou que "mais de 140 milhões de eleitores estão aptos a votar e se estimam mais de 700 mil candidatos para os cargos de prefeito e vereador" [3].

A EC 107 autorizou o TSE, caso necessário, a editar resoluções para ampliar medidas de segurança sanitária nas sessões eleitorais, e também possibilita a mudança de horário do funcionamento e distribuição dos eleitores no período das eleições, bem como a edição de protocolos necessários para minimizar danos e contágios durante o pleito eleitoral.

Segundo dados publicados pelo Latinobarómetro, apenas 28% dos latino-americanos tinham alguma ou muita confiança na instituição eleitoral de seu país em 2018, uma queda de 23 pontos percentuais desde 2006. Esse é um indicador de muita preocupação, principalmente, em se tratando de América Latina, cuja história recente é marcada por ditaduras militares extremamente violentas e censoras da liberdade de expressão, e que atualmente é "invadida" por uma onda populista que, abertamente, não tem nenhum respeito pela democracia e seus processos de escolha.

O episódio mais marcante desse contexto atual foi o resultado das eleições nacionais da Bolívia [4], em que a Organização dos Estados Americanos (OEA) emitiu um parecer indicando possibilidade de inconsistência do resultado eleitoral e, com essa informação, a oposição não aceitou o resultado. Em consequência, o país viveu um golpe de Estado, seu ex-presidente Evo Morales teve de renunciar e, para proteger sua integridade física, buscou refúgio político em outro país.

Nessa toada, o Brasil tem vários desafios nas eleições municipais: em primeiro lugar, realizar as eleições regulares com segurança sanitária e com ampla liberdade de escolha. Em segundo, garantir ampla participação popular com acesso ao fundo partidário, destinando igualmente os recursos para as candidaturas femininas previstas na cota de candidatas mulheres. Em terceiro, garantir a lisura e segurança do voto eletrônico, além de enfrentar e repelir energicamente as fake news e todo tipo de engodo proveniente dessa conduta ilegal.

A lisura de todo o processo é essencial para a legitimidade das pessoas escolhidas e para a recuperação da confiança nas instituições democráticas. O negacionismo ao resultado eleitoral é uma estratégia que, em grande parte, consiste em alegações nunca fundamentadas em fatos reais e técnicos, portanto, uma forma de desestabilização do processo democrático.

Em relação aos partidos políticos, os candidatos terão de enfrentar a baixa credibilidade do Parlamento, acrescido da dificuldade de reunir pessoas sem aglomerações nos bairros e no centro. A propaganda gratuita de rádio e televisão deve subir significativamente de importância. Os candidatos mais conhecidos, a exemplo de parlamentares, influenciadores digitais e artistas, têm uma vantagem inicial, mas terão o desafio de serem viáveis eleitoralmente.

Todas as democracias enfrentam o desafio de realizar eleições legitimas, com ampla participação eleitoral. Sem voto na urna, o representante não possui condições políticas de exercer o mandato. Esse seria o principal perigo das eleições ocorrem em tempo de pandemia. Sem falar que, no caso brasileiro, o poder econômico não deixou de ser um fator decisivo nas estratégias eleitorais. Grupos de forte coesão social, como seguimentos religiosos, familiares e de corporações militares já representaram uma forte influência eleitoral nas últimas eleições.

No mundo, alternativas de votação têm sido testadas com êxito, como a votação por correspondência e a votação antecipada, usadas em Queensland (Austrália) e Baviera (Alemanha). Mas nada é igual ao que ocorreu na Coreia do Sul, que conseguiu profissionalizar estratégias de testagem e vigilância sanitária altamente eficientes e, com isso, gerou na população uma segurança tão importante que a participação eleitoral cresceu em comparação com as eleições anteriores.

O que esperar dos debates nas próximas eleições municipais? De forma inédita, vivemos uma convergência de crises: econômica, social, trabalhista, institucional, sanitária e política. Pode ser que a população cobre dos candidatos aumento dos programas e políticas públicas de saúde e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, motivada pela crise sem precedentes que vivemos por meses de pandemia, ou pode ser que a indiferença aos mais de cem mil mortos pela Covid-19 saia vitoriosa? Em seis meses de pandemia no Brasil, houve o equivalente, em número de mortes, a duas vezes o ano de 2017 em termos de violência urbana. Nesse ano, o Brasil enfrentou 63 mil homicídios. Em seis meses de Covid-19, foram 120 mil mortes.

O Direito Constitucional e o Eleitoral asseguraram os passos necessários para que tudo ocorra de uma forma transparente e rápida. É necessário um planejamento básico em saúde preventiva, para ajudar no achatamento da curva e em eleições seguras, esses dois fatores serão fundamentais para o aumento da participação nas próximas eleições e o fortalecimento da democracia.

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