Opinião

Comentários ao Enunciado 17 aprovado na I Jornada de Direito Administrativo

Autor

  • Marinês Restelatto Dotti

    é advogada da União especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora da obra "Governança nas contratações públicas: aplicação efetiva de diretrizes responsabilidade e transparência".

2 de setembro de 2020, 19h21

A I Jornada de Direito Administrativo, evento em formato virtual realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) entre os dias 3 e 7 do mês passado, aprovou 40 enunciados atinentes à área do Direito Administrativo, entre eles temas referentes às empresas estatais e seus processos de contratação.

Destaque-se o disposto no Enunciado 17:

"Os contratos celebrados pelas empresas estatais, regidos pela Lei nº 13.303/2016, não possuem aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/1993. Em casos de lacuna contratual, aplicam-se as disposições daquela Lei e as regras e os princípios de direito privado".

A aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/1993 nos contratos celebrados por empresas estatais, caso fosse adotada, inviabilizaria a coexistência dessas entidades em relação às empresas privadas suas concorrentes no mercado de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços — em face da dissociação do procedimento formal previsto nos contratos regidos pela Lei Geral de Licitações em relação às medidas céleres praticadas pelo setor privado.

Estabelece o artigo 32, inciso IV, da Lei nº 13.303/2016, o qual dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, que:

"Artigo 32  Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes: (…) IV adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 , para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado".

Segundo a diretriz citada, as empresas estatais devem adotar, de forma preferencial, a modalidade de licitação denominada de pregão, instituída pela Lei nº 10.520/2002, para as aquisições de bens e serviços comuns. Resulta, pois, que o processamento das licitações pelas empresas estatais, com base nessa modalidade (pregão), observará o rito procedimental previsto na Lei nº 10.520/2002, vedando-se que seus regulamentos internos combinem ritos ou criem sistemas jurídicos híbridos de licitações que misturem atos administrativos e fases existentes nessa lei (nº 10.520/2002) com aqueles previstos na Lei nº 13.303/2016. Quando adotada a modalidade de pregão, vinculam-se à empresa estatal às regras da Lei n° 10.520/2002 no processamento da licitação, competindo à autoridade competente designar, entre os agentes públicos da entidade, o pregoeiro e a respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, entre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor. E na lacuna da Lei nº 10.520/2002 acerca do processamento do pregão pela empresa estatal, aplica-se a Lei nº 13.303/2016 ou a Lei nº 8.666/1993? A resposta está no artigo 9º da Lei do Pregão, o qual estabelece a aplicação subsidiária das normas da Lei Geral de Licitações, a Lei nº 8.666/1993. A aplicação subsidiária dessa lei decorre do rigor formal que devem atender aos procedimentos licitatórios, independentemente do órgão ou entidade pública licitante, evitando-se, assim, a inserção de cláusulas ou condições não previstas em lei, que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do certame, ou, ainda, de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato.

Ante à adoção preferencial da modalidade de pregão pelas empresas estatais e o seu processamento por meio das regras existentes na Lei nº 10.520/2002, exsurge a seguinte indagação: os contratos decorrentes de licitações processadas sob essa modalidade (pregão) são regidos pela Lei nº 8.666/1993 ou pela Lei nº 13.303/2016? A resposta está na lei que instituiu o regime jurídico de licitações das empresas estatais, a Lei nº 13.303/2016, notadamente o seu artigo 68, segundo o qual "os contratos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado". Assim, o contrato decorrente de licitação processada por meio da modalidade de pregão, regrada pela Lei nº 10.520/2002, reger-se-á pelas normas da Lei nº 13.303/2016. Em casos de lacuna contratual, aplicam-se as disposições dessa lei (nº 13.303/2016) e as regras e os princípios de Direito privado.

O texto do Enunciado 17, em razão da utilização preferencial da modalidade de pregão pelas empresas estatais, poderia ter sido ampliado para dispor que os contratos celebrados por essas entidades, inclusive os decorrentes dessa modalidade (pregão), reger-se-ão pela Lei nº 13.303/2016, não sendo aplicável, subsidiariamente, as regras da Lei nº 8.666/1993. Pode-se argumentar que tal disposição ampliativa do enunciado é despicienda em razão da clareza do artigo 68 do estatuto jurídico das empresas estatais, mas tal argumento não guarda razão. É que o processamento de licitação na modalidade de pregão, regida por lei específica, a Lei nº 10.520/2002, a qual admite aplicação subsidiária da Lei nº 8.666/1993, por empresas estatais cujo regime jurídico encontra previsão na Lei nº 13.303/2016, são aptos o bastante para gerar dúvida a respeito da norma de regência aplicável aos contratos de prestação de serviços e fornecimento de bens, comuns, celebrados no âmbito dessas entidades.

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