Ambiente Jurídico

A revogação das resoluções do Conama

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31 de outubro de 2020, 15h21

A Resolução Conama nº 500/20, de 19 de outubro, publicada no dia 21, dispõe no artigo 1º que ficam revogadas as Resoluções nº 284, de 30/8/2001, que dispõe sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, nº 302, de 20/2/2002, que dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno, e a nº 303, de 13/5/2002, que dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente. A resolução entra em vigor sete dias após a data de sua publicação, nos termos do artigo 2º. É tudo.

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Em um artigo publicado no dia 6 deste mês, Rafael Martins da Costa Moreira, juiz federal [1], anota que a Resolução nº 302/02 não sobrevive à nova regulamentação trazida pela LF nº 12.651/12, nos artigos 4º, §1º, e 4º, 5º e 62, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADC nº 42, e nas ADIn nºs 4901, 4902, 4902 e 4937; mas que a Resolução nº 303/02, ao criar ou estender, ao abrigo do artigo 3º da LF nº 4.771/65, áreas de preservação permanente nela não previstas, continua em vigor naquilo não regrado de outro modo pela LF nº 12.651/12. Há duas posições em conflito: a leitura feita pela Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente [2], segundo a qual as disposições repetidas na lei nova são inúteis, aquelas regradas de outro modo e aquelas não mencionadas perdem seu suporte jurídico, nada sobrando das duas resoluções; outra posição, igualmente mencionada no artigo citado, segundo a qual as resoluções foram recepcionadas pela LF nº 12.651/12 e têm suporte no artigo 8º, inciso VII, da LF nº 6.931/81 de 31/8/1981 [3].

O conflito foi, de momento, resolvido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 747-DF, movida pelo Partido dos Trabalhadores e tendo como interessado o Conama, em decisão singular da última quarta-feira (28/10), ministra Rosa Weber, que, depois da oitiva do Ministério do Meio Ambiente, da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República, com base no artigo 5º, §1º, da LF nº 9.882/99 [4], suspendeu, até o julgamento do mérito da ação, os efeitos da Resolução Conama nº 500/20, com a imediata restauração e eficácia das Resoluções Conama nºs 284/01, 302/02 e 303/02, com o encaminhamento dos autos ao Plenário para referendo [5]. A ação foi admitida ante a alegada lesão ao postulado fundamental do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [6] e sua posição de centralidade no complexo deontológico e político consubstanciado na própria Constituição Federal, norma não meramente programática.

A decisão se apoia no artigo 8º, inciso VII, da LF nº 6.938/81, já mencionado, e refere que o legislador confiou ao Conama ampla e relevante função normativa; atribui à suas resoluções a natureza de ato normativo primário [7] e traz uma visão abrangente da competência normativa do conselho, que tem "os seus limites materiais condicionados aos parâmetros fixados pelo constituinte e pelo legislador. As Resoluções editadas pelo órgão preservam a sua legitimidade quando cumprem o conteúdo material da Constituição e da legislação ambiental. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir administrativo", em especial o artigo 225 e seus parágrafos da Constituição Federal [8]. A Política Nacional do Meio Ambiente, delineada nos artigos 2º e 4º da LF nº 6.938/81, prevê a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, a proteção dos ecossistemas, a proteção das áreas ameaçadas e a recuperação das áreas degradadas.

Ao analisar os atos revogados, afirmou a ministra Rosa Weber que a revogação da Resolução Conama nº 284/01, que dispõe sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação potencialmente causadores de modificações ambientais, não é suprida pela Resolução Conama nº 237/97 e sinaliza para a dispensa de licenciamento de tais empreendimentos, a descumprir o dever da administração de preservar os processos ecológicos decorrente do uso intensivo da água e sugerir um estado de anomia regulatória, a evidenciar graves e imediatos riscos para a preservação dos recursos hídricos, em prejuízo da qualidade de vida das presentes e futuras gerações.

Embora o fundamento normativo da Resolução Conama nº 302/02 (o artigo 2º, "b", da LF nº 4.771/65), que dispôs sobre a área de proteção no entorno de reservatórios d'água artificiais, tenha sido revogado pelo artigo 4º, III, da LF nº 12.651/12, cuja constitucionalidade foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal na ADC nº 42 e na ADI nº 4.903, a decisão considera que a simples revogação da norma operacional parece conduzir a intolerável anomia e descontrole regulatório incompatíveis com a proteção constitucional do meio ambiente, com aparente ofensa ao princípio de precaução e à vedação do retrocesso ambiental. Menciona a seguir que a Resolução Conama nº 303/02, que dispõe sobre parâmetros, definições e limites das áreas de preservação permanente, tem seu fundamento normativo não apenas na LF nº 4.771/65, mas também na LF nº 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e no compromisso por nós assumido na Convenção da Biodiversidade de 1992, na Convenção de Ramsar de 1971 [9], na Convenção de Washington de 1940 [10] e na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 [11], somados aos deveres impostos pela própria Constituição nos artigo 5º, caput e inciso XXIII, 170, inciso VI, 186, inciso II, e 225, caput e §1º; seu conteúdo (da Resolução 303/02) se afeiçoa ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja preservação e restauração é um dever da administração e da coletividade.

Segundo a ministra Rosa Weber, "o estado de coisas inaugurado pela revogação das Resoluções nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002 do Conama sugere agravamento da situação de inadimplência do Brasil para com suas obrigações constitucionais e convencionais de tutela do meio ambiente. A supressão de marcos regulatórios ambientais, procedimento que não se confunde com a sua atualização, configura quadro normativo de aparente retrocesso no campo da proteção e defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da CF) e, consequentemente, dos direitos fundamentais à vida (artigo 5º, caput, da CF) e à saúde (artigo 6º da CF), a ponto de provocar a impressão da ocorrência de efetivo desmonte da estrutura estatal de prevenção e reparação dos danos à integridade do patrimônio ambiental comum", estando suficientemente evidenciado que a Resolução Conama nº 500/20 vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente ao direito ao meio ambiente equilibrado nela assegurado e promove um desalinho em relação a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, com o provável efeito prático, além da sujeição da segurança hídrica de parcelas da população a riscos desproporcionais, o recrudescimento da supressão de cobertura vegetal em áreas legalmente protegidas. Não é possível fazer a leitura simplista, desconsiderando a complexidade do ambiental, que se vê nos pareceres que embasam a revogação dessas resoluções. Vale a pena ler as 33 páginas da decisão, aqui resumidas.

Essa preocupação com a desproteção do meio ambiente é justificada. Conforme publicado no O Estado de São Paulo deste sábado (31/10), pág. A-25, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o secretário de Pesca, Jorge Seif Júnior, e o presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) anunciaram nesta sexta-feira (30/10) a liberação da pesca da sardinha em Fernando de Noronha, desconsiderando um documento técnico contrário do próprio ICMBio de 2016 que, além da inexistência de justificativa técnica, observa que "abrir exceção para a pesca da sardinha pode implicar precedente para maior pressão para liberação de outras pescarias, pressão essa que teve início no ano passado (2015), motivo de reunião no Ministério Público Federal em Brasília". Do pouco que se sabe, as condicionantes não impedirão a degradação do Parque Nacional de Fernando de Noronha.

 


[3] LF nº 6.938/81, artigo 8º, segundo o qual compete ao Conama (inciso VII) ‘estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos’.

[4] LF nº 9.882/99, artigo 5º: “O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental. § 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno”.

[6] Constituição Federal, artigo 225.

[7] Em citação da ADI nº 5.547-DF, 22-9-2020, Rel. Edson Fachin, que tinha por objeto a Resolução Conama nº 458/13. A ação foi julgada improcedente.

[8] CF, artigo 225: ““todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

[9] Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional, Especialmente Enquanto Habitat de Aves Aquáticas, também conhecida como Convenção de Ramsar, cidade da Índia onde foi assinada. Para maiores detalhes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_sobre_as_Zonas_H%C3%BAmidas_de_Import%C3%A2ncia_Internacional.

[10] Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas dos Países da América, tratado multilateral visando à conservação da natureza. Para maiores detalhes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Conven%C3%A7%C3%A3o_para_a_Prote%C3%A7%C3%A3o_da_Flora,_da_Fauna_e_das_Belezas_C%C3%AAnicas_Naturais_dos_Pa%C3%ADses_da_Am%C3%A9rica.

[11] Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro de 3 a 14-6-1992, conhecida como ECO-92, em reafirmação da Declaração das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, a Convenção de Estocolmo, 1972. Para maiores detalhes: https://pt.wikipedia.org/wiki/ECO-92.

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