Opinião

O paradoxo da execução trabalhista e seu resultado nos planos processual e material

Autor

10 de setembro de 2020, 21h23

No Processo Trabalhista, ao contrário do que acontece no Processo Civil, vigora a regra de que para o conhecimento dos embargos à execução é necessário que a parte executada preste a devida caução, seja pelo prévio depósito do valor liquidado, pela apresentação de seguro garantia judicial ou ainda por meio do oferecimento de bens à penhora.

No entanto, em que pese na teoria existir a possibilidade de indicar bens à garantia da execução, a prática forense tem demonstrado que os juízos trabalhistas dificilmente aceitam outro bem que não seja o dinheiro em espécie, o que pode impactar o andamento da execução com a criação de um paradoxo processual em que tanto o direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como a atividade empresarial, podem restar prejudicados.

Esse paradoxo nada mais é do que uma espécie de "movimentação processual inútil". A roda gira, mas a execução não sai do lugar: nem o exequente recebe e nem a executada paga.

Pois bem.

No âmbito da processualística trabalhista, interessa para o presente artigo a possibilidade de indicação de bens à penhora, prevista no artigo 882 da CLT [1]. Já sob a regência do processo civil, em complemento, interessam as previsões contidas na integralidade do artigo 835 do CPC, o qual, no caput [2], elenca um rol em ordem preferencial de bens que podem ser indicados à penhora.

Por óbvio, em razão da maior liquidez que possui, o dinheiro está posicionado no topo do rol preferencial de bens à penhora, seguido de títulos da dívida pública, títulos e valores mobiliários, automóveis, imóveis e assim por diante.

É preciso também mencionar que a primeira parte do §1º do artigo 835 do CPC reforça a preferência da penhora em dinheiro quando descreve ser prioritária a penhora do referido bem, enquanto a segunda parte do parágrafo ressalva a possibilidade de alteração da referida ordem preferencial contida no caput, a depender da situação sob exame.

Para ilustrar a problemática, mas sem o intuito de ser exaustivo, vale a pena citar a ementa de um caso recentemente julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, nos autos da Reclamação Trabalhista 0000692-49.2015.5.06.0141, que ilustra bem a constatação que foi dita:

"AGRAVO DE PETIÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FALTA DE GARANTIA DO JUÍZO. MERA INDICAÇÃO DE BENS. IMPOSSIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA DA GRADAÇÃO DO ART. 835, "CAPUT" E § 1º, DO CPC. APLICAÇÃO DO ART. 882 DA CLT. DESPROVIMENTO.

Reza o artigo 884 da CLT que a admissão dos embargos do devedor fica condicionada à garantia integral dos valores em execução, que pode ser por depósito em dinheiro ou penhora de bens. É certo que a simples indicação de bens nos embargos a fim de fornecer a garantia legal necessária ao seu manejo não atende a exigência, pois não convolados em penhora. Ademais, na gradação de bens passíveis de penhora prevista no artigo 835, "caput e § 1º, do CPC, de aplicação no âmbito trabalhista por força do artigo 882 da CLT, a penhora em dinheiro é sempre prioritária, ante a sua máxima liquidez. Agravo de petição desprovido" [3] (grifos do autor).

Ocorre que, de todo modo e para todos os fins, em que pese possuir máxima liquidez, a norma processual civil não coloca como sendo unicamente exclusiva a penhora do dinheiro em espécie, apesar de existir certa rigidez de entendimento nesse sentido.

São nestes momentos que o interprete da norma precisa ter maior zelo com o significado das palavras colocadas nos textos normativos. Isso porque a ideia de "prioridade do dinheiro" de que trata o artigo 835, §1º, do CPC [4], em meu entender, não se confunde com a ideia de "exclusividade".

Até porque assim não poderia ser, haja vista a previsão contida no CPC sobre a observância das formas de execução que causem o menor ônus possível à parte executada [5], o que serve de base ao princípio da menor onerosidade ao executado.

Não se está aqui desprezando o direito do reclamante/exequente ao recebimento do crédito de natureza alimentar, mas que a inflexibilidade na aplicação da primeira parte do artigo 835, §1º, do CPC termina por ocasionar um ciclo paradoxal na fase executória que tende a prejudicar não só o direito de ampla defesa e contraditório, como também a própria efetividade da tutela jurisdicional.

De forma didática, o paradoxo processual pode ser resumido em quatro etapas:

— Tudo inicia com a indicação pela empresa executada de qualquer outro bem que não seja o dinheiro, ainda que este bem esteja dentro do rol do caput do artigo 835 do Código de Processo Civil;

— Em razão da rigidez na aplicação da primeira parte do §1º do artigo 835 do Código de Processo Civil, o juízo de primeira instância termina por indeferir a indicação à penhora feita pela empresa/executada, de forma que a execução não resta garantida, inviabilizando a oposição de embargos à execução, já que, como dito no início, é condição sine qua non para conhecimento dos embargos [6]

— Na tentativa de reverter a negativa, a empresa/executada interpõe Agravo de Petição, recurso cabível na fase de execução [7], mas sem muita esperança de lograr êxito, já que certamente o recurso não deve ser conhecido pelo tribunal por ocorrência da deserção, já que a garantia da execução, neste particular, também é requisito de admissibilidade e serve analogamente à uma espécie de "depósito recursal"  [8];

— O processo, então, retorna ao juízo de 1ª instância, sem a convolação da penhora, sem a perspectiva pelo reclamante/exequente de recebimento do seu crédito e sem a desoneração da empresa/executada do passivo trabalhista.

Como visto, a existência desse paradoxo processual representa para a empresa não só um prejuízo sob o prisma processual, como também um risco à continuidade do negócio.

No Brasil, uma das principais causas de mortalidade das empresas é a inexistência de capital de giro [9]. E isso se comprovou quando recentemente o IBGE publicou pesquisa informando que apenas na primeira quinzena do mês de junho foram fechadas mais de 500 mil empresas em razão da crise financeira ocasionada pela pandemia da Covid-19 [10], o que poderia ter sido evitado caso as empresas tivessem um caixa robusto.

Para o fim deste artigo, essas pesquisas servem para demonstrar que as empresas não estão preparadas para sofrer com abalos financeiros repentinos, a exemplo de uma tentativa de ordem de penhora online, especialmente quando aguardam fielmente que a celeuma judicial tenha uma resolução positiva.

De tudo isso se percebe que o paradoxo na execução trabalhista tanto cria prejuízos de ordem processual, seja pela ineficiência na prestação da tutela jurisdicional na Justiça do Trabalho, seja pela impossibilidade de ampla defesa e contraditório, conforme o artigo 5º, inciso LV, na Constituição Federal [11]; como também pode criar prejuízos de ordem material, já que sua resolução pode ser enxergada somente na realização de uma penhora sobre dinheiro, residindo aí um risco efetivo de se perderem valores previamente destinados pela empresa a alguma atividade empresarial.

Enquanto isso, nem o reclamante recebe, nem a empresa paga e a máquina judiciária continua a replicar o paradoxo, ainda que involuntariamente, em outras demandas judiciais.

 

[1] CLT, artigo 882 – O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da quantia correspondente, atualizada e acrescida das despesas processuais, apresentação de seguro-garantia judicial ou nomeação de bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no artigo 835 da Lei n HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm"

[2] CPC, artigo 835 – A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV – veículos de via terrestre; V – bens imóveis; VI – bens móveis em geral; VII – semoventes; VIII – navios e aeronaves; IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X – percentual do faturamento de empresa devedora; XI – pedras e metais preciosos; XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos.

[3] Processo: AP – 0000692-49.2015.5.06.0141, Redator: Eduardo Pugliesi, Data de julgamento: 28/08/2019, Primeira Turma, Data da assinatura: 29/08/2019.

[4] CPC, artigo 835 – […] § 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

[5] CPC. artigo 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

[6] CLT, artigo 884 – Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exequente para impugnação.

[7] CLT, Artigo 897 – Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias: a) de petição, das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções;

[8] TRT-10 00020126620135100021 DF, Data de Julgamento: 04/03/2020, Data de Publicação: 07/03/2020.

[9] Disponível em: https://datasebrae.com.br/sobrevivencia-das-empresas/. Acessado em 16/07/2020, as 14h50.

[10] Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/mais-de-500-mil-empresas-fecharam-na-1-quinzena-de-junho,3a4c549379ded6d57d5dfe88691f6f52164wbjw1.html. Acessado em 16/07/2020, às 15h27.

[11] Constituição Federal, artigo 5º — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!