Opinião

O lobby e a sua (i)licitude no Brasil

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10 de setembro de 2020, 12h10

O lobby é definido pela legislação americana como atividade pela qual são feitos esforços para defender aos interesses de um cliente perante autoridades públicas, visando à formulação, modificação ou adoção de legislação federal ou qualquer outro programa, política ou posição pública [1].

Além dos Estados Unidos, outros países possuem legislações próprias para regular essa prática. No Chile, único país da América Latina a regulamentar o lobby até o momento, a atividade é controlada pelo governo federal, que possui um braço especializado para tratar do tema. O país sul-americano conta ainda com uma plataforma online de transparência [2], por meio da qual se tem acesso às agendas das autoridades públicas que receberam lobistas e à lista de registro dos lobistas que mantiveram reuniões com autoridades sujeitas à denominada Lei do Lobby.

Bem distante da organização chilena, em solo brasileiro, a falta de clareza e a inexistência de legislação própria dão o tom sobre como a atividade é tratada.

No começo deste ano, a imprensa divulgou que o governo teria enviado ao presidente da Câmara dos Deputados uma lista com as proposições que seriam prioridade em 2020 [3]. Entre elas, estava o Projeto de Lei nº 1.202, de 30 de maio de 2007, que propõe a regulamentação do lobby e já está pronto para votação há mais de três anos, com aprovação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Há ainda outras propostas mais recentes (e detalhadas), como o Projeto de Lei nº 1.961, de 17 de junho de 2015, e o Projeto de Lei do Senado nº 336, de 3 de junho de 2015.

Diante da ausência de contornos claros, não é incomum que se confunda o lobby com os crimes de corrupção, advocacia administrativa e tráfico de influência. Diferentemente desses delitos, entretanto, o lobby não é ilícito e tampouco envolve a negociação de influências que não existem. A atividade, em sua teoria, é totalmente legítima: o lobista busca, com seus serviços, influenciar de fato agentes públicos municiando-os com informações para que decidam no interesse de quem o contrata. É nesse contexto que ganha importância o estabelecimento de regras para garantir transparência e oferecer segurança aos envolvidos.

Em decisão recente, o Tribunal Regional Federal da 1a Região [4] decidiu que "não há qualquer ilicitude no fato de alguém, quem quer que seja, vender os seus serviços de facilitação e trânsito de interesses corporativos ou econômicos". Segundo o acórdão, como o lobby não é atividade regulamentada no Brasil, é relativamente comum que se desenvolva sob o estigma da ilicitude. No entanto, isso não significa que se possa presumir a prática de crime apenas em razão de terem sido contratados serviços de lobistas. A decisão aponta que é necessário demonstrar, "concretamente e de forma indiscutível", em que momento, como, onde e em relação a quem o lobista transpôs os limites da legitimidade de sua atividade para avançar em atividade ilícita, como, por exemplo, corrompendo agentes públicos.

Apesar de o projeto de regulamentação permanecer em suspensão, o lobby ocupa espaço cada vez maior no debate público nacional e, ao que tudo indica, seguirá como tema de bastante relevância pelos próximos anos. Dessa forma, a irretocável decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região pode servir de baliza para outros magistrados e membros do Ministério Público Brasil afora, para que a conotação negativa geralmente atrelada à prática não cegue os aplicadores da lei.

 


[1] Disponível em: https://lobbyingdisclosure.house.gov/lda.html. Acesso em 2/9/2020.

[2] Disponível em: https://www.leylobby.gob.cl/. Acesso em 2/9/2020.

[4] Tribunal Regional Federal da 1a Região, Apelação Criminal nº 0070091-13.2015.4.01.3400/DF, Rel. Des. Néviton Guedes, publicado em 5/5/2020.

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