Opinião

STF polemiza ainda mais a atualização monetária trabalhista

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6 de setembro de 2020, 17h17

Não temos nenhuma decisão final, ainda, acerca das ADIs 5867 e 6021 e ADCs 58 e 59 pelo STF, mesmo após três dias de sessão (12, 26 e 27 de agosto).

Recordemo-nos que a ADC 58 foi promovida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro, agregando vários amicis curiae. A ADC 59 foi promovida pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic), sendo que em ambas se pretende a declaração de constitucionalidade dos artigo 879, §7°, e 899, § 4º, ambos da CLT.

Já as ADIs 5867 e 6021 foram promovidas pela Associação dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). Na ADI 6021, a Anamatra sustenta a inconstitucionalidade do artigo 879, §7º, da CLT ao adotar a TR como índice para atualização dos débitos trabalhistas. Na ADI 5867, a associação alega que o §4º do artigo 899 da CLT é inconstitucional no que tange à expressão "com os mesmos índices de poupança", postulando que a atualização dos depósitos judiciais seja pela Selic.

Portanto, embora os temas das ADCs e das ADIs refiram-se à atualização monetária na Justiça do Trabalho, o fato jurídico e os dispositivos legais, elas tratam de situações distintas.

O artigo 879, §7º, da CLT refere-se à atualização dos débitos trabalhistas, ou seja, sobre o índice a ser adotado para a atualização dos débitos após o trabalhador ter ganho a ação, quando os cálculos finais forem realizados, já que um processo pode demorar meses ou anos. Na CLT a previsão é de que será a TR e assim desejam que se mantenha as autoras das ADCs. A TR está zerada desde 2018, conforme publicações do Banco Central. Já o TST e vários outros TRTs entendem que seria o IPCA-E o índice real que retrataria a inflação, e assim vindica a Anamatra na ADI 6021.

Por outro lado, discute-se a correção dos depósitos judiciais, os quais não se confundem com os débitos trabalhistas. Os depósitos judiciais são aqueles realizados pelo empregador a fim de que ele possa recorrer da decisão na qual foi sucumbente. O artigo 899, §4º, da CLT fixa que a atualização monetária desses depósitos será feita pelos "mesmos índices da poupança", e as ADCs pretendem que assim se mantenha. Já a Anamatra entende, com base em vários outros precedentes do STF, que a atualização correta para esses depósitos seria pela SELIC.

O que todos os ministros reconheceram é que a TR não é o indexador a ser utilizado para a atualização dos débitos trabalhistas. Nesse caso, já se tem a declaração da inconstitucionalidade do artigo 879, §7º., da CLT, tese da Anamatra na ADI 6021.

Porém, a divergência instaurou-se sobre qual seria, então, o indexador a ser adotado em substituição a TR.

O ministro relator, Gilmar Mendes, entendeu que o indexador seria a Selic, valendo-se de entendimento do STJ. O ministro Alexandre de Morais acompanhou o entendimento, divergindo apenas no tocante aos efeitos da modulação.

O ministro Fachin abriu a divergência, acolhendo o pedido da Anamatra na ADI 6021 no sentido de que o índice de correção a ser adotado deveria ser o IPCA-E.

O ministro Luiz Roberto Barroso, acompanhou o entendimento do ministro relator, Gilmar Mendes (Selic).

A ministra Rosa Weber acompanhou a divergência do ministro Fachin pela adoção do IPCA-E. Diferente foi o entendimento da ministra Carmen Lúcia, que acompanhou o entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes (Selic).

A partir desse voto, iniciou-se uma discussão acerca da modulação dos efeitos do julgamento,ex tunc ou ex nunc (com retroação ou não). A declaração de inconstitucionalidade que os ministros estavam reconhecendo não poderia atingir as ações já "julgadas", não importava o índice que elas haviam adotado para os cálculos (TR ou IPCA-E). Nesse ponto a discussão revelou-se um pouco afastada da práxis, exceção seja feita às ponderações da ministra Rosa Weber ao ressaltar que ação julgada e liquidada envolve questões diferentes, posto que os cálculos de liquidação ensejam várias dúvidas e incidentes sobre a coisa julgada. Além disso, naquele momento a discussão foi inócua, justamente porque os votos dos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello ainda não haviam sido colhidos.

Quando lhes foi aberta a possibilidade de voto, ambos acompanharam a divergência, ou seja, no sentido de que o índice de correção a ser adotado em substituição à TR seria o IPCA-E.

Empatado o julgamento, o voto a ser colhido seria do ministro presidente, Dias Toffoli, já que o ministro Fux declarou-se impedido para julgar os feitos. Porém, mais uma vez o julgamento foi adiado.

Ocorre que o ministro Dias Toffoli não decidiria a questão, ainda que seu voto tivesse sido externado, porque são necessários no mínimo seis votos para a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei, conforme artigo 97 da Constituição Federal ao estabelecer que "somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público".

O problema é que, como dito, o ministro Fux não vota e o ministro Celso de Mello encontra-se licenciado. No dia 1º de novembro, o ministro Celso de Mello completará 75 anos, sendo previsível que se aposente em dois meses. Então, é provável que o tema só seja votado após a nomeação de um novo ministro pelo presidente da República, que venha a ocupar a vaga do ministro Celso de Mello.

Talvez durante a espera o Poder Legislativo se sensibilize e venha a apresentar uma proposta de lei para reconhecer o IPCA-E como o índice a ser adotado para a correção dos débitos trabalhistas, e assim a questão seja de vez solucionada. Porém, é previsível que haja a redução dos juros, como contrapartida, como ocorreu na MP do contrato verde amarelo (atualização monetária pelo IPCA-E e juros de 0,5% ao mês), mas que não foi convertida em lei.

Agora, sobre os depósitos judiciais realizados pelos empregadores, para fins de recurso, estes, sim, devem ser corrigidos pela Selic, do contrário só ganharão os bancos.

No voto do ministro Fachin, houve o registro de que "por arrastamento" o mesmo índice, IPCA-E deveria ser adotado para os depósitos judiciais. Tal entendimento, com todo o respeito, pareceu-me equivocado, pois, como já pontuado, uma questão é a ADI 6021, que trata da correção dos débitos trabalhistas. Esse índice de correção não pode ser "arrastado" para os depósitos judiciais, tratados na ADI 5867, com todas as vênias.

Em suma, os temas são diversos factualmente, mas acabaram sendo confundidos. A Selic, que foi defendida na ADI 5867 para os depósitos judiciais, foi trazida para os débitos trabalhistas, da ADI 6021, por conta da posição do ministro relator e de mais três ministros que acompanharam o entendimento. Infelizmente, misturaram alhos com bugalhos, deixaram a emenda pior do que o soneto.

O Tribunal Superior do Trabalho, que é a maior corte em matéria trabalhista do sistema, já havia reconhecido a inconstitucionalidade da TR para a correção dos débitos trabalhistas, substituindo-a pelo IPCA-E. A especificidade do Direito do Trabalho e a especialidade do Tribunal Superior do Trabalho, com todas as vênias ao ministro relator Gilmar Mendes, recomendavam prestigiar o entendimento daquela corte, e não o entendimento do STJ.

Felizmente, foram firmes na defesa do TST os ministros Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.

Como não se pode perder a esperança, que bons ventos tragam iluminação aos nossos legisladores ou aos ministros não votantes, se a lei não sobrevier, para uma solução justa e definitiva sobre as questões das ADIs e ADCs.

E a nós, cabe "vigiai e orai".

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