Sem dolo

Queimar passagem não é atentado contra ônibus, diz TJ-RJ ao absolver réus

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28 de outubro de 2020, 10h13

Queimar passagem de ônibus não é, por si só, atentado contra a segurança de meio de transporte. Para que se configure o crime do artigo 262 do Código Penal, é preciso demonstrar que a pessoa agiu com dolo. Além disso, não é necessário obedecer a ordem de quem, sem farda ou identificação, se apresenta como policial.

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Queimar passagem de ônibus não quer dizer que pessoa quis atentar contra o veículo
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Com base nesses fundamentos e enxergando legítima defesa, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou apelação e absolveu cinco réus das acusações de atentado contra a segurança de meio de transporte, resistência (artigo 329 do Código Penal) e lesão corporal (artigo 129 do Código Penal). A decisão é de 13 de outubro.

Em maio de 2014, os cinco, após participarem de um jogo de futebol, pegaram um ônibus em Praia Grande, na cidade de Paraty. Em protesto contra o alto valor da passagem, um deles queimou o bilhete. No meio da confusão, um homem, dizendo ser policial, sacou uma arma de fogo e acabou agredido pelos réus. Um deles, no entanto, foi atingido por um disparo.

Os cinco foram condenados em primeira instância, mas apelaram. O relator do caso, desembargador José Muiños Piñeiro Filho, apontou que não é possível concluir que, ao incendiar a passagem, um dos acusados estivesse querendo atentar contra a segurança do ônibus. Como não houve prova de que ele agiu com dolo, a conduta é atípica, avaliou o magistrado.

O desembargador também ressaltou que exibir uma arma de fogo não basta para alguém se afirmar policial — para isso, é preciso identificar-se formalmente. Sem tal ato, as pessoas que desobedecerem suas ordens não praticam crime de resistência, opinou o relator.

Piñeiro Filho ainda disse que as agressões proferidas pelos réus ocorreram em legítima defesa, após o policial à paisana sacar a arma.

Julgamento virtual
José Muiños Piñeiro Filho ressaltou que promoveu o julgamento de modo virtual, porém com debate entre os integrantes da 6ª Câmara Criminal.

Segundo ele, a observação é importante porque vários órgãos colegiados vêm adotando os julgamentos eletrônicos. Conforme afirmaram os advogados Fernando Augusto Fernandes e Jéssica Ferracioli em artigo na ConJur, "as partes interessadas não podem acompanhar ou assistir o julgamento, tampouco os julgadores podem externalizar suas opiniões e debater sobre o tema tratado no momento da sessão".

Esse tipo de julgamento, explicou Piñeiro Filho, se dá com o relator inserindo a ementa, o relatório e o voto no ambiente virtual. Iniciado o julgamento, os outros magistrados têm um prazo para sua manifestação, e a decisão torna-se pública após a conclusão do julgamento.

"Este relator concorda com os referidos advogados no sentido de entender que em matéria penal, notadamente julgamento de apelações ou recursos em que se garante à parte o direito de sustentação oral, são inconstitucionais os chamados julgamentos eletrônicos", disse Piñeiro Filho.

O desembargador publicou, em obra coletiva editada em homenagem ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux (O novo processo civil brasileiro, volume 3), artigo intitulado "A inconstitucionalidade dos julgamentos eletrônicos e/ou virtuais de apelações criminais por afronta ao princípio da publicidade: considerações sobre aplicação ao processo penal de normas do novel Código de Processo Civil. A experiência no Judiciário fluminense".

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Processo 0001378-72.2014.8.19.0041

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