Engenheiros do Caos

O que interessa para Trump e Bolsonaro é a realidade paralela, diz Da Empoli

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2 de setembro de 2020, 17h26

A lógica de políticos como Jair Bolsonaro e Donald Trump é a de um show diário para engajar as pessoas em seu projeto de poder. "Pensar que podem mudar, entender que passaram dos limites, é não compreender como funcionam e como chegaram aonde chegaram", disse o cientista político italiano Giuliano Da Empoli, em entrevista a O Globo.

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O diretor do think tank Volta, com sede em Milão, é autor de "Os Engenheiros do Caos". A obra, lançada no final do ano passado no Brasil, tem chamado a atenção de políticos de diferentes matizes por abordar de maneira direta a fórmula de sucesso usada por populistas de direita, como Trump, Boris Johnson e Bolsonaro, para ficar em evidência na internet, só criando polêmicas.

Para Da Empoli, esses líderes são profundamente narcisistas. "Não podemos esquecer, nunca, que estão fazendo um grande show. O entretenimento é muito importante para eles. E um show não é algo democrático, porque você tem uma pessoa no palco dizendo aos outros como as coisas devem ser. Governos muito dependentes da internet estão condicionados a uma ferramenta que é o oposto da democracia. A internet manipula as pessoas. Você tem acesso a tanta informação para influenciá-las, já não depende de um debate democrático. E sim de quem faz o melhor cálculo, usa melhor seu algoritmo. O que vemos no Brasil e em outros países não é um jogo democrático para analistas e assessores políticos, é para engenheiros."

"Muito se fala sobre fake news, mas elas não são o mais importante. O importante é entender que existem realidades paralelas, que podem até ser verdade, mas esses tipos de líderes aumentam notícias e criam realidades que, para muitas pessoas, são úteis. Quando Bolsonaro ou Trump falam sobre a cloroquina, sobre como deu certo com algum paciente, transformam isso numa realidade muito maior do que realmente é."

Para o cientista político, "é preciso entender como funcionam líderes como Bolsonaro e, principalmente, superar a indignação". "Se você olhar para esse fenômeno e pensar que ele está fazendo tudo errado, que não faz sentido, não vai funcionar. Deve-se entender por que ele chegou onde chegou. Trump não é um gênio, mas tem bom instinto e tem pessoas eficientes que trabalham para ele. Se você me perguntar, não descarto sua reeleição. O engajamento com Trump nas redes é dez vezes superior ao de Biden [candidato democrata]. Trump ainda pode mobilizar as pessoas, não ganhou seguidores, mas tampouco perdeu."

Para Da Empoli, o país dele, a Itália, foi um laboratório, assim como o Brasil também é hoje para esse fenômeno. "A Itália, comparada com outros países da União Europeia, tem elites e instituições fracas e, nesse contexto, partidos políticos como o Movimento 5 Estrelas e a Liga, crescerem rápido. As pessoas estavam muito zangadas, o processo do mani pulite [operaçao mãos limpas, que inspirou a brasileira "lava jato"] criou uma aversão ao establishment e tudo ficou possível na política. Os italianos queriam outsiders, por isso tivemos [Silvio] Berlusconi e temos [Matteo] Salvini."

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