Opinião

A responsabilidade por demanda opressiva

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29 de outubro de 2020, 16h20

"Demanda opressiva", "ajuizamento de ação judicial para opressão" ou "acionamento opressivo" é um fenômeno pelo qual indivíduos pertencentes a grupo social específico ajuízam simultaneamente ou em pequeno lapso temporal ações distintas em regiões diversas, fadadas ao insucesso, mas visando a causar mal-estar em pessoa tratada como desafeto. Nos Juizados Especiais Cíveis o réu deve comparecer pessoalmente para audiência de conciliação ou de instrução e julgamento, sob pena de revelia.

A revelia produz a veracidade dos fatos imputados ao réu. Por isso, a presença pessoal é necessária para evitar que sejam os fatos considerados verdadeiros e disso possa resultar condenação. Mas, sendo propostas ações em lugares distintos, o réu não pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, ou, quando em dias diversos, tem de se deslocar por comarcas distintas, numa constante itinerância.

Para a busca de democratização do acesso ao Judiciário, foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis, em que ações com valor de até 20 salários mínimos podem ser propostas sem a necessidade de advogado. Isso serviu para favorecer o acesso indevido e os abusos de direito. Dois casos são emblemáticos no Brasil, quais sejam, as ações movidas contra a jornalista Elvira Lobato e o jornal Folha de S.Paulo e as movidas por policiais militares contra o jornal O Dia e o jornalista Cláudio Humberto.

O Código Civil diz que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem comete ato ilícito. Disso resulta dever de reparação, mesmo que seja apenas dano moral. Mas, para possibilitar reparação, o dano deve ser causado a pessoa determinada. Considerações gerais a corporações ou grupos sociais não são hábeis a causar dano ao individuo que o compõe. Quem veste a carapuça não se torna destinatário de eventual ofensa e não tem direito à reparação.

Mas os que promovem "demanda opressiva" podem ser responsabilizados civilmente. Isso porque o abuso de direito é ilícito. O exercício regular de direito é causa de exclusão de ilicitude, até mesmo de fato previsto como crime. Mas, contrariamente, o abuso de direito caracteriza conduta contrária à ordem jurídica e torna certo o dever de indenização pelo dano causado. O mesmo Código Civil que impõe o dever de reparação do dano causado a outrem, portanto pessoa determinada, diz que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Todos têm direito de ação e os juízes têm o dever de dizer o direito. Ação é poder que tem cada pessoa de exigir de um juiz lhe resolva uma demanda. O direito de ação está previsto na Constituição e nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Mas o direito de ação deve ser exercido atendendo-se aos fins a que se destina e à boa-fé que deve ser própria das relações sociais.

Os exemplos citados acima, dos jornalistas e dos jornais que foram importunados por "demandas opressivas", hão de servir de padrão para todos os que forem atingidos por tais abusos. Em ambos os casos houve decisão determinando a reunião de todas as ações para julgamento por um único juiz. Mas, comprovado o abuso de direito pelos "demandistas opressores", as vítimas de tais condutas ilícitas podem devolver o acionamento e, na própria cidade onde forem residentes, podem demandar todos os abusadores e obrigá-los a ir ao seu município para responder pela conduta ilícita na qual tenham incidido utilizando o Poder Judiciário.

A ação judicial é direito indispensável para a garantia dos direitos decorrentes da cidadania. Mas a facilitação do acesso à Justiça não pode servir para os abusos de grupos organizados que pretendam usar a Justiça para importunar eventual desafeto. Em se tratando de jornalista ou artista, o que se busca, por vezes, é cercear a própria liberdade de comunicação ou expressão.

Artigo publicado originariamente no jornal O Dia

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