Opinião

Apuração do lucro presumido no ramo imobiliário: o caso da permuta de imóveis

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6 de setembro de 2020, 6h02

O Superior Tribunal de Justiça, em decisões monocráticas, seguidas de julgamentos em agravos internos (Resp nº 1.758.483; Resp nº 1.801.839; Resp nº 1.846.712; Resp nº 1.754.618; Resp nº 1.733.560/SC; Resp nº 1.842.980), vem entendendo que nas operações de permuta realizadas por empresas dos ramos da construção civil e incorporação imobiliária, optantes pela sistemática do lucro presumido, "não há o auferimento de receita/faturamento, nem de renda e tampouco de lucro, mas sim, mera substituição de ativos". Somente a chamada "torna", que é a parcela em dinheiro, eventualmente recebida nas operações de permuta, no entender da corte, deve ser oferecida à tributação pelas empresas que exploram a atividade imobiliária, mesmo que sejam optantes pela sistemática do lucro presumido. Em outras palavras, os imóveis recebidos como parte do pagamento nas transações realizadas por essas empresas não integram a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

Com as vênias devidas, esses julgamentos estão partindo de premissa equivocada, merecendo, sem dúvida alguma, um exame mais cuidadoso e aprofundado daquele tribunal superior. Digno de nota que todas as decisões até então proferidas são oriundas de agravos internos, de modo que não houve, até o momento, oportunidade para debates mais amplos, o que, certamente, aprofundaria a proposição levada a julgamento.

De fato, até agora, as sistemáticas de apuração do lucro presumido e do lucro real estão sendo absolutamente igualadas, o que é, sem dúvida, heterodoxo. Nas decisões, o que restou estabelecido foi, na verdade, um regime misto de tributação, já que foram aplicadas às empresas submetidas à sistemática de apuração do lucro presumido regras e conceitos atinentes à tributação das empresas sujeitas ao regime do lucro real. Esse entendimento, inclusive, vai de encontro à jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, afastando a possibilidade dos contribuintes escolherem, entre um contexto normativo maior, apenas a aplicação das normas tributárias que lhes favoreçam, ora elegendo dispositivos que regulamentam o regime de tributação pelo lucro real, ora elegendo dispositivos aplicáveis ao regime de apuração pelo lucro presumido, criando, assim, regimes mistos não originariamente previstos na legislação.

Ora, sabemos que a determinação da base de cálculo no regime do lucro presumido tem como ponto de partida um percentual da receita bruta, variável de acordo com a atividade desenvolvida pela empresa. No caso das empresas do ramo imobiliário, os lucros são quantificados em 8% da sua receita bruta, o que significa dizer, a contrario sensu, que 92% do resultado operacional das empresas desse segmento foram presumidos, pelo legislador, como destinados à cobertura de custos e despesas.

Nessa sistemática simplificada de tributação, há uma presunção de que houve lucro em razão da receita. E o fato de existir lucro ou não, inobstante tenha sido considerado pelo STJ, é absolutamente irrelevante para a apuração do lucro presumido. O que interessa nessa sistemática é a existência de receita bruta, e não de lucro, já que esse é presumido pela aplicação dos percentuais de lucratividade ditados pela legislação.

De outro lado, é sabido que integra a receita bruta o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia, nos exatos termos dos artigos 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977; 208 do RIR/2018; e 26 da IN RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017. A receita bruta é, por conseguinte, a receita total decorrente das atividades-fim da organização, ou seja, das atividades para as quais a empresa foi constituída, segundo seus estatutos ou contrato social. Especificamente, no caso das empresas que exploram atividades imobiliárias, será considerada como receita bruta o montante recebido relativo às unidades imobiliárias vendidas (artigo 224 do RIR/2018, artigo 30 da Lei 8.981/95 e artigo 2º da Lei 9.430/96). E, aqui, desde logo se destaca, que a expressão "montante efetivamente recebido" não se resume, evidentemente, àquilo que é recebido em pecúnia, pois o recebimento pode ser em bens ou até em direitos.

Na verdade, o fato é que haverá significativa influência no resultado e nos registros contábeis de uma operação de permuta entre pessoas jurídicas, de acordo com o seu modelo de tributação, se com base no lucro real ou no lucro presumido, tudo em razão da alteração do artigo 27 do Decreto-lei 1.598/1977, promovida pela Lei 12.973/2014.

De fato, na sistemática do lucro real, o ato da permuta sem a ocorrência da "torna", ainda que efetivada entre imóveis com preços diferentes, não resultará em tributação. Todavia, quando a forma de tributação for a do lucro presumido, a tributação será devida.

Na verdade, a opção pela sistemática de apuração do lucro presumido traz em si a consequência de sempre resultar em imposto a pagar, ainda que o resultado efetivo da atividade empresarial seja zero ou, até mesmo, se a exploração da atividade econômica estiver sendo realizada com prejuízo. Repita-se, nessa modalidade, não se tributa o resultado efetivo das operações ou do período, pouco importando se o resultado efetivo foi positivo, negativo ou igual a zero.

Isso decorre, todavia, da livre opção do empresário após calcular a viabilidade negocial da escolha, cabendo observar qual dos dois modelos é o mais indicado no contexto da atividade imobiliária como um todo. Pode ocorrer que a permuta, no regime do lucro presumido, seja mais gravosa no ato da operação, todavia, na apuração final, seja mais favorável do que pelo lucro real. Tudo irá depender de uma efetiva avaliação. O que não é aceitável, ou ao menos não deveria ser, posto que não autorizado por lei, é a possibilidade do contribuinte se valer dos dois modelos, ao mesmo tempo, criando um regime fiscal híbrido, ou seja, obtendo as hipóteses de exclusão de receita do lucro real e sendo tributado pelo lucro presumido.

Assim, para o correto julgamento da questão, em primeiro lugar, devemos distinguir, já que evidentemente diferentes, os regimes de apuração de lucro.

Em segundo lugar, devemos levar em conta os conceitos tributários que informam as operações feitas pelo contribuinte na gestão de seus negócios. Ora, não deveria haver dúvidas de que toda operação verdadeiramente negocial possui como resultado uma receita. Na verdade, o objeto negocial das exploradoras de atividade imobiliária, consiste, justamente, em variedade de transações, entre outras, a permuta ou a compra e venda seguida de dação em pagamento.

Em terceiro lugar, importa considerar, como já dito, que para a composição da receita bruta, não se faz necessário que os ingressos sejam por meio operações feitas a dinheiro. Logicamente que não. Tudo o que for recebido na transação imobiliária integra o conceito de receita bruta e deve ser levado, portanto, à tributação, como dita a legislação. De sorte que, quando a construtora ou incorporadora dá saída a um bem ou direito do seu ativo, como um apartamento pronto ou a construir, ela aufere uma receita, pouco importando se o pagamento é feito em dinheiro, em bens ou em redução de um passivo. Vale dizer, o fato de se tratar de uma permuta e não de uma compra e venda, é absolutamente irrelevante para a configuração de determinada rubrica como receita.

Aliás, em nenhum momento, como não poderia deixar de ser, a legislação vigente diz que se consideram como receita apenas os ingressos em dinheiro. Dessarte, receita é o montante recebido na transação imobiliária, ou seja, o valor obtido com a operação, aí incluindo o valor dos bens recebidos em permuta.

Parece óbvio que o preço estabelecido em contraprestação à transferência de uma propriedade constitui receita da atividade da pessoa jurídica vendedora. E, sendo a pessoa jurídica vendedora optante pelo lucro presumido, o valor total do bem vendido, seja sob a forma de permuta, com ou sem torna, seja sob a forma de dação em pagamento, seja sob a forma de compra e venda, deve compor a receita bruta, como bem descreve o Parecer Normativo Cosit/RFB nº 9, de 2014, e as Soluções de Consulta Cosit nº 339, de 28 de dezembro de 2018, e nº 96, de 25 de março de 2019.

Nesse sentido, e com acerto, decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), no Ac nº 1402-002.874, em 19 de fevereiro de 2018, pela 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento, que "nas empresas que adotem o regime do Lucro Presumido, o valor do bem alienado em forma de permuta deve ser tratado como receita e oferecido à tributação". Da mesma forma, no Ac nº 1302-003.007, em 11 de outubro de 2018, restou afirmado que "o fato de a empresa optar pelo regime de apuração tributária, com base no lucro presumido obriga o oferecimento à tributação de todo o valor das permutas".

Além do mais, não se pode ter dúvida de que as operações decorrentes de contratos de permuta, firmados pelas empresas do ramo imobiliário, são operações, claramente, onerosas, mesmo nas hipóteses de inexistência de torna. Os bens objetos do negócio jurídico são negociados levando-se em conta o valor de mercado. Não se trata, a todas as luzes, de mera substituição de ativos, como vem afirmando, apressadamente, data venia, a Corte Máxima de Direito Federal. Inquestionável que a empresa de intermediação imobiliária tem perspectiva de ganho nas operações realizadas, sendo certo que o imóvel permutado é parte do preço do imóvel de maior valor.

De mais a mais, necessário ressaltar que não estamos falando de permuta esporádica, realizada no âmbito civil, mas, sim, de negócio jurídico inserido em uma atividade econômica exercida com intuito lucrativo, ou seja, a própria atividade empresarial.

Inclusive, foi exatamente isso que decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 371.258, tendo como relator o ministro Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 3/10/2006, oportunidade em que restou definido que "o conceito de receita bruta sujeita à exação tributária envolve, não só aquela decorrente da venda de mercadorias e da prestação de serviços, mas a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais".

Derradeiramente, necessário sobrelevar a existência de equiparação legal entre os contratos de permuta e de compra e venda, como se extrai do próprio Código Civil, em seu artigo 533. De fato, entre as diversas formas jurídicas por meio das quais se pode alcançar a alienação, figuram a venda, a permuta, a dação em pagamento, a doação etc. A permuta, é, portanto, uma forma da alienação, estando identificadas em seu modelo as linhas gerais da compra e venda. Permuta e compra e venda são, portanto, institutos próximos, obrigacionais, ambos com efeitos patrimoniais, cuja diferença consiste, basicamente, na utilização ou não da moeda. É o uso do dinheiro, enquanto instrumento de troca, que diferencia os dois institutos.

Em última palavra, as chamadas operações de permuta, quando realizadas por pessoas jurídicas que exercem negócios imobiliários e que optaram pela sistemática de apuração do lucro presumido, não podem ser excluídas da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins, por revelarem, efetivamente, receita do contribuinte oriunda do exercício de sua atividade preponderante, sob pena de omissão de receita.

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