Reflexões Trabalhistas

Direito de manifestação nas redes sociais e impactos no contrato de trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

23 de outubro de 2020, 8h01

A atual Constituição Federal brasileira é clara sobre sua opção pelo Estado democrático de Direito ao assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, considerando os trabalhadores como pessoas que não prescindem da liberdade de pensamento e de expressão na execução do contrato trabalho. É que a celebração de um contrato de trabalho não significa a privação dos direitos reconhecidos a todos os cidadãos na Constituição Federal, incluindo o direito de manifestação inscrito no inciso IV do artigo 5° ("É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato").

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Nesse contexto, o Brasil alinha-se às Constituições democráticas de outros países, sendo amplo o reconhecimento e a proteção no âmbito do direito internacional dos direitos humanos e da liberdade de manifestação como meio da liberdade de expressão.

Nossa Constituição Federal alçou como garantia fundamental a proteção da liberdade de manifestação, ressalvadas exceções, porque a liberdade de expressão não se trata de direito absoluto, pelo que cada um que o exerce deve respeitar os direitos dos outros cidadãos e pessoas. Desse modo, é necessário ponderar os limites ao direito de manifestação das partes do contrato de trabalho, devendo-se, em cada caso, justificar eventual restrição aos direitos fundamentais dos trabalhadores quanto à manifestação de pensamento.

Hoje se vive intensamente a sociedade da informação pelo uso das redes sociais virtuais, por conta da disseminação das tecnologias da comunicação e informação, não havendo ainda um regramento claro, objetivo e efetivo sobre o assunto, o que tem gerado conflitos sobre seus efeitos na sociedade, cabendo, muitas vezes, ao Poder Judiciário encontrar soluções para os casos que chegam para sua avaliação.

Nem sempre o direito de liberdade de expressão dos trabalhadores tem sido assegurado na forma da Constituição Federal de 1988, porquanto, não raro procura-se justificar seu enquadramento como infração disciplinar, embora não haja mais dúvida quanto a esse direito dos trabalhadores nas relações de trabalho, dentro ou fora do local de trabalho. Cabe anotar que os trabalhadores não deixam de ser cidadãos quando introduzidos nas organizações empresariais, os quais, como qualquer pessoa, têm assegurado o direito de liberdade de pensamento, opinião ou ideias, como assegura a norma constitucional.

Todavia, a condição de subordinação jurídica a que se submetem nas relações laborais evidencia sua sujeição ao poder de direção do empregador, o que pode colocar em perigo o exercício da liberdade de manifestação, podendo gerar conflitos sobre os direitos à honra, à imagem e à intimidade em face da liberdade de expressão e informação, ambos considerados direitos fundamentais. Isso tem gerado desafio no uso das redes sociais por trabalhadores e empregadores, porque as informações veiculadas podem atingir público maior do que o pretendido.

Há casos em que os trabalhadores manifestam seu pensamento, às vezes até fazendo críticas e denúncias em relação aos seus empregadores, que não são bem recebidas, provocando punições nem sempre com a devida avaliação do conteúdo da manifestação. A CLT assegura os poderes diretivo e punitivo do empregador no artigo 482, considerando passíveis de rescisão do contrato de trabalho por justa causa do empregado (letra "k") condutas que se caracterizem como atos lesivos da honra ou da boa fama praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos.

Realmente é possível ver nas redes sociais algumas condutas praticadas por empregados, que usam indevidamente o direito de manifestação, recebendo punições, que são analisadas pelo Poder Judiciário trabalhista, o qual as valida ou as anula por meio de decisões judiciais.

Analisando uma dessas situações com cautela e ponderação, o TRT-10 enfrentou um conflito entre o direito fundamental de manifestação do trabalhador e o direito de imagem e honra da empresa, assim ementada sua decisão:

"JUSTA CAUSA. MAU PROCEDIMENTO. EMPREGADO QUE EMITE OPINIÃO SOBRE A EMPRESA VIA INTERNET. CONDUTA DO EMPREGADO FORA DO LOCAL DE TRABALHO ASSEGURADA PELA LIBERDADE DE OPINIÃO E EXPRESSÃO. PREJUÍZO AO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADO. Tratando-se a justa causa da penalidade mais severa imputável a um empregado, manchando sua reputação e dificultando sua recolocação no mercado de trabalho, é mister a prova inconteste da prática do fato ensejador. Hipótese em que o empregado transmitiu sua opinião sobre a empresa via internet, fora do local de trabalho, conduta assegurada pela liberdade de opinião e de expressão, não tendo a empresa demonstrado o prejuízo direto decorrente de tal conduta nem a incompatibilidade com o prosseguimento da relação contratual" (TRT-10 – ROPS 742200701610000 DF 00742-2007-016-10-00-0, Rel; Des. André R. P. V. Damasceno; 1ª Turma; Publicado em 31/10/2007).

Infere-se no presente caso que o empregado foi demitido por justa causa sob alegação de insubordinação e mau procedimento, o qual teria criado uma comunidade no Orkut, chamada de "prevfone/Brasília", com a intenção de depreciar a imagem da empresa. Mas a prova dos autos refere-se à reprodução de diálogos da "sala de bate-papo" virtual na referida rede social. O TRT entendeu que a conduta do empregado fora do ambiente da empresa não poderá caracterizar justa causa para sua demissão, salvo se tivesse repercutido na relação contratual, no que se refere aos deveres gerais de obediência, diligência e fidelidade e causado prejuízo à empresa, o que não restou demonstrado nos autos. Registra a decisão que nas declarações do obreiro não foi utilizada linguagem chula ou deselegante nem ridicularização ao empregador. A primeira instância entendeu que mensagens enviadas pelo reclamante antes da rescisão contratual apontaram a questão da insatisfação com a desigualdade social, pelo que, o apontamento da existência da mais-valia e a indicação da necessidade de organização da classe trabalhadora, para fazer frente à exploração pelo detentor do poder econômico não teve o condão de atingir o patrimônio moral do empregador ou de seus prepostos.

Portanto, é preciso analisar cuidadosamente as manifestações dos trabalhadores nas redes sociais quando possam ter alguma repercussão nos contratos de trabalho, a fim de se conjugar o direito de manifestação com os direitos de honra e de imagem dos empregadores.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor Titular do Centro Universitário — UDF, no mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), na Pós-Graduação em Direito e Relações do Trabalho. Consultor Jurídico e Advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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