Opinião

A princesa Isabel, o 'acusador de poltrona' e o sistema de Justiça brasileiro

Autor

  • Lorena Faleiros Costa

    é sócia do escritório Gonçalves Macedo Paiva e Rassi Advogados pós-graduada em Direito Processual Civil pelo IDP-DF e pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade de Direito da UFG.

10 de setembro de 2020, 16h20

Chocou a todos a notícia da última semana de que acabou de ser julgado um processo iniciado pela princesa Isabel, no início da República, há 125 anos. No entanto, para quem milita no sistema de Justiça brasileiro, não é novidade que a "razoável duração do processo" é um princípio que, muitas vezes, acaba por não sair do papel da Constituição Federal.

A demora no julgamento de processos é notada também pelo cidadão que busca o Poder Judiciário a fim de que este corrija alguma injustiça: o passar dos anos amplia o sentimento de injustiça deste e descredibiliza as instituições e os profissionais envolvidos.

Ocorre que as consequências desse problema são ainda mais complexas do que essas, mais óbvias.

Uma das consequências mais evidentes e danosas da morosidade processual, mas muitas vezes não notada, é o "julgamento social", que se antecipa ao "julgamento judicial". É que, diante da demora do Poder Judiciário para dizer qual é o "lado certo" e o "lado errado", o "inocente" e o "culpado" de cada situação, a sociedade faz seus pré-julgamentos.

Assim, antes mesmo de que haja o mínimo de segurança a fim de que o juiz "bata o martelo", as vozes dos acusadores da sociedade já julgaram os envolvidos há muito tempo, muitas vezes de maneira injusta e com consequências irreversíveis.

É aqui que surge a figura do "acusador de poltrona": um cidadão que, do conforto de sua poltrona, tem pouco ou nenhum acesso a informação qualificada e muito acesso a informação desqualificada. É uma figura a quem falta, sobretudo, humanidade, talvez porque o país tenha sido duro demais com ele, ou talvez porque ele esteja simplesmente repetindo, sem notar, uma revolta que ecoa na fala e nas posturas do brasileiro com (quase) tudo. Curiosamente, o "acusador de poltrona" é nascido em um país de bases cristãs, mas atira pedras em direção à televisão e às redes sociais sem nem precisar levantar-se de sua poltrona para isso.

Qual seria a solução para evitar essa situação de "julgamento social" desmedido? Impedir a imprensa brasileira de veicular informações sobre todo e qualquer processo judicial antes do fim definitivo deste? Certamente não, pois, dada a demora processual, a liberdade de imprensa estaria gravemente violada.

Qual, então, é a solução compatibilizadora? Eu a vejo sob duas perspectivas, que devem ser providenciadas simultaneamente: melhoria da gestão do sistema de Justiça e aumento do incentivo a educação, cultura e ética da população.

A primeira perspectiva de solução passa por uma reestruturação do sistema de Justiça brasileiro que envolva todos os atores do sistema. Nesse cenário, muitas iniciativas já vêm sendo inauguradas em diversas frentes. Um ótimo exemplo é a "onda" de estímulo à conciliação, que envolve juízes, promotores, procuradores e advogados.

Afinal, o problema da morosidade processual não envolve apenas a gestão pública dos recursos disponíveis ao Poder Judiciário, é também uma questão estrutural. No Brasil, afinal, criam-se leis, desrespeitam-se leis e ajuízam-se ações judiciais. Nesse cenário, o sistema de Justiça torna-se "inchado" e, obviamente, demorado. No entanto, o cidadão injustiçado não consegue deixar de procurar o sistema.

A segunda perspectiva de solução passa pelo estímulo ao aumento do nível de educação, cultura e ética da população brasileira. Só assim, o "acusador de poltrona" terá condições de se tornar um cidadão crítico, deixará de atirar suas pedras indistintamente frente a qualquer situação e, até mesmo, passará a levantar-se de sua poltrona a fim de contribuir com a melhoria das estruturas sociais que, até então, o prendiam.

Diante desse diagnóstico, nota-se que é emblemático que o "processo judicial de 125 anos" tenha envolvido, justamente, a princesa Isabel, figura central do rompimento forçado (e nada humanizado) com o atraso da tradição escravocrata brasileira.

Conclui-se que 125 anos foram muito tempo para se julgar um processo judicial, mas, infelizmente, não foi tempo suficiente para que o "acusador de poltrona" tenha adquirido educação, cultura e uma boa dose de humanidade.

Que venham os próximos 125 anos.

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    é sócia do escritório Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados, pós-graduada em Direito Processual Civil pelo IDP-DF e pós-graduanda em Direito Público pela Faculdade de Direito da UFG.

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