Opinião

A exploração da imagem dos atletas profissionais de futebol

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26 de outubro de 2020, 19h16

O atleta profissional de futebol é aquele contratado para entrar em campo, vestindo as cores e símbolos do clube de futebol empregador, buscando sempre um resultado positivo. O jogador de futebol, como todos os indivíduos, possui características essenciais da personalidade humana e, devido a aspectos substanciais da profissão que exerce, exibe-se para grandes públicos.

Dito isso, segundo Soares [1], a contratação do jogador de futebol realiza uma ruptura no direito de imagem deste, sendo a primeira em sua imagem profissional — durante o exercício da sua profissão, que é jogar futebol — e a segunda é sua imagem pessoal — existente em todos os momentos da sua vida, quando não está cumprindo o seu contrato de trabalho.

Dessa forma, a imagem individual do desportista, em momentos não ligados à prática do futebol, é parte inerente ao seu patrimônio, o que permitirá que o atleta vincule sua imagem a produtos ou serviços, caso queira. Tal vinculação, segundo Soares [2], tornou-se bastante comum bastante comum, visto que há mais de 70 anos a imagem dos jogadores de futebol é utilizada em propagandas, buscando vincular as características do indivíduo a produtos ou serviços.

De acordo com Carvalho, apud Veiga [3]: "Vislumbra-se o caráter identificador da imagem por partes e a consequente necessidade de tutela, na imagem de diversas celebridades do esporte, desde as pernas tortas de Mané Garrinha ao sorriso característico dos Ronaldos". Sendo assim, o sucesso do esporte no Brasil e no mundo encorajava o pagamento de quantias invejáveis pela utilização autorizada da imagem dos atletas para vinculação às características destes a determinadas mercadorias.

Por conseguinte, os clubes se transformaram em grandes agentes econômicos, devido à quantidade de capital que já movimentavam, os patrocínios milionários e os compromissos que ultrapassam a seara desportiva. Concomitantemente a isso, com a influência das mídias sociais e a valorização dos jogadores de futebol, a associação da imagem dos atletas às empresas que patrocinavam o clube se transformou em uma fonte de renda muito vantajosa à agremiação.

Nesse sentido, com o advento da Lei nº 9.615/98, a Lei Pelé [4], os jogadores de futebol, no momento da assinatura do contrato de trabalho, assinavam também um contrato de licença de uso de imagem. De acordo com Soares [5], na maioria das vezes, este "contrato de imagem" — como é popularmente conhecido —, era assinado entre uma pessoa jurídica constituída pelo atleta profissional para essa finalidade e o clube de futebol empregador.

Consequentemente, o "contrato de imagem" dividia opiniões quanto à sua natureza jurídica, pois haviam juristas que acreditavam que este contrato tinha natureza civil, sem relação com o contrato de trabalho, sendo a Justiça Estadual Civil competente para apreciar suas ações. Enquanto outro grupo de juristas acreditava que esse pacto era uma forma de "driblar" encargos fiscais e fraudar o contrato trabalhista, visto que as remunerações recebidas, na verdade, deveriam ser refletidas sobre as verbas trabalhistas [6].

Isso porque esse "contrato de imagem" se provava econômico aos clubes, desonerando suas folhas de pagamento, principalmente para aqueles que viessem a atrasar salários, pois a remuneração proveniente deste contrato teria natureza civil; portanto, a agremiação de futebol lançaria as verbas provenientes deste contrato como meras despesas, não arcando com os encargos fiscais e obrigações trabalhistas — ou seja, essa remuneração não entraria para cálculo de verbas trabalhistas, como horas extras, FGTS, 13º salário, férias etc.

Para elucidação do que acontecia na prática trabalhista, veja-se este caso judicial entre Criciúma Esporte Clube e o atleta Ozéia de Paula Maciel:

"ATLETA PROFISSIONAL. LEI Nº 9.615/98. CONTRATO DE LICENCIAMENTO DE USO DE NOME, IMAGEM E VOZ. A desproporcionalidade entre valores pagos aos atletas como salário e os decorrentes de contrato de uso de imagem, de som e de voz configura fraude nos termos do disposto no artigo 9º da CLT, não guardando compasso com o artigo 87-A da Lei nº 9.615/98, denominada Lei Pelé" [7].

Nesta ocasião, o recurso da agremiação para considerar a natureza civil das verbas pagas a título de direito de imagem foi desprovido, tendo em vista que ficou demonstrada a desproporcionalidade entre os valores pagos ao atleta como salário (cerca de R$ 5 mil) e os decorrentes do contrato de uso de imagem, de som e de voz (cerca de R$ 25 mil e R$ 35 mil).

Além disso, a remuneração a título da obrigação civil sequer dependia da utilização da imagem do autor. O pagamento era feito de forma habitual, com valores mensais fixos e, coincidentemente, para o mesmo período do contrato desportivo. Por consequência, ficou constatada a ocorrência de fraude ao contrato de trabalho do atleta, sendo determinada a integração das parcelas do "contrato de imagem" no salário do empregado para obtenção de seus reflexos nas verbas trabalhistas.

Outro caso que merece destaque é o do jogador de futebol mundialmente conhecido Alexandre (Pato) Rodrigues da Silva, em que, após ter sido investigado pela Receita Federal, descobriu-se que o jogador pactuou, em 2009, negócios através da sua empresa — ALGE Promoções e Eventos LTDA — com o Sport Club Internacional e a Nike do Brasil, registrando como se fossem da pessoa jurídica os rendimentos recebidos pelo jogador a título de direito de imagem.

Devido a isso, a fiscalização entendeu como ilegal o contrato e lavrou auto de infração contra Alexandre Pato, visto que os valores referentes a licença de uso dos direitos de imagem do atleta não poderiam ser atribuídos à pessoa jurídica, até porque estariam relacionados a compromissos profissionais personalíssima. Ou seja, os negócios pactuados, aparentemente, tinham como única intenção a fraude das verbas trabalhistas, para que o jogador e o clube pagassem menos tributos.

Isso posto, vejam-se os fundamentos da decisão judicial emitida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ipsis litteris:

"NULIDADE DO LANÇAMENTO. INOCORRÊNCIA. AUTORIDADE FISCAL DE JURISDIÇÃO DIVERSA DO DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO DO CONTRIBUINTE. NULIDADE DO LANÇAMENTO. INOCORRÊNCIA. SÚMULA CARF Nº 27. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE USO DE IMAGEM. CONTRATO DESPORTIVO. NATUREZA SALARIAL. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE USO DE IMAGEM. CONTRATO AUTÔNOMO E INDEPENDENTE DO CONTRATO DESPORTIVO. NATUREZA CIVIL. APLICAÇÃO DO ART.129 DA LEI Nº 11.196/2005. GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE DIREITOS ECONÔMICOS DE ATLETA. RECLASSIFICAÇÃO DE RECEITA TRIBUTADA NA PESSOA JURÍDICA PARA RENDIMENTOS DE PESSOA FÍSICA. COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS PAGOS NA PESSOA JURÍDICA" [8] (grifo dos autores).

Sendo assim, o Carf entendeu que os contratos de licença de uso de imagem do jogador não poderiam ser pactuados com a sua empresa, visto que se trata de direito personalíssimo (inerente a pessoa física). Ainda, considerou também a disparidade entre os valores contratos de trabalho — em que percebia R$ 15 mil — e o contrato de licença de uso de imagem — em que recebia o valor de R$ 336 mil, além do fato de que ambos tinham a mesma data de vigência, demonstrando, claramente, que não possuíam autonomia, motivos pelos quais restou evidente a fraude fiscal do atleta.

No que concerne ao contrato pactuado entre Alexandre Pato e a Nike do Brasil, o Carf entendeu que, nesse caso, trata-se de contrato de licença de uso de imagem autônomo, ou seja, um verdadeiro contrato de exploração de imagem, possuindo clara natureza civil.

Por conseguinte, devido às controvérsias relacionadas aos contratos de licença de uso de imagem, foi promulgada a Lei 13.155/2015 [9], que alterou de forma substancial a Lei Pelé, tocando em pontos específicos, visando a acabar, de certa forma, com a má gestão e corrupção dos dirigentes dos clubes de futebol do Brasil. Assim sendo, após a inclusão do artigo 87-A e parágrafo único, a Lei Pelé passou a tratar expressamente sobre a licença de uso de imagem dos atletas profissionais, veja-se:

"Artigo 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem. (Incluído pela Lei nº 13.155, de 2015)" [10].

Dessa forma, a lei supracitada estabeleceu que deveria haver um limite que não permitisse o desequilíbrio contratual entre salário e licença de uso de imagem, definindo, então, que os valores recebidos a título de direito de imagem não poderiam ultrapassar o limite de 40% da remuneração total e, caso ultrapassassem, ficaria configurada a fraude ao contrato de trabalho, devendo as parcelas serem consideradas para o cálculo de verbas trabalhistas.

Portanto, conclui-se que os valores recebidos a título de direito de imagem possuem natureza cível, desde que pactuados dentro do limite previsto pela legislação. No entanto, devido ao constante crescimento das mídias sociais e exploração da imagem de atletas (que hoje são considerados tão famosos quanto atores e músicos), é necessário que a legislação esteja em constante aperfeiçoamento para que esteja sempre se adequando à realidade fática da sociedade contemporânea.

 

[1] SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional: análise após as modificações incluídas pela Lei n. 13.155/2015. 3.ed. São Paulo: LTr, 2018, p.80.

[2] Ibidem. p.83.

[3] VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa. Manual de Direito do Trabalho Desportivo. 2ª. Ed. São Paulo: LTr, 2017. p.253.

[4] BRASIL. Lei nº 9.615 (Lei Pelé), de 24 de março de 1988.

[5] SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional: análise após as modificações incluídas pela Lei n. 13.155/2015. 3.ed. São Paulo: LTr, 2018, p.85.

[6] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de 01 de 1943. Artigo 9º.

[7] TRT-12 – RO: 00034434220145120055 SC 0003443-42.2014.5.12.0055, Relator: AMARILDO CARLOS DE LIMA, SECRETARIA DA 2A TURMA, Data de Publicação: 08/10/2018.

[8] BRASIL. Ministério da Fazenda. 2ª TURMA ORDINÁRIA DA 2ª CÂMARA DA 2ª SEÇÃO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. Acórdão n. 2202003.682. Relator: MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA BARBOSA. Data de Publicação: 09/03/2017.

[9] BRASIL. Lei nº 13.155, de 04 de agosto de 2015.

[10] Ibidem. Artigo 85-A e parágrafo único.

 

Referências bibliográficas
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de 01 de 1943.

BRASIL. Lei nº 9.615 (Lei Pelé), de 24 de março de 1988.

BRASIL. Lei nº 13.155, de 04 de agosto de 2015.

BRASIL. Ministério da Fazenda. 2ª TURMA ORDINÁRIA DA 2ª CÂMARA DA 2ª SEÇÃO. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. Acórdão n. 2202003.682. Relator: MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA BARBOSA. Data de Publicação: 09/03/2017.

SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional: análise após as modificações incluídas pela Lei nº 13.155/2015. 3.ed. São Paulo: LTr, 2018

TRT-12 – RO: 00034434220145120055 SC 0003443-42.2014.5.12.0055, Relator: AMARILDO CARLOS DE LIMA, SECRETARIA DA 2A TURMA, Data de Publicação: 08/10/2018.

VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa. Manual de Direito do Trabalho Desportivo. 2ª. Ed. São Paulo: LTr, 2017. p.253.

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