Opinião

É necessário valorizar as provas eletrônicas

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31 de outubro de 2020, 6h06

Mesmo diante da crescente valorização dos meios digitais para a realização de atos jurídicos, não são poucos os julgados que, já há algum tempo, negam valor probatório aos registros de sistemas internos de empresas, normalmente sob o argumento de que seriam documentos produzidos unilateralmente e facilmente manipuláveis (Ex.: STJ, AREsp 1.716.505/SC).

Em primeiro lugar, cabe lembrar que a regra, no ordenamento jurídico brasileiro, é a presunção de boa-fé, o que, no âmbito do Direito probatório, vai demonstrado na presunção juris tantum de autenticidade e a veracidade. Em outras palavras, quando uma parte apresenta um documento, a regra no Direito brasileiro é que se presuma que esse: 1) foi produzido por quem alega ser seu autor (isso é, que é autêntico); e 2) corresponde à realidade dos fatos (isso é, que é verdadeiro). Quem pretende desafiar a presunção de autenticidade e veracidade é quem tem, em primeiro lugar, o ônus de alegar especificamente em que consistiria, em seu entendimento, a falta de autenticidade ou veracidade do documento apresentado, não se admitindo impugnação genérica. Portanto, jamais se poderia admitir a negativa do valor probatório do documento eletrônico, de ofício ou motivado por simples impugnação genérica.

Mesmo quando impugnada a veracidade ou autenticidade do documento eletrônico, o julgamento da questão depende de dilação probatória, conforme as regras do artigo 429 do CPC. Isso não significa dizer que o julgador não pode avaliar se aquele documento efetivamente comprova a alegação da parte, o que já é coisa diversa e decorre da avaliação do seu conteúdo, não da sua forma.

Com relação ao fundamento de produção unilateral da prova, o que se verifica é que a maioria absoluta das provas em processos judiciais são produzidas de forma unilateral, o que em nenhum outro caso resulta na sua imprestabilidade, desde que haja o respeito ao contraditório.

Já sobre o argumento da possibilidade de manipulação, não é possível simplesmente generalizar tal conclusão, sem qualquer fundamento fático que a suporte, até porque, como já dito, a regra é a presunção da boa-fé. É a fraude que deve ser comprovada ou pelo menos alegada de forma coerente, ainda mais quando se trata de suposta fraude eletrônica, demandando conhecimento técnico e que deixa evidências irrefutáveis (logs). É até incoerente que tal argumento não seja utilizado com relação, por exemplo, a documentos pessoais, cuja manipulação é ainda mais simples.

É interessante observar que certos registros de sistemas eletrônicos já detêm aceitação como prova em processos judiciais, tais como faturas de telefonia e extratos bancários, inexistindo razões de ordem técnica para que não seja conferida a mesma presunção a outras espécies de registros.

A própria legislação já evoluiu no sentido de prever a validade probatória dos "extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente" (CPC, artigo 425, V), de modo que o único obstáculo para a evolução do entendimento jurisprudencial são os próprios precedentes.

Obviamente que não se pretende aqui esgotar um assunto de elevada complexidade técnica e crescente relevância jurídica, mas, sim, demonstrar a necessidade de julgadores tratarem o tema de maneira crítica, evitando a simples repetição de dogmas, sob pena de obstaculizar-se o desenvolvimento e utilização de ferramentas tecnológicas — por lhes faltar a necessária segurança jurídica —, essenciais à eficiência das atividades econômicas.

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