Opinião

Comissão de Valores Mobiliários coloca "freio" nas lives

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5 de setembro de 2020, 7h05

Na semana passada, no último dia 27, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão responsável pela regulamentação do mercado de capitais, divulgou o Ofício-Circular 07/2020 CVM/SEP reafirmando que se aplicam a "lives" ou "transmissões ao vivo" as obrigações previstas na Instrução CVM nº 358/02 e a Instrução CVM nº 480/09, no que tange à divulgação de informações.

A CVM procurou resguardar que as informações sejam disponibilizadas ao mercado de forma abrangente, equitativa e simultânea. A preocupação e a intenção da CVM são pertinentes, em especial em vista da quantidade de novas companhias abrindo capital nos últimos meses e o volume de novos investidores pessoas físicas que ingressaram na bolsa no último ano.

Embora a CVM tenha informado não se tratar de inovações quanto às obrigações já existentes, chamou a atenção do mercado a previsão pela CVM de que, previamente aos eventos, a companhia divulgue, por meio de comunicado ao mercado, as informações sobre qualquer transmissão em que um representante da companhia for participar, incluindo, além da data, hora e endereço na internet, a relação dos temas a serem discutidos e perguntas que serão realizadas. Ademais, o Ofício estabelece que os materiais referentes ao evento, escritos ou não (incluindo temas a serem discutidos e eventualmente as perguntas a serem feitas) sejam disponibilizados no Sistema Empresas.Net. e, não sendo possível divulgar com antecedência o conteúdo da "live", que o evento seja realizado fora do horário do pregão.

 A recomendação de se divulgar Comunicados ao Mercado a respeito das apresentações envolvendo todo e qualquer tema, sem maiores distinções, compromete a própria importância desse instrumento, criado com a finalidade de as companhias divulgarem informações que, embora não consideradas potencialmente relevantes nos termos da regulamentação, seriam úteis aos seus acionistas e ao mercado em geral. Sendo assim, a norma, ao contrário de trazer maior clareza ao mercado, traria um excesso de informações que podem sequer ser úteis aos acionistas, afetando a distinção das informações que realmente importam aos investidores (information overload).

A questão dos comunicados ao mercado causou especial estranheza pois hoje não há obrigação de divulgar comunicado ao mercado, por exemplo, quando executivos das companhias abertas dão entrevistas à imprensa, desde que não envolvam matérias em relação às quais haja obrigações específicas de divulgação. A responsabilidade sobre o conteúdo das informações já existia e permanece. Os executivos já devem tomar todas as precauções quanto à confidencialidade de informações relevantes ainda não divulgadas ao mercado, em sua vida pública e privada. No caso de ocorrência de transmissões que desrespeitem essa regra, já haveria uma infração passível de sanção pelos meios anteriormente existentes.

Outros dois pontos também geraram intensa discussão. O primeiro é que o Ofício menciona que se aplica à participação de "representantes" ou "executivos", mas não esclarece a abrangência dessas expressões. Nesse sentido, a recomendação tem sido que se entenda que a norma não se aplica apenas a diretores estatutários, mas a todos que estejam representando as companhias abertas nesses eventos.

O segundo foi o fato de o Ofício não distinguir o assunto de que tratam as transmissões. A rigor, pelo Ofício, ainda que a transmissão não tenha relação com informações importantes da companhia, esta deveria divulgar um comunicado ao mercado. Como mencionamos anteriormente, há uma preocupação pelas companhias abertas quanto à banalização desse instrumento, além de gerar um aumento do custo de observância para os emissores.

Em 31 de agosto, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) apresentou carta à CVM carta reportando suas dúvidas e também a preocupação em obter clareza sobre os termos da norma o mais breve possível. Executivos de várias companhias abertas já tinham transmissões agendadas, sobre os mais diversos temas, e os diretores de relação com investidores não têm clareza sobre como orientar os respectivos executivos e mitigar a responsabilidade no caso de eventual descumprimento das novas recomendações por tais executivos.

Isso porque, muito embora o Ofício-Circular não tenha força de regulamentação, estes instrumentos trazem a interpretação da CVM a respeito do cumprimento das normas por ela emitidas, de modo que, eventual descumprimento das recomendações ali previstas podem vir a ser considerado um descumprimento da norma em si.

Nesse momento, o mais recomendado seria adotar uma posição conservadora e nenhum executivo ou representante de companhia aberta realize transmissões ao vivo sem atender às recomendações do Ofício e, mantida a orientação, pode ser interessante que as companhias procedam à alteração de suas políticas de divulgação para contemplar as novas orientações e, assim, vincular os demais agentes, que não os administradores da companhia.

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