Opinião

Questionamentos sobre a reforma tributária apresentada pelo governo

Autor

  • Alfredo Bernardini Neto

    é consultor jurídico há mais de 15 anos membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários especialista em Direito Processual Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário e sócio do escritório Bernardini Martins & Ferras Advogados.

3 de setembro de 2020, 9h12

Recentemente, muito tem se falado em reforma tributária e sobre sua necessidade de sair do papel, inclusive, no último dia 21 de julho foi recebido pelo Congresso Nacional o primeiro texto oficial do governo federal (Projeto de Lei nº 3887/2020), intitulado como a "primeira parte da reforma tributária". Entretanto, devemos nos questionar: qual a real finalidade da pretendida reforma?

Seria uma forma de promover palanque político em época não eleitoral, ou necessidade do governo de aumentar a nossa carga tributária para cobrir os rombos das contas públicas, ou, ainda, buscar a suposta "justiça fiscal", tributando os mais ricos em detrimento dos mais pobres, ou finalmente seria para buscar uma desburocratização e diminuição da carga tributária de forma a fomentar as empresas, negócios e a economia?

Certamente, todas as opções acima listadas podem ser as respostas dependendo do espectro que se olha a situação e que se leva em consideração os jogos de interesse que estão envolvidos na famigerada reforma tributária.

Se buscarmos o conceito de reforma em nossos dicionários, iremos encontrar como sendo a "mudança introduzida em algo para fins de aprimoramento e obtenção de melhores resultados".

E é exatamente esse o ponto em questão no presente artigo: a mudança pretendida com a reforma tributária irá trazer melhores resultados para quem? Para o contribuinte ou para o Fisco?

Não temos dúvidas de que os discursos políticos estampados nos jornais e em toda mídia são no sentido de que a pretendida reforma vem para desburocratizar o sistema tributário e visa a diminuir a carga tributária ou ao menos aliviar parte dos encargos fiscais, em especial aqueles incidentes sobre a folha de salário. Entretanto, na prática não é isso o que conseguimos vislumbrar.

Somente para retratar a nossa realidade em números, é necessário trazer ao conhecimento do leitor que atualmente existem mais de 41 mil leis tributárias no Brasil, sendo elas federais, estaduais e municipais. Estima-se que cada empresa tem de seguir atualmente mais de 3.790 normas, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento tributário (IBPT), e a cada dia uma média de 30 novas regras ou atualizações tributárias são editadas no país. Ou seja, a cada hora mais de uma nova norma tem que ser seguida ou levada em conta no cálculo dos impostos. E mais, segundo o Banco Mundial o Brasil é o país onde se gasta mais tempo calculando e pagando impostos: são mais de R$ 60 bilhões por ano para vencer a burocracia tributária.

Obviamente que toda essa burocracia e complexidade tributárias representam um custo adicional para as empresas, que inevitavelmente é repassado aos preços dos produtos e serviços e reduz a competitividade do Brasil. A estrutura de tecnologia e recursos humanos que as empresas precisam montar para lidar com a burocracia consome cerca de 1,5% do seu faturamento anual, aponta pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Ou seja: além de termos uma alta carga tributária, também temos um dos maiores custos mundiais para apuração e recolhimento dos tributos.

E, para o desespero do cidadão e empresário brasileiro, a única saída que poderia reverter essa situação caótica, qual seja, uma boa reforma tributária, está se desmaterializando e sofrendo uma metamorfose e/ou mutação legislativa em que irá somente atender aos interesses arrecadatórios do governo.

Com a ida do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Congresso Nacional no dia 21 de julho e a entrega da primeira parte da proposta de reforma tributária do governo federal aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, de grande decepção foi acometida a classe jurídica tributária.

A tão esperada reforma tributária não se materializou como uma "reforma", mas tão somente foi apresentada proposta que vem criar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), um imposto do tipo valor agregado (IVA), em substituição ao PIS/Pasep e à Cofins, que deverão ser extintos.

Atualmente temos quase cem tributos ativos e vigentes em nosso país, sendo que os seguintes tributos podem ser classificados como principais fontes de arrecadação dos governos: PIS, Cofins, Imposto de Renda (IR), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), IPI, Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), INSS, ICMS, IPVA, ISSQN e IPTU, entre outros.

E somente dois tributos — PIS e Cofins, que são personagens coadjuvantes em nosso sistema tributário — estão sendo as pilastras para sustentar a famigerada reforma tributária.

Sustenta o governo que com o fim do PIS/Cofins acabam os tributos diferenciados para vários setores e mais de uma centena de regimes especiais. Na avaliação da pasta, o CBS contribui para um sistema mais simples, neutro e homogêneo, que tornará a reorganização das atividades empresariais mais eficientes, o que impulsionará a produtividade e o crescimento econômico.          

Entretanto, sucumbe o governo em destacar que a alíquota de 3,65% do regime cumulativo e a de 9,25% do regime não cumulativo serão substituídas por uma alíquota única de 12%. Não precisa ser grande estudioso ou entendedor do Direito Tributário para compreender qual o resultado desta mutação na reforma tributária.

Nítido o objetivo arrecadatório do governo com essa reforma tributária, pois nada irá mudar tão substancial do ponto de vista tributário/fiscal/contábil, e, assim, questionamos: hoje temos os regimes cumulativos, não cumulativos e monofásicos — eles serão extintos? A resposta é negativa. Nos artigos 9º a 16º do Projeto de Lei nº 3887/2020 são tipificadas diversas situações em que não serão permitidos os creditamentos, há limitação temporal da utilização dos créditos, autorização de utilização dos créditos somente por valor nominal, vedada transferência de créditos para terceiros, entre outras limitações. Nos artigos 32 e 33 do referido projeto de lei ainda constam os regimes monofásicos.

Assim, os prestadores de serviços em geral, que são grande parte do setor que fomenta a economia brasileira, sofrerão altíssimo impacto em sua carga tributária, pois sendo uma atividade que não detém "insumos" para geração de créditos terão de trabalhar praticamente em um regime cumulativo pagando uma alíquota de 12%.

Para os setores que se valiam do regime não cumulativo e que podiam utilizar os créditos relativos aos seus insumos utilizados em sua produção, como as indústrias e grandes centros comerciais, estes somente terão uma alíquota já existente de 9,25% alterada para 12%.

Repisa-se: o sistema não cumulativo, que seria uma novidade vinda com a reforma tributária, já era existente em uma alíquota de 9,25% e vai agora para 12%.

Ou seja: o governo tenta trazer um discurso de que está trazendo um "novo" regime tributário, entretanto, esse regime não cumulativo já temos implementando em nosso país há longa data.

E mais, diferentemente dos projetos de reforma tributária apresentados por outros estudiosos do setor, como por exemplo o economista Bernard Appy, que realmente mexe nas estruturas do sistema tributário, este agora apresentado certamente irá desviar a atenção e dificultar a aprovação de uma reforma mais ampla e justa. Vale destacar que no projeto que deu origem à PEC 45, por exemplo, que corre desde o ano passado na Câmara dos Deputados, a contribuição estimada para essa fatia do imposto é de 9%, já incluindo PIS, Cofins e também o IPI, que ainda nem entrou nos 12% que o governo fixou.

Outra questão relevante é que, diferentemente das outras propostas de reforma apresentadas, a proposta enviada pelo ministro Paulo Guedes é parcial e deixou uma parte importante da cesta de impostos sobre consumo, caso do IPI, do ICMS e do ISS, para ser unificada em uma segunda etapa da reforma, que irá ocorrer em um futuro incerto e não sabido.

Outra questão importante é que referido projeto vem atender, e de certa forma favorecer, a setor privilegiado da economia, qual seja: as instituições financeiras, planos de saúde e seguradoras, que irão arcar somente com uma alíquota de 5,9% sobre a receita bruta.

Certamente o governo federal já sentou com esses setores e alinhou uma carga tributária que fosse aceitável, entretanto, com os demais setores da economia isso não ocorreu e novamente nós, cidadãos brasileiros e empresários, é que iremos pagar a conta.

Exatamente por esses motivos, questionamos: estamos diante de uma reforma tributária ou uma mutação tributária que tem objetivos meramente arrecadatórios?

O presente artigo vem para demonstrar uma visão crítica da suposta reforma tributária e incitar em cada um de nós a mensagem que tal tema merece um estudo mais aprofundado e que tenha efetivamente parâmetros dos impactos que ela irá trazer aos contribuintes e empresários brasileiros.

Não temos mais espaço para aumentar a carga tributária e o contribuinte e empresário brasileiros não têm mais margem para suportar esse ônus e engodo que o governo traz com a famigerada reforma tributária.

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    é sócio do escritório Bernardini, Martins & Ferras Advogados, membro associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e especialista em Direito Processual Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

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