Novo normal

TJ-SP manterá as sessões telepresenciais depois da epidemia, diz vice-presidente

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25 de outubro de 2020, 9h33

Após o período da epidemia de Covid-19, haverá uma mescla entre sessões presenciais e telepresenciais no Judiciário de São Paulo. A declaração é do vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Luís Soares de Mello, em entrevista exclusiva à ConJur. Para o miagistrado, o tribunal reagiu bem, e de forma rápida, aos efeitos da pandemia. "Foi como um tsunami", afirmou.

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Nas duas primeiras semanas de trabalho 100% remoto, ainda em março, havia apreensão entre a direção da Corte. "Não sabíamos se a estrutura daria conta", disse o vice-presidente. No entanto, agora, ele garante que o tribunal está dando conta da demanda: "Nem nos melhores sonhos imaginamos que pudesse ter tanta eficiência".

O vice-presidente atribuiu o sucesso do trabalho remoto e das sessões telepresenciais à boa vontade de servidores e magistrados e à capacidade técnica do TJ-SP. "A infraestrutura do tribunal é muito boa", afirmou. Diante do sucesso dos julgamentos telepresenciais, ele diz que o modelo será mantido mesmo após a pandemia. "É muito importante que o juiz saiba que o mundo demanda dele um trabalho físico, mas também demanda um trabalho virtual", completou.

Com experiência de 17 anos no setor de informática do TJ-SP, o desembargador atuou diretamente no processo que permitiu que o maior tribunal do país entrasse em trabalho 100% remoto em poucos dias. Agora, o foco está voltado em normatizar o funcionamento da Corte após a pandemia, além de planos para dar mais publicidade às sessões telepresenciais de segunda instância, isto é, gravar e disponibilizar ao público, como já ocorre com o Órgão Especial: "Se o sistema comportar, podemos gravar todas as sessões".

Leia a entrevista:

ConJur — O quão desafiador foi assumir a vice-presidência do tribunal e dois meses depois explodir a epidemia no país?
Luís Soares de Mello — Foi como um tsunami. Tivemos de sair do tsunami para que ele não nos pegasse. Estou há 17 anos na informática do Tribunal de Justiça e, junto com todos os técnicos, conseguimos atualizar os sistemas de tal forma que, quando veio o tal tsunami, tudo que a gente tinha preconizado pôde ser usado do dia para a noite. Nas primeiras duas semanas [de trabalho remoto], houve um susto muito grande, não sabíamos se a estrutura daria conta da demanda. É uma alegria ver que o tribunal conseguiu, efetivamente, dar conta. Hoje, o tribunal está virtualizado, ou seja, trabalhando na forma virtual. Nem nos melhores sonhos imaginamos que pudesse ter tanta eficiência como está tendo. É uma alegria enorme saber que podemos dar correspondência aos advogados. Eles estão satisfeitos com a prestação jurisdicional. Houve muito debate no começo, mas agora estamos alinhados.

ConJur — Qual o principal temor da direção logo que se adotou o trabalho remoto?
Soares de Mello — De que alguns magistrados mais antigos não tivessem tanta destreza no manejo das novas tecnologias. O Órgão Especial foi o que mais me surpreendeu. Todos se adaptaram ao trabalho remoto. Conseguimos mostrar que o virtual e o telepresencial vieram para ficar. Tenho certeza de que as sessões telepresenciais ainda existirão daqui para frente, ainda que elas sejam espaçadamente consideradas, quer dizer, uma semana física, outra semana virtual.

ConJur — Haverá, então, uma mescla entre sessões presenciais e telepresenciais?
Soares de Mello — Tenho certeza de que haverá essa mescla, uma miscigenação de sistemas físicos e virtuais. O telepresencial é tão forte quanto o presencial. Hoje, o magistrado está defronte a um monitor trabalhando da mesma forma que trabalharia de maneira pessoal. Então, é muito importante que o juiz saiba que o mundo demanda dele um trabalho físico, mas também demanda um trabalho virtual, ainda que ele seja cansativo.

ConJur — A direção do tribunal pretende regulamentar essa mescla entre sessões presenciais e telepresenciais?
Soares de Mello — Sim, claro, já começamos a pensar como vamos normatizar o funcionamento do tribunal após a pandemia, principalmente porque a experiência do telepresencial foi muito positiva. A grande vitória do tribunal foi ter se unido aos advogados, ao Ministério Público, já que o problema atingiu a todos igualmente. Todos tiveram ou terão que se adaptar à nova forma de prestação jurisdicional. Nós já estamos nos adaptando.

ConJur — Como foram os debates com a OAB no início do trabalho remoto? Houve muita reclamação de advogados?
Soares de Mello — Houve bastante contestação no início, mas é compreensível. O medo de todos era muito grande, não sabíamos que rumo ia tomar, e o pior, se o nosso instrumental daria conta, se a nossa capacitação de informática era suficiente. Mas acabou dando tudo certo. Achei que íamos demorar dois, três meses para adaptar 20%, 30% de trabalho remoto até chegar perto de 80%. Mas conseguimos chegar a 100% em uma semana.

ConJur — Como isso foi possível, na sua opinião?
Soares de Mello — Tínhamos equipamentos adequados, que vêm sendo adquiridos há várias gestões, além de pessoal muito capacitado na área de informática. Conseguimos atualizar todos os sistemas do tribunal, incluindo investimentos no SAJ 6, que já eram planejados antes da pandemia. A infraestrutura do tribunal é muito boa. Por isso, conseguimos suportar a demanda durante esse período. Outro ponto: a grande boa vontade de todos os magistrados. Do juiz que entrou ontem na carreira até o desembargador mais antigo, todos tiveram boa vontade. O Conselho Superior da Magistratura trabalhou muito para isso.

ConJur — Foram editados vários provimentos desde o início da pandemia…
Soares de Mello — Vários. Percebemos que algumas normativas, quando editadas, não cumpririam exatamente o que se propunha. Quando se percebia isso, através da OAB ou de magistrados, os atos eram corrigidos em um, dois dias. O que não está dando certo, a gente corrige. Essa foi a grande vantagem da harmonia que há no Conselho Superior da Magistratura. Hoje, todos percebem que a situação está redonda e o tribunal funcionando bem. Isso se deve muito ao interesse, a boa vontade e o trabalho de magistrados e servidores. O tribunal pode se considerar extremamente vitorioso nessa época de pandemia. Estamos cumprindo os projetos. Não costumo prometer nada em campanha eleitoral, mas o que sempre prometi é estar ao lado do presidente [desembargador Geraldo Pinheiro Franco] para acompanhá-lo. Estou cumprindo, ao lado do presidente, apoiando em tudo e para tudo. Estamos toda hora em reuniões, pelo menos uma vez por semana, e em contato direto. É um período muito especial que o tribunal está vivendo em sua história, principalmente pela resposta, porque conseguimos dar conta dos problemas que apareceram desde o início da pandemia.

ConJur — Há algum plano para dar mais publicidade aos julgamentos telepresenciais das Câmaras? É possível um cidadão acompanhar as sessões? Elas poderão ser gravadas e disponibilizadas no site do tribunal, como já ocorre com o Órgão Especial?
Soares de Mello — Teoricamente, dá sim. Já permiti em uma sessão da Câmara Especial (presidida pelo vice-presidente) a presença de estudantes. Aqueles que têm um fundamento para assistir, podem ser convidados, sem problemas. As sessões são públicas. Já discuti a questão da gravação com o presidente, inclusive para ver se o sistema comporta. Se comportar, podemos gravar toda a sessão. Não vejo empecilho técnico, nem de fundamento, para não permitir. Hoje, temos toda a disponibilidade de tornar a telepresencial como uma sessão presencial, praticamente idêntica. Se houver essa disposição, de gravar e disponibilizar a sessão telepresencial, o Conselho Superior da Magistratura pode resolver em dois minutos. Se não houver sobrecarga de nuvem, sobrecarga de elementos de gravação, não há problema.

ConJur — Além da questão da tecnologia, que tipo de lição o senhor acredita que o Judiciário pode tirar da pandemia?
Soares de Mello — A lição é de aprendizado. Imagina eu, que sou da área de informática, sugerir ao Conselho Superior da Magistratura que adotássemos sessões 100% telepresenciais? Imagino a reação dos desembargadores. E, em poucos dias, conseguimos isso — forçados pela pandemia. Foi um aprendizado que jamais pensamos obter em tão pouco tempo. Em menos de seis meses, aprendemos coisas que achamos que não fôssemos aprender em 20 anos. A grande palavra de ordem para mim é essa: um aprendizado imenso. O entusiasmo que tenho de hoje o tribunal estar funcionando a milhão, em ordem, sem queixas. É uma alegria poder dizer que o tribunal cumpriu e continua a cumprir com sua missão, com todo desembaraço possível — sem deixar de dar crédito a todos os funcionários, especialmente os de informática, que prestam um serviço excelente, e todos os outros por consequência. A tecnologia da informação nos salvou desse tsunami que tivemos que enfrentar.

ConJur — O Órgão Especial debateu inúmeros mandados de segurança contra o fechamento de estabelecimentos comerciais no período de quarentena. O que senhor destaca em termos de jurisprudência decorrente da pandemia?
Soares de Mello — Houve muito debate e o Órgão Especial está bem dividido. Mas, de qualquer forma, o governo, para poder fazer os seus planos vingarem, precisou muito do Judiciário, em todos os casos. Em todas as semanas que o Executivo vinha com um plano novo, alguém se insurgia. Uma academia de tênis, um bar, um restaurante. Então, o Órgão Especial, semanalmente, teve que debater inúmeros casos. E cada um tem uma forma de pensar: se a medida do governo estava ou não quebrando uma constitucionalidade que eles entendem que era aplicável no caso concreto. Por exemplo, o funcionamento de restaurante em beira de estrada foi o que mais se discutiu. Tem várias posições. Eu fico mais vencido, pois sou a favor do fechamento, o Geraldo (presidente do TJ-SP) também vota nesse sentido.

ConJur — O senhor defende, então, a menor interferência possível do Judiciário nas ações do Executivo?
Soares de Mello — Menor interferência possível do Judiciário. Quanto menos o Judiciário interferir nessa questão que está sendo tratada pelo Governo do Estado, que deveria ter sido tratada pelo Federal e não foi, quanto menor a interferência do Judiciário, melhor. Tem coisas que você precisa interferir, às vezes para um lado ou para outro, paciência. Teve um dia em que ficamos mais de três horas debatendo, era cansativo. Hoje, todo mundo já sabe como os integrantes do Órgão Especial votam nessa questão. E, agora, as divergências até perdem a razão de ser em virtude da retomada das atividades econômicas.

ConJur — O senhor disse que o governo precisou muito do Judiciário. Então o Judiciário teve um papel tão importante quanto o Executivo e o Legislativo na pandemia?
Soares de Mello — Muito. O Judiciário esteve várias vezes protagonizando a questão da pandemia. Para um lado ou outro, não interessa, mas o Judiciário sempre participou de todas as discussões.

ConJur — Recentemente, a Seção de Direito Criminal do TJ-SP foi alvo de inúmeras críticas, principalmente de ministros do STJ, que afirmam que os juízes paulistas não estariam respeitando os precedentes das cortes superiores em matéria penal. Vindo da Seção, como o senhor vê as críticas?
Soares de Mello — Vejo com muita tristeza, porque todas as críticas severas que estão dirigindo para a Seção de Direito Criminal são absolutamente injustas. A seção não merecia tais críticas, pois é muito bem organizada, produtiva, e há pouquíssimos magistrados com números baixos. As manifestações do presidente da seção foram muito adequadas e elegantíssimas.

ConJur — Como o senhor vê o diálogo entre a direção do tribunal e o STJ para tentar minimizar o problema?
Soares de Mello — O diálogo sempre foi positivo. É que eles insistem que o tribunal acolha teses que não acolhemos. Se for uma súmula vinculante, vamos aderir. Mas, se não for, não precisamos aderir. Se a independência de julgamento do juiz é um dos seus melhores atributos, por que vamos ter que cortar isso agora? A Seção de Direito Criminal do TJ-SP é equilibrada, há magistrados mais rígidos, outros menos. Há linhas de pensamento. Mas é próprio da independência que o juiz tem. Não se pode forçar o juiz a ir para um determinado lado quando a visão dele é completamente antagônica.

ConJur — Sobre a reforma administrativa em tramitação no Congresso, o senhor é a favor ou contra a perda da estabilidade dos servidores públicos?
Soares de Mello — Pessoalmente, acredito que o Estado atingiu um inchamento da folha de pagamento. Por isso, apoio e acredito que a reforma administrativa terá que vir. Para todo mundo. Não vejo por que o servidor público deva ter estabilidade que o outro não tem. Acredito que o programa deve ser igual para todos, por que separar o servidor público do servidor da empresa privada? Por que ele deveria ter estabilidade? Apoio qualquer reforma administrativa que venha para melhorar. O que não pode é fazer o Estado ser mãe de todo mundo, tem uma hora que o Estado tem que largar mão disso. E é exatamente a hora em que você vai ter que reformular.

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