Opinião

Precisamos atuar como operadores do Direito, e não como legisladores

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28 de outubro de 2020, 21h12

Ao ler o artigo de autoria do ministro Ives Gandra Martins Filho "Confronto entre TST e STF: uma análise psicológica do Direito", divulgado no último dia 21 de outubro pela ConJur, além de me impressionar com as acertadas colocações, feitas por quem, com grande qualidade técnica, experimentou-as no dia a dia, tive a certeza de que também existe voz interna nos tribunais que observa o ativismo judicial com preocupação.

Não tenho a pretensão de apontar para esta ou aquela decisão, muito menos para a atuação deste ou daquele magistrado. Mas, ao concordar com as colocações do ministro, o faço com base na minha atuação profissional como advogada, verificando que no dia a dia de empreendedores e trabalhadores esse ativismo judicial traz consequências que nem sempre levam de forma definitiva à proteção a quem se visa a proteger.

A perda da segurança jurídica é, sem nenhuma dúvida, o mais imediato efeito do ativismo judicial; e, a médio prazo, a perda de credibilidade e de interesse na realização de investimentos, consequentemente na geração de emprego e melhoria da renda. Em um ambiente de incertezas, não existe interesse econômico-jurídico em investir se não é possível fazer uma previsão séria e segura de custos e riscos. E, com o ativismo judicial, verifica-se que esses custos, de forma repentina e constante, são modificados, o que afasta os investidores. É indiscutível o aumento dos custos de transação.

Em seguida, temos a violação do equilíbrio de poderes existentes no Estado constituído. O Poder Judiciário passa a suprimir o processo legislativo, realizando alterações, supressões ou revogações de normas; e, ainda, passa a impedir ou determinar a orientação das políticas públicas; nos dois casos, sempre através da interpretação das normas positivadas de forma a alcançar a "missão existencial" mencionada pelo ministro, para proteger o mais vulnerável.

Não há pretensão de analisar a motivação do magistrado ao atuar dessa forma, pois ela pode decorrer de convicção técnica, convicção de um dever social, uma missão de fazer justiça independentemente dos meios ou, de forma muito mais rara, pode decorrer de motivações políticas.

Fato é que a hermenêutica foi aviltada para permitir o ativismo judicial. Aqueles que entendem que essa interpretação que cria norma é uma técnica interpretativa estão errados, pois há limites para a interpretação. Aqueles que confundem a sala de julgamento com a tribuna de assembleia, que optam pelos discursos inflamados de fazer "justiça" a qualquer preço, escolheram a área errada de atuação.

É bastante raro ver, na atualidade, publicações que tenham como objeto a hermenêutica. E, no meu entendimento, ao conhecê-la com mais afinco talvez possamos nos libertar desse ativismo judicial.

Não é correto pensar que a aplicação da lei seria algo automático. Nesse caso, o Direito não existiria como ciência; mas não podemos pensar que a interpretação permite uma ilação tão ampla a ponto de não ser possível reconhecer na decisão a norma que foi aplicada. Estar-se-ia diante de uma situação em que o julgador teria a permissão para legislar e, conforme o caso concreto, "fazer" e aplicar a norma. Não é o que se pode esperar em um Estado democrático de Direito.

Diante das minhas limitações, aproveito para usar as palavras de alguém que pensou com seriedade e propriedade a respeito do assunto. "A hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito" [1]. Não observamos na hermenêutica a possibilidade de criar Direito.

E a tentação de proteger quem seria o mais fraco na relação jurídica aqui vale para julgamentos em relações de trabalho, relações de consumo e em relações com o poder público em demandas por serviços considerados essenciais (por exemplo saúde), é exercida ao interpretar e aplicar a norma, acabando por, na verdade, criar norma, ou melhor, aplicar norma que não existe, que não foi criada pelo Poder Legislativo.

Aqui repito, novamente, a lição de Carlos Maximiliano: "Uma forma original do Direito livre, anterior aliás, ao primeiro surto desta doutrina, encontra-se nos julgamentos do tribunal de primeira instância, de Château-Thierry, presidido e denominado pelo bom juiz Magnaud (1889-1904). Imbuído de ideias humanitárias avançadas, o magistrado francês redigiu sentenças em estilo escorreito, lapidar, porém afastada dos moldes comuns. Mostrava-se clemente e atencioso para com os fracos e humildes, enérgico e severo com os opulentos e poderosos. Nas suas mãos a lei variava segundo a classe mentalidade religiosa ou inclinações políticas das pessoas submetidas à sua jurisdição.
Na esfera criminal e correcional, e em parte na civil, sobressaiu o bom juiz, com exculpar os pequenos furtos, amparar a mulher e os menores, profligar erros administrativos, atacar privilégios, proteger o plebeu contra o potentado. Não jogava com a hermenêutica, em que nem falava sequer. Tomava atitudes de tribuno; usava linguagem de orador ou panfletário; empregava apenas argumentos humanos sociais, e concluía do alto, dando razão a este ou aquele sem se preocupar com os textos" [2]. Essa atuação, essa forma de interpretação da lei, restou classificada como jurisprudência sentimental. E seguiu: "Era um vidente, um apóstolo, evangelizador temerário, deslocado do pretório. Achou pois o seu lugar — a Câmara dos Deputados; teve a natural corte de admiradores incondicionais — os teóricos da anarquia" [3].

O jurisdicionado tem o direito de saber o que deve ou não fazer e as consequências de fazer ou não. Isso não pode ser conhecido somente no caso concreto, no momento do julgamento. Isso afasta o equilíbrio e a impessoalidade necessários e essenciais para uma interpretação racional e efetivamente justa em seu valor. "É claro que não se tolera a jurisprudência sentimental, a gefühlsjurisprudenz, audaciosa a ponto de torturar os textos para atender a pendores individuais de bondade e a concepções particulares de justiça" [4].

O ativismo não ocorre somente nos tribunais trabalhistas, mas em todos os tribunais; aliás, ouso dizer que em qualquer lugar onde haja a aplicação da lei por um magistrado, e que, no momento de interpretá-la, deixa-se levar pelas suas concepções pessoais de justiça, ao invés de aplicar a boa técnica de hermenêutica, haverá ativismo.

De forma ilustrativa, temos o Inquérito 4.781, que tramita no STF. Nesse procedimento, verificamos o ativismo judicial, realizado através do mal trato da hermenêutica jurídica, para fazer do Direito o que o julgador entende como Direito justo [5].

"O ativismo judicial visa a mudança da sociedade através do Direito, mas por meio das decisões judiciais. O juiz ativista não se prende à letra da lei, por ele considerada conservadora e, portanto, retrógrada, mas interpreta de acordo com a finalidade progressista/revolucionária que pode ser alcançada com a nova norma inventada. Essa interpretação tem como base princípio constitucionais, explícitos ou implícitos, onde ele, juiz, irá construir um novo Direito a fim de moldar a nova sociedade. O ativismo judicial é, portanto, fazer política por meio do Judiciário, atuando como Poder Legislativo, ao fazer novas leis e revogar as existentes, e como o Poder Executivo, ao decidir as políticas públicas" [6].

Não é raro observar o ativismo em situações que a justificativa é a efetividade do provimento judicial ou um efeito psicológico para que a norma não seja descumprida; como observamos nas decisões de reparação de danos, nas quais, mesmo sem a existência de dano, o sujeito é condenado a pagar para que não mais repita a conduta entendida como inadequada. Isso ocorre apesar de não haver, na legislação sobre reparação civil, nenhuma previsão de penalidade ou agravante da indenização com a finalidade de coibir condutas repetidas. Bem sabemos que, pela melhor técnica, o que coíbe a violação da lei, o que coíbe o ato ilícito, é a própria aplicação da lei, de forma correta e em tempo razoável, e não a modificação da lei, convertendo a indenização — que pressupõe a existência de dano a ser reparado — em pena.

Estamos vivenciando uma época em que precisamos recuperar o estudo da hermenêutica, voltar à interpretação e aplicação da lei e atuarmos como operadores do Direito, e não como legisladores. Isso, sim, trará segurança jurídica, isso, sim, trará paz social, isso, sim, permitirá a efetiva e justa composição de litígios.

 


[1] Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito — Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 1.

[2] Idem, p. 83.

[3] Idem p. 83.

[4] Idem p. 169.

[5] Inquérito do fim do mundo, o apagar das luzes do Direito Brasileiro, organizadora Cláudia R. de Moraes Piovezan, 1ª edição, Londrina: Editora EDA — Educação, Direito e Alta Cultura, 2020, artigo de Cleber de Oliveira Tavares Neto, p. 114.

[6] Idem, p. 115.

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