Opinião

O problema da transferência do risco de extinção nos contratos de concessão e PPP

Autor

  • Felipe Herdem Lima

    é mestre em Direito da Regulação pós-graduado em Direito Empresarial autor dos livros: Liquidação Extrajudicial e seu devido processo administrativo Direito Bancário: Conceitos básicos Sistema Financeiro Nacional Contemporâneo: regulação e desafios; Resolução Bancária: Aspectos controversos e Novas Tendências do Sistema Financeiro Nacional; e sócio do escritório Herdem & Latini Advogados.

10 de setembro de 2020, 21h56

Em um cenário em que a ocorrência dos eventos causadores do inadimplemento do poder concedente (rescisão) e da extinção por interesse público (encampação) não podem ser controláveis pelo concessionário, algumas medidas devem ser tomadas para a adoção de melhores práticas na estruturação de financiamentos de infraestrutura.

No contexto atual, os financiadores [1] buscam a transferência para o concessionário do risco político de extinção do contrato [2]. Portanto, medidas de alocação de riscos devem ser tomadas para o desenvolvimento de melhores práticas de contratos e financiamentos.

Diante dessa realidade, medidas mais eficientes implicariam no aconselhamento da alocação dos riscos de rescisão e encampação nos contratos de concessão e parceria público privadas para o poder concedente. Entretanto, como aponta Maurício Portugal Ribeiro, "(…) a ausência de cláusulas detalhadas nos contratos de concessão e PPP e a superficialidade da visão doutrinária e das decisões judiciais sobre o tema terminam por atribuir, na prática, parcela relevante desse risco ao concessionário e até os seus acionistas" [3].

Assim, diante desse contexto, pretende-se realizar uma breve reflexão de como melhor alocar os riscos de encampação e rescisão nos contratos de concessão e parceria público-privada, de modo que melhores práticas de contratos de financiamento sejam adotadas.

Em um universo em que a ocorrência dos eventos causadores do inadimplemento do poder concedente (rescisão) e da extinção por interesse público (encampação) não podem ser controláveis pelo concessionário, algumas medidas devem ser tomadas para a adoção de melhores práticas na estruturação de financiamentos de infraestrutura.

Medidas mais eficientes implicariam no aconselhamento da alocação dos riscos de rescisão e encampação nos contratos de concessão e parceria público privadas para o poder concedente. Logo, é preciso melhor alocar os riscos de encampação e rescisão nos contratos de concessão e parceria público-privada, de modo que melhores práticas de contratos de financiamento sejam adotadas.

Em estudo publicado, Ribeiro aponta que, na prática brasileira, a composição dos recursos financeiros para a viabilização dos investimentos de uma concessão comum ou PPP para a prestação de serviço público costuma ficar entre 10% e 30% de capital próprio e 70% e 90% de capital de terceiros [4]. Assim, quanto maior o risco do projeto, maior o custo do financiamento. Logo, "a disponibilidade e os custos desses recursos dependem das proteções dadas aos financiadores, especialmente contra riscos transferidos para os financiadores que eles não têm como gerenciar, mais caros eles cobrarão pelo financiamento (para calibrar adequadamente a relação risco/retorno) e mais caro sairá para os usuários do serviço e para a Administração Pública a implementação do projeto" [5].

Assim, é correto afirmar que é do interesse dos usuários e da Administração Pública conferir uma proteção aos agentes financiadores, pela incapacidade de mitigação desses riscos, e o conseqüente equilíbrio na prestação do serviço, principalmente nos casos tratados neste artigo, da encampação e da rescisão, em que a rescisão ocorre por meio de uma decisão política (encampação) ou pelo descumprimento do contrato pela Administração (rescisão). Portanto, diante da lógica de maximização da eficiência econômica do contrato, que estipula que a alocação dos riscos deve ser realizada por meio do critério de quem possui a melhor capacidade de gerenciá-los [6], os riscos da rescisão encampação e da rescisão, deveriam em tese ser alocados ao poder concedente, uma vez que este possui o custo mais baixo para a redução das chances de ocorrência dos eventos.

Explico. Como observa Ribeiro, "os riscos devem ser alocados sempre sobre a parte que tem menores possibilidades de “externalizar” as consequências do evento indesejável, ou seja, repassar para terceiros o custo desses eventos". Logo, a possibilidade de repassar facilmente um custo para um terceiro retira o incentivo da parte para a prevenção e mitigação da ocorrência de eventos indesejáveis. Assim, ao repassar para o concessionário riscos do qual ele não tem como controlar ou prevenir, como no caso, da rescisão ou encampação, ele tenderá a [7]: I) contratar um seguro, repassando o custo do prêmio para o preço cobrado da Administração Pública ou usuário; e II) embutir no seu preço à Administração Pública o custo total de lidar com custos indesejáveis. Dessa forma, faz mais sentido alocar tais riscos para a Administração, caso contrário o agente privado irá externalizar o alto custo da captação do financiamento para o usuário e para a própria Administração.

Em um cenário ideal, em virtude dos eventos ensejadores da rescisão e da encampação não serem controláveis pelo particular, a Administração deveria assumir os riscos de extinção do contrato, nos casos de rescisão e encampação. No entanto, outras questões (riscos) devem ser analisadas, como por exemplo a necessidade de os contratos de concessão e PPP estabelecerem regras claras e objetivas para o cálculo da indenização pelos investimentos do parceiro privado ainda não amortizados.

É preciso, portanto, conferir proteção aos financiadores e aos investidores contra a possibilidade de ocorrência dos eventos ensejadores desses riscos políticos, de modo que não ocorra a externalização do mesmo para os usuários e para a própria Administração.

 


[1] A maior parte dos recursos necessários para o financiamento dos projetos são obtidos através da contratação de dívida junto ao setor bancário, em agências de desenvolvimento (BNDES , BID, IFC), ou no mercado de capitais, como por exemplo, através da emissão de títulos, no mercado internacional ou local, como as debêntures, ou securitização de receitas futuras

[2] Essa afirmação da transferência do risco para o concessionário será tratada especificamente no item 3. "Transferência dos financiadores do risco político de extinção do contrato ao concessionário e seus acionistas".

[3] RIBEIRO, Maurício Portugal Ribeiro. Lei de PPP 20 anos da Lei de Concessões- Viabilizando a implementação e melhoria de infraestruturas para o desenvolvimento Econômico- Social. p. 198. Livro digital, disponível em: http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/10-anos-da-lei-de-ppp-20-anos-da-lei-de-concesses, último acesso em: 29/10/2016.

[4] RIBEIRO, Maurício Portugal Ribeiro. Concessões e PPPs. Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo, ed. Atlas, 2011, p. 137.

[5] RIBEIRO, Maurício Portugal Ribeiro. Concessões e PPPs. Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo, ed. Atlas, 2011, p. 173.

[6] Neste sentido ver: RIBEIRO, Maurício Portugal Ribeiro. Concessões e PPPs. Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo, ed. Atlas, 2011, p. 80.

[7] RIBEIRO, Maurício Portugal Ribeiro. Concessões e PPPs. Melhores Práticas em Licitações e Contratos. São Paulo, ed. Atlas, 2011, p. 80.

Autores

  • é sócio do escritório GFX Advogados, professor do FGV Law Program, doutorando em Direito Público na Universidade de Coimbra e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

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