Opinião

O abandono afetivo do idoso gera dever de indenizar por danos morais

Autor

  • Francine Sgnaolin Schmitt

    é advogada de Direito de Família e Sucessões advogada associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) pós-graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau (SC) e em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP).

24 de outubro de 2020, 17h25

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), mais precisamente em seu artigo 3º, determina como direito da pessoa idosa a manutenção dos vínculos afetivos com a família e a comunidade. Estabelece ainda como obrigações da família, da sociedade e do poder público proporcionar e assegurar ao idoso efetividade dos direitos.

O idoso, assim como a criança e o adolescente, necessita de maior defesa de seus direitos, sob um robusto amparo legal, visando à dignidade, tão ventilada na Constituição Federal e no Estatuto da Pessoa Idosa, bem como à sua qualidade de vida.

Quando se menciona a qualidade de vida, ou mesmo o direito à vida digna do idoso, o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana está intrínseco. Não apenas pelo estatuto constituir um microssistema reconhecedor das necessidades especiais dos mais velhos, mas por tratar-se de um conjunto de normas definidoras de direitos e garantias fundamentais de aplicação imediata, conforme dicção constitucional [1].

Dito isso, o estatuto também veda qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão (artigo 4 º EI), fazendo gerar responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas que não forem observadas na proteção do idoso [2]. Leia-se dicção do artigo 5º do Estatuto do Idoso:

"Artigo 5o — A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei" (Lei 10.741/2003).

Muito embora não se queira tomar por verdade, infelizmente a sociedade acaba constrangendo os idosos, tornando-os socialmente desconsiderados e em inexplicável estado de inferioridade. E pior, "não é incomum depararem com parentes próximos buscando interditá-los com receio de dilapidarem seus pertences e suas riquezas materiais, já reivindicada pelos futuros herdeiros vocacionados em lei, com suas intangíveis legítimas" [3] (MADALENO, 2017).

Mas o ponto alto deste estudo é o abandono afetivo dos idosos.

Já se ouviu dizer que "você colhe o que planta", ou seja, se ao longo da vida você deu amor e afeto aos seus, você receberá na velhice e não precisará mendigar carinho. Todavia, essa verdade não é absoluta, idosos estão em asilos com a maior queixa da ingratidão por parte daqueles a quem deram a vida.

Os asilos dão abrigo e cuidam dos idosos, mas cuidar não é o mesmo que amar. O amor, visto como um gerador de bem-estar, é responsabilidade da família, e não da comunidade, da sociedade ou do poder público. O dever de cuidado e zelo psicológico para com os idosos é da família. Quanto a isso, o Estatuto do Idoso, assim como a Carta Magna, deixa expresso esse dever de cuidado, respeito e afeto:

"Artigo 98 — Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado. Pena: detenção de seis meses a três anos e multa" (Lei 10.741/2003).

"Artigo 229 — Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Artigo 230 — A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§1º. Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares" (Constituição Federal/88).

É sabido que ninguém é obrigado a amar o outro, por mais frio que pareça ser, porém, é, sim, dever daquele a quem é inerente a responsabilidade de zelo e amparo, ainda que só financeiramente.

Gize-se, outrossim, aquele, ao não procurar saber notícias suas, demonstra desprezo e desafeto para com o idoso. E, diante disso, o desinteresse importa, sim, em dever de indenizar.

Nesse diapasão, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, V e X [4], prevê que o dano moral decorrente da violação da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas deverá ser indenizado, bem como os artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, assim estabelecem [5].

Acerca do tema de indenização por abandono afetivo, encontra-se na jurisprudência catarinense acerca do abandono da criança [6], que deve ser lido em interpretação estendida ao idoso, pois também merece guarida nesse sentido, assim, mutatis mutandis:

"Convivência do pai com a filha evidenciada. Dano moral não verificado. A reparação via indenização por abandono afetivo, muito embora juridicamente possível, depende de considerável respaldo probatório e de circunstâncias extraordinárias que justifiquem a indenização e que não representem simplesmente a indenização pelo amor não recebido. O dano por abandono afetivo é juridicamente viável, mas excepcional" [7].

Não somente esse é o entendimento jurisprudencial, mas já restou ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público no Tribunal de Justiça de Santa Catarina para medida de proteção de idoso por abandono afetivo e material, leia-se:

"Civil pública ajuizada pelo ministério público de Santa Catarina. Medida de proteção em favor de idoso. Abandonos afetivo e material comprovados. Necessidade de colocação do idoso em instituição acolhedora para pessoas com idade avançada. Responsabilidade solidária dos entes públicos e familiares. Dever constitucional de prestar assistência ao idoso referente à manutenção da sua dignidade e bem-estar. Manutenção da sentença. Recursos desprovidos. Incumbe à familia e aos entes públicos a responsabilidade solidária de empreender esforços que efetivem o dever fundamental de proteção à dignidade e o bem-estar dos idosos que se encontram em situação de risco, por abandono material e afetivo, com fundamento na Constituição Federal e ao Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/03)" (TJSC, Apelação / Remessa Necessária nº 0900012-05.2014.8.24.0050, de Pomerode, relator Jaime Ramos, 3ª Câmara de Direito Público, j. 10-12-2019).

De fato, ninguém é obrigado a amar e a manter-se atrelado a outra pessoa contra a vontade, mas vir a prejudicar direito de outrem gera o dever de indenizar, até mesmo porque o direito de um acaba quando começa o direito do outro. Por fim, conclui-se que é dever da família promover o bem-estar psicológico e, em razão desse abandono, deve aquele que cometeu o ato ilícito compensar por danos morais o idoso.

 


[1] "Artigo 5º — § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" (CF/88).

[2] [2] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 10ª ed.rev.,atual.e ampl., – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 654/655.

[3] MADALENO, Rolf. Direito de Família – 7ª ed.rev.,atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense. 2017, p. 1240.

[4] "Artigo 5º — V. É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou imagem.
Artigo 5º — X. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano moral decorrente de sua violação"
.

[5] "Artigo 186 — Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Artigo 927 — Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo"
.

[6] "[…] Ademais, a possibilidade de compensação por danos morais, em razão do abandono psicológico exige a demonstração do ilícito civil, cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor" (AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 492.243/SP, rel. Minº Marco Buzzi, j. 5-6-2018, grifo nosso) (TJSC, Apelação Cível nº 0000014-80.2013.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Stanley da Silva Braga, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 18-06-2019).

[7] (TJSC, Ac nº 2014.078525-9, Rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 11/02/2016

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