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Opinião: Enfrentamento à criminalidade contra a comunidade LGBT+

7 de setembro de 2020, 15h13

Por Carlos Henrique Lima de Andrade, Paulo Klein

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Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADO 26/DF e MI 4733/DF, equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de racismo, Lei nº 7.716/89. Com efeito, se de um lado o referido julgado possa ser visto como um perigoso precedente de violação ao princípio da legalidade, de outro firmou um marco histórico no enfrentamento à criminalidade sofrida pela comunidade LGBT+, atendendo a uma velha bandeira deste público perante o Estado brasileiro.

Ser LGBT+ no Brasil é estar vulnerável à criminalidade específica, observando-se os índices publicados, sobretudo de crimes violentos, a exemplo do homicídio e lesão corporal, cujos modus operandi são dos mais cruéis possíveis. Nesse sentido, vale destacar a expectativa de vida da pessoa trans que, segundo dados colhidos no sítio eletrônico do Senado Federal, é de apenas 35 anos, metade da média nacional.

Essa vulnerabilidade é ainda mais acentuada quando se trata de LGBT+ em situação de exclusão social, tornando-os hipervulneráveis. Assim, a decisão da Suprema Corte vem em bom momento, e consiste em um primeiro e importantíssimo passo na solução dessa problemática que tem ceifado a vida de muitas pessoas e causado sofrimento em amigos e familiares próximos, além de temor aos demais LGBT+.

Equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo cumpre o mandado de criminalização constitucional contra qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, artigo 5º, inciso XLI, do que se extrai o fundamento constitucional da decisão.  

Cumpre destacar que outros ramos do Direito mostraram-se ineficazes no enfrentamento à criminalidade contra LGBT+, o que legitima o uso do Direito Penal nessa missão. Usa-se, assim, o simbolismo do Direito Penal para asseverar o valor da vida das pessoas LGBT+, contribuindo com a mudança de cultura no tratamento dado à comunidade, bem como a eficácia punitiva destes crimes.

No entanto, a criminalização considerada isoladamente não é suficiente, mas apenas um passo importante na luta pela afirmação da comunidade LGBT+, enquanto sujeitos e direitos e obrigações, e erradicação da criminalidade motivada pela contrariedade dessas pessoas à heteronormatividade e cisgeneridade.

É indispensável, neste momento, um pacto nacional das organizações sociais voltadas à comunidade LGBT+ para estimular a comunicação de casos de homofobia e transfobia ao Estado, pois ainda há subnotificação considerável de crimes dessa natureza, o que é negativo, uma vez que os dados oficiais não refletirão a realidade enfrentada, dificultando, por consequência, a formulação de políticas públicas indispensáveis.  

O sistema de Justiça criminal precisa ser aprimorado para atender de forma eficiente os casos de homofobia e transfobia, sobretudo reforçando-se os mecanismos que contribuam para a responsabilização e reeducação dos autores das infrações penais, e menos danos às vítimas.

Nesse contexto, não se nega a necessidade do protagonismo dos Poderes Executivo e Judiciário, além das funções essenciais à Justiça, no enfrentamento à criminalidade contra LGBT+, e quando se fala em enfretamento não se quer referir unicamente à punição à pena privativa de liberdade aos agressores, mas em mecanismos, também, de reeducação dos infratores, visando a uma mudança cultural, exatamente como ocorreu nos casos de violência contra a mulher.

Em suma, a criminalização de homofobia e transfobia, equiparando-se ao crime de racismo, foi importante e necessária, pois os poderes da República têm uma dívida histórica com a comunidade LGBT+ e a mobilização social.

Vale ressaltar, entretanto, que a luta dessa comunidade ainda está longe de acabar, exigindo a perpetuidade das manifestações em busca do aprimoramento do sistema de Justiça criminal no que se refere ao tratamento a ser dado aos casos de homofobia e transfobia.