Opinião

Espiral do silêncio, efeito manada e pesquisas eleitorais

Autor

  • Rodolfo Siqueira

    é advogado especialista em Direito Processual e em Direito Público presidente do Instituto de Direito Público de Sergipe integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político membro-fundador do Instituto Sergipano de Direito Eleitoral e sócio fundador do Siqueira Pinto Advogados.

31 de outubro de 2020, 6h34

Na década de 70, a alemã Elisabeth Noelle-Neumann apresentava ao mundo a teoria denominada "espiral do silêncio", cuja ideia central é a de que indivíduos omitem sua opinião quando conflitante com a maioria em razão do medo do isolamento, da crítica ou mesmo de eventual zombaria.

Segundo a autora, tal comportamento ocasiona um efeito progressivo, afetando não só o indivíduo que se omite, como também outros que eventualmente poderiam com ele concordar, mas, imbuídos do mesmo receio, deixam de se manifestar, gerando, assim, um movimento ascendente em espiral.

Estruturada nessa base, é possível identificar movimentos de tendência (ou tendências de movimento), sempre influenciados por uma supervalorização ou sobrevalorização coletiva acerca de determinado assunto ou mesmo, de determinado grupo político.

A partir do estudo, é possível perceber, então, a base do comumente chamado "efeito manada", sobretudo no que diz respeito à corrida eleitoral.

Da introdução, tenho certeza que vocês já perceberam a correlação entre o estudo, que, diga-se, teve como objeto mudanças repentinas do eleitorado alemão nas eleições de 1965 e 1972, e as pesquisas eleitorais tal como feitas no Brasil.

Todo o processo eleitoral brasileiro tem como farol o direito ao acesso à informação, daí porque são permitidas divulgações de pesquisas eleitorais. Mas, levando em consideração todo o estudo aqui mencionado, será mesmo que estamos no caminho certo em relação às pesquisas eleitorais?

Vê-se que, não raro, as pesquisas eleitorais no brasil transcendem o objetivo informativo, sendo utilizadas como instrumentos de influência do eleitorado, talvez em choque com outros vetores constitucionais:  normalidade e legitimidade do processo eleitoral (artigo 14, §9º, CF), aqui compreendidos em sua acepção ampla, ou seja, todo o processo que cerca a corrida eleitoral.

É realmente legítimo que as pesquisas eleitorais sejam utilizadas com o fim de influenciar este ou aquele candidato, sobretudo quando algumas pesquisas não necessariamente refletem a realidade?

Quantas vezes não vimos pesquisas realizarem resultados, não apenas os refletindo, numa espécie de profecia autorrealizável? Quantos candidatos se viram privados da vitória nas urnas por conta de pesquisas, algumas programadas para essa finalidade?

O tema é de fato complexo, principalmente quando confrontado com a legislação que rege o processamento de tais pesquisas, a qual induvidosamente ainda permite a geração do denominado efeito manada, contra ou a favor de determinado grupo, ideia, bandeira.

O ideal seria que nós mesmos fôssemos capazes de escolher representantes com base em identidades de agendas, não em virtude do que pensa uma suposta maioria, máxime quando a maioria sequer existe, mas é forçada a existir em razão da divulgação de uma pesquisa, em uma perversa lógica de uma consequência que também é causa.

Esse ideal é aparentemente utópico (com o perdão de eventual redundância), pois, segundo Noeman, a vontade de não contrapor a maioria dominante é da essência do ser humano, ainda que em alguns momentos parte dos indivíduos lute contra a tendência da maioria.  

Ora, como conferir legitimidade a um pleito eleitoral, quando a maioria dos eleitores é forçada, ou ao menos induzida, a existir, subvertendo a natural vontade popular?

Então a prática de publicar pesquisas eleitorais deveria ser extirpada de vez da nossa legislação?

Não. O que precisamos é rever nossa legislação no que se refere ao processamento e divulgação das pesquisas (por óbvio que o raciocínio aqui trazido pode ser aplicado a diversas temáticas), para que não vulneremos o direito ao acesso à informação, mas ao mesmo tempo tenhamos um maior rigor em relação à divulgação das pesquisas eleitorais, impedindo-as (ou ao menos minimizando as chances) de forçar um resultado.

Entre possíveis soluções, poderíamos fortalecer o contraditório antes das divulgações das pesquisas, como uma solução salomônica a harmonizar ambos os direitos, permitindo que todos os players efetivamente possam contrapor os dados da pesquisa registrada (o que ocorre de forma incipiente no atual modelo), trazendo a previsão de um maior crivo da Justiça Eleitoral antes da divulgação das pesquisas.

Outra reflexão necessária diz respeito à possibilidade de se restringir o período em que são permitidas as divulgações de pesquisas. França e Canadá, por exemplo, impõem certas restrições à medida que o pleito se aproxima, sendo vedada a divulgação de pesquisa às vésperas da eleição.

Enfim, não proporia aqui uma simples solução diante de problema tão complexo, mas, para se buscar solução, é importante identificar a existência do problema, e o problema existe!

O texto, portanto, visa a chamar à reflexão sobre assunto por vezes ignorado, mas que, ao fim, é determinante para a escolha dos líderes de nossa sociedade, ou seja, para o futuro.

Que possamos, juntos, criar mecanismos para que se possa assegurar efetivamente a legitimidade das eleições, que nada mais é que um direito de todos nós.

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    é advogado especialista em Direito Processual e em Direito Público, presidente do Instituto de Direito Público de Sergipe, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, membro-fundador do Instituto Sergipano de Direito Eleitoral e sócio fundador do Siqueira Pinto Advogados.

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