Opinião

Alimentos: valor da causa, honorários sucumbenciais e questões afins

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22 de outubro de 2020, 10h35

A toda demanda judicial deve ser atribuído um valor, ainda que o objetivo nela buscado não possua, em si, expressão econômica. Essa é a mensagem veiculada pelo artigo 291 do Código de Processo Civil. Portanto, mesmo ações voltadas à produção antecipada de prova, à declaração de existência ou inexistência de união estável, à regulamentação de responsabilidades de pais sobre filhos, ou, ainda, ações de separação e divórcio puras deverão conter algum valor da causa.

É que, além de servir de parâmetro para o estabelecimento da taxa judiciária e do preparo recursal (CPC, artigo 1.007), o valor atribuído à causa funciona como critério para uma série de providências, como a estipulação de multa por litigância de má-fé e por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, artigo 77, §2º, 81 e 1.026, §2º), assim como para a fixação dos honorários sucumbenciais (CPC, artigo 85, §2º).

Em qualquer caso, o pedido, iluminado pela causa de pedir, é o elemento da demanda responsável por orientar o estabelecimento do valor da causa.

Como a petição inicial é a peça processual que veicula o pedido e inaugura a demanda (principal ou reconvencional), é nela que deve ser declinado o valor da causa.

Por ser um desses institutos capazes de projetar repercussões sobre interesses variados, existem dois sistemas orientando a fixação do valor da causa: o legal e o voluntário. O primeiro vem imposto pelo artigo 292 do Código de Processo Civil, que se encarrega de exemplificar hipóteses em que o valor deva obrigatoriamente seguir os parâmetros lá traçados. Já o segundo não se ampara em texto de lei, mas decorre do sistema. Sua aplicação é residual e subsidiária, somente tendo lugar quando houver omissão do código, hipótese que autorizará a própria parte a valorar a demanda com base no proveito econômico pretendido ou, sob critério meramente estimativo e razoável, na eventualidade de inexistir conteúdo econômico mensurável em sua pretensão ou ser extremamente difícil a sua apuração inicial. Como resultado, o valor da causa se submete a um duplo controle: um privado e um público. O privado se pauta na iniciativa da parte contrária, que poderá impugná-lo em preliminar de contestação (à ação principal ou reconvencional), sob pena de preclusão (CPC, artigo 293). O público atribui ao juiz o poder de corrigi-lo, de ofício e por arbitramento, quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor (CPC, artigo 292, §3º).

Se, por qualquer dessas interferências, o valor da causa vier a ser efetivamente alterado, as custas correspondentes à diferença também deverão sofrer alterações (CPC, artigo 293).

No caso específico dos alimentos, que são a única matéria que importa por aqui, o valor da causa deve corresponder à soma de 12 prestações mensais pedidas pelo autor, diz o artigo 292, III, do código. A rigor, portanto, seria com base neste valor que as custas iniciais deveriam ser calculadas e os honorários sucumbenciais oportunamente fixados.

Mas, como se sabe, o montante pedido a título de alimentos não acarreta uma vinculação absoluta do juízo. É que a quantia inicialmente postulada se baseia em uma análise abstrata do binômio alimentar (CC, artigo 1.694, §1º), a qual somente poderá ser efetivamente sopesada em concreto durante a instrução processual. Como a sentença é proferida com base na situação concreta e não abstrata, entende-se que o autor vencerá a demanda mesmo que seus pedidos não sejam integralmente acolhidos e mesmo que o valor atribuído à causa tenha sido fixado com base em proveito econômico diferente daquele fixado em sentença.

A premissa que leva a essa conclusão é a de que o postulante pretende obter a condenação da parte contrária ao "pagamento de alimentos" a seu favor, mas não necessariamente ao "pagamento de alimentos no valor indicado", que, por isso, pode ser atribuído a título meramente estimativo. Logo, se houver a condenação do alimentante ao pagamento em valor até mesmo inferior ao pedido, o alimentando será, invariavelmente, considerado vencedor na demanda.

Este posicionamento, que também se aplica às revisionais e ofertas de alimentos, dá mostras de ser absolutamente pacífico no STJ, pois vem se mantendo inalterado por anos a fio (veja, por exemplo o REsp 922.630/RN, DJ de 29.10.07 e AgRg no AREsp 603.597/RJ, DJe de 3/8/15).

Semelhante raciocínio pode ser aplicado a todos os casos em que o sistema autoriza o autor a deduzir pedido genérico, justamente porque, nesses casos, ele pode não conseguir reunir, desde logo, os elementos necessários à identificação precisa do proveito econômico pretendido, como acontece nas ações universais como a de partilha, por exemplo, quando não for possível individuar os bens demandados, bem como quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (CPC, artigo 324), ou, ainda, nas ações em que não lhe for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato alegado, como acontece nas ações de indenização por danos morais, a cujo respeito chegou a ser editada a Súmula 326 do STJ dispondo que "na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca".

Vale ser mencionado que essa súmula talvez seja cancelada com o passar do tempo, pois, desde a entrada em vigor do CPC/15, o demandante precisa atribuir valor definitivo ao pedido de indenização por danos morais (artigo 292, V).

Mas isso não infirma o raciocínio que justificou sua elaboração, que continuará sendo aplicado ao caso de alimentos.

Portanto, se o "pedido de condenação ao pagamento de alimentos" tem força vinculativa, mas o "pedido de condenação ao pagamento de alimentos em valor específico" tem força meramente persuasiva do juízo, no caso de a sentença eventualmente condenar o alimentante a pagar menos do que tiver sido pedido pelo alimentando, este não será considerado sucumbente, nem mesmo de forma parcial, pois, em última análise, terá vencido a demanda, já que seu "pedido de condenação ao pagamento de alimentos" terá sido acolhido.

Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça entende, de forma absolutamente tranquila, que "na ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio da adstrição, podendo o magistrado arbitrá-los com base nos elementos fáticos que integram o binômio necessidade/capacidade", tornando o pronunciamento blindado aos vícios de extrapetição ou ultrapetição, até mesmo no caso de exarar condenação em valor superior ao pedido (veja, p. ex.: STJ, AgRg no AREsp 603.597/RJ, DJe de 03.08.15 e REsp 1.290.313/AL, DJe de 07.11.14).

Mas e os honorários de sucumbência, como ficam? Será que o advogado do réu não teria que ser remunerado proporcionalmente, à medida da sucumbência parcial experimentada pelo autor? Afinal, não existe mais a compensação de honorários (CPC, artigo 88, §14).

Acredito que não. A própria sistemática da ação de alimentos — do mesmo modo que acontecia com as indenizatórias por danos morais — justifica esse proceder. Portanto, se o "pedido de condenação ao pagamento de alimentos" for acolhido, o réu será condenado a pagar honorários de sucumbência ao advogado do autor, sem que se possa cogitar da hipótese contrária quando houver sucumbência parcial em relação ao "pedido de condenação ao pagamento de alimentos em valor específico".

Portanto, exceto se ocorrer a improcedência total dos pedidos — o que, convenhamos, não é algo muito realista — a cobrança dos honorários pelo advogado da parte requerida talvez deva se dar de forma antecipada, em valor fixo pelo patrocínio de toda a causa (honorários contratuais), tal como acontece em todos os casos onde o próprio ordenamento jurídico opta por suprimir os honorários sucumbenciais, a exemplo das ações civis públicas (L. 7.347/85, artigo 18), das causas que tramitam nos Juizados Especiais Cíveis (L. 9.099/95, artigo 55), em algumas ações locatícias (L. 8.245/91, artigo 61), nos cumprimentos de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada (CPC, artigo 85, §7º) e em um punhado de casos previstos tanto no texto do código, quanto na legislação extravagante.

Ok! Mas e o valor atribuído à causa? Não deveria ser alterado também, ainda que retroativamente? Afinal, agora existiria identificação precisa a respeito do proveito econômico obtido.

Acredito que sim.

Se o valor da causa é estimativo, é porque é provisório e virá a ser oportunamente substituído pelo valor certo e definitivo. Mas, tão logo este seja obtido em caráter permanente, inexistirá razão para que o mesmo tratamento continue lhe sendo dado.

O próprio Superior Tribunal de Justiça possui entendimento absolutamente pacífico no sentido de que, na impossibilidade de imediata mensuração do proveito econômico pretendido, o valor da causa pode ser estimado pelo autor, em quantia simbólica e provisória, passível de posterior adequação ao valor apurado pela sentença ou no procedimento de liquidação (entre vários, confira: AgInt no REsp 1.804.707/CE, DJe de 30.08.19; AgInt no AREsp 813.474/RJ, DJe de 20.8.19; EDcl no AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1.401.737/RJ, DJe de 26.6.19).

Por isso, tenho pra mim que, a partir do momento em que a coisa julgada recobrir o pronunciamento judicial condenatório, devem ser feitas as adequações devidas. O valor da causa deverá corresponder ao valor da condenação e o autor deve ser intimado para que providencie sua alteração em prazo razoável, sob pena de o juízo se tornar autorizado a realizar essa mudança de ofício.

E, finalmente, como ficam as custas judiciais recolhidas ou pendentes de o ser? Elas não deveriam ser, parcial e proporcionalmente, restituídas ao autor em caso de fixação de alimentos em valor inferior ao pedido, ou dele exigidas em caso de fixação de alimentos em valor superior ao pedido?

Aqui também acredito que sim. Uma vez sendo modificado o valor da causa, as custas judiciais correspondentes devem sofrer imediata e proporcional repercussão.

A rigor, o autor é que deveria ser intimado para: 1) fazer a complementação da diferença, no caso de o valor da causa ser aumentado; ou 2) tomar ciência de que poderá pleitear o reembolso, na hipótese de o valor da causa ser diminuído

Porém, é preciso que se esteja atento a um detalhe. Como a sucumbência do réu lhe atribuirá o dever de reembolsar o autor as despesas antecipadas (CPC, artigo 82, §2º), caberá a ele, réu, fazer o pagamento de eventual resíduo faltante.

O próprio STJ entende desse modo (REsp 922.630/RN, DJ de 29.10.07).

Portanto, se o valor da causa houver sido aumentado, talvez seja melhor que o réu seja intimado para fazer o pagamento da diferença — em prazo razoável —, sob pena de encaminhamento das informações pertinentes à Secretaria da Fazenda para adoção das medidas de praxe.

Isso porque seria extremamente contraproducente intimar-se primeiro o autor para providenciar o recolhimento proporcional, para que, somente depois de ele pagar, pudesse cobrar do réu.

Já se o valor da causa houver sido diminuído, o réu deve ser intimado para reembolsar o autor apenas naquilo que este efetivamente deveria ter pago, a ser apurado pela contadoria do juízo com base no novo valor da causa. Sem prejuízo, o autor se encontrará autorizado a pleitear do Estado o reembolso judicial ou extrajudicial do que tiver recolhido a maior, já que as custas possuem natureza tributária (taxa), podendo sua restituição ser processada perante o órgão administrativo revestido de atribuições pertinentes ou perante o juízo competente

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