Opinião

Revogação da resolução das restingas: uma jabuticaba jurídica?

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28 de outubro de 2020, 19h14

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou a Resolução nº 303/2002, que traçava parâmetros técnicos para identificação de áreas de preservação permanente, sobretudo das localizadas em ambientes costeiros. A resolução impunha restrição à exploração de imóveis próximos a praias, já que considerava como área de restinga uma faixa de 300 metros, medida a partir da linha de preamar máxima.

Com a revogação da resolução, em um plano hipotético, aventa-se a possibilidade de áreas que até então contavam com a restrição do parâmetro revogado passarem a ser utilizadas amplamente pelos seus proprietários — desde que eventuais novos empreendimentos trilhem o competente licenciamento ambiental.

Se assim o for, da mesma forma, boa parte de imóveis à beira-mar que fora demolida em função de sentença judicial transitada em julgado, e que se valeu da aplicação do parâmetro técnico revogado para identificação de área de restinga, em tese, poderá ser reconstruída. O processo de licenciamento desses imóveis não deverá contar com a limitação do parâmetro revogado, quero dizer, não é o fato do imóvel distar a menos de 300 metros de uma praia que fará com que o proprietário, na atualidade, tenha limitado o seu direito de propriedade.

Visualizo aí uma jabuticaba (jurídica)!

O busílis — ou a jabuticaba — está nos processos judiciais que estão em fase de cumprimento de sentença. Ações civis públicas ambientais, ou de nunciação de obra nova, que visam à recomposição de áreas degradadas, o que inclui a demolição de benfeitorias — leia-se moradas de veraneio — comumente são combatidas. Não é incomum os proprietários ficarem ao longo de anos litigando perante o Judiciário, recorrendo até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, para só aí terem de se conformar com o julgado que determina a consecução de Prad, a demolição de prédio e até mesmo o pagamento de indenização por danos morais.

Nessas ações, em que pende a execução do julgado, ou seja, que estejam em fase de cumprimento de sentença, vislumbra-se no mínimo ser nada prático, agora com a revogação da resolução, o proprietário ser obrigado, ainda que por força da sentença exarada, levar ao chão a sua casa, para depois, em um segundo momento, de posse do licenciamento ambiental, reconstruir a morada — que foi determinada a demolição!

É certo: o tema é novo e não merece uma apreciação leviana, já que envolve uma série de institutos de Direito cujo respeito depende a ordem pública, como a segurança jurídica, a força do trânsito em julgado, a adequação da ação rescisória ou, até mesmo, da exceção de pré-executividade.

No entanto, embates que persistem no campo político (se a revogação da resolução representa ou não um retrocesso da legislação ambiental) não devem surtir nenhum efeito no campo jurídico. No campo jurídico está vencida qualquer controvérsia quanto à total inaplicabilidade do parâmetro de 300 metros para identificação de restingas, é o que penso.

Por último, segue uma modesta opinião: a aplicação do Direito não é uma atividade meramente burocrática — pelo contrário, o Direito deve ser concretizado. Assim, ainda que casualmente, ouso trazer à luz a controvérsia que muito se espera ver estabelecida dentro do Poder Judiciário, posto que, diante da nossa zona costeira, e do alto grau de judicialização da questão "restinga", um sem número de proprietários se encontra nas circunstâncias que foram alinhadas e, certamente, nenhum deles entende dessa espécie de jabuticaba — pelo contrário: esperam o entendimento do Poder Judiciário.

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