prática trabalhista

Em defesa da penhora de saldo em caderneta de poupança

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Rafael Guimarães

    é juiz do Trabalho coordenador do Programa SOS EXECUÇÃO no TRT da 2ª Região professor convidado em Escolas Judiciais e em cursos jurídicos especialista em Direito e Processo do Trabalho e coautor da obra Execução Trabalhista na Prática.

  • Richard Wilson Jamberg

    é juiz do Trabalho professor de Direito Processual do Trabalho na Unisuz e da pós-graduação da FMU professor convidado em Escolas Judiciais da ESA e em cursos jurídicos especialista em Direitos Sociais e em Direito Processual do Trabalho e coautor da obra Execução Trabalhista na Prática.

22 de outubro de 2020, 8h01

Chamou-nos atenção o recente relatório divulgado no site do Banco Central do Brasil [1], o qual registra que a caderneta de poupança encerra setembro do corrente ano com captação líquida de R$ 13 bilhões de reais, aproximadamente.

Essa informação tem impacto direto na efetividade da execução trabalhista, haja vista que o artigo 833, X, do CPC confere proteção legal dessa modalidade de ativo financeiro contra o avanço da tutela executiva, salvaguardando o patrimônio do devedor.

Com efeito, a referida norma processual declara ser impenhorável "a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos".

Não se trata de novidade instituída pelo novo CPC, uma vez que a Lei nº 11.382/2006, que implementou várias inovações no CPC de 1973, já havia inserido idêntica disposição, indo na contramão do avanço legislativo em prol da efetividade da execução promovida, sendo alvo de crítica da doutrina como aponta Estevão Mallet:

"A criação de nova hipótese de impenhorabilidade, para as aplicações de até 40 salários mínimos em caderneta de poupança (artigo 649, inciso X), não faz nenhum sentido, muito menos no processo do trabalho. Qual a razão para dar ao devedor o direito de não pagar seus credores e permanecer com investimentos financeiros? Se o que se quis foi estimular ainda mais a aplicação em caderneta de poupança, investimento que já conta com larga preferência entre muitas pessoas, o caminho escolhido não poderia ser pior. Leva à inadimplência das obrigações legitimamente assumidas, com enfraquecimento do vínculo obrigacional. A regra, como proclama invariavelmente a doutrina, é a penhorabilidade dos bens do devedor, conforme artigo 591 do CPC. A impenhorabilidade mostra-se excepcional e assim deve e tem de ser tratada, até mesmo pelo legislador, sem abusiva criação de obstáculo desproporcional e não razoável à tutela processual do credor. A garantia constitucional de ação (Constituição, artigo 5º, XXXV) compreende também a garantia de execução das decisões tomadas pelos tribunais" [2].

Ora, não faz sentido a proteção conferida ao devedor, que mantém seu dinheiro aplicado a juros em instituição financeira, em detrimento do credor trabalhista, notadamente de parcela de natureza alimentar reconhecida em título executivo judicial. É um desprestígio à própria atuação do Estado na sua função de resolver os conflitos de interesse.

Nessa linha de raciocínio, defendemos que o inciso X do artigo 833 do CPC é incompatível com o processo do trabalho (artigos 769 e 889 da CLT), na medida que na Justiça do Trabalho se executa crédito de natureza alimentar, não podendo se permitir que o devedor de dívida trabalhista faça investimentos sem adimplir crédito de natureza eminentemente alimentícia.

A referida disposição conflita com a dignidade humana do trabalhador e o valor social do trabalho, os quais constituem fundamentos da República e princípios gerais da ordem econômica nacional (artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, da Constituição Federal), de modo que resta afastada por completo sua aplicação ao processo do trabalho.

Por tal razão, deve incidir a exceção do §2º do artigo 833 do CPC, o qual prevê expressamente que, em se tratando de prestação alimentícia de qualquer origem — tal como o crédito trabalhista —, não se aplica a impenhorabilidade de saldos em caderneta de poupança de que trata o inciso X.

Acerca da temática, a SDI-2 do TST tem assinalado que "conquanto não houvesse previsão legal no Código de Processo Civil de 1973, o novo Código de Processo Civil, em seu artigo 833, ao prever a impenhorabilidade da quantia depositada em caderneta de poupança, expressamente estabelece ressalva no §2º relativamente 'à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem', no que se incluem, portanto, os créditos de natureza trabalhista" (TST – RO 4097320175210000 — SDI-2 — Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte — Data de julgamento: 16/10/2018).

Ademais, é importante atentar-se para o fato de que esta modalidade de conta é utilizada, muitas vezes, como se fosse conta corrente, restando desvirtuado seu uso como poupança, com manifesto propósito de blindagem patrimonial dos ativos financeiros do executado, protegendo-se de possível constrição judicial.

Assim sendo, constatando-se operações de débito e crédito, para suprir necessidades diárias do devedor, acaba por alterar sua natureza, transmutando-a em verdadeira conta corrente. Com isso, permite-se passar ao largo da discussão em torno da sua (im)penhorabilidade, sendo possível a imediata constrição judicial na forma do artigo 854, caput, do CPC.

Na prática, é possível a adoção pelo Juízo da execução de duas posturas em caso de alegação pelo devedor de que a penhora recaiu sobre o saldo em sua conta poupança: 1) imputar-lhe o ônus de juntar os extratos bancários de determinados meses, para aferir o uso desvirtuado desta conta bancária, na forma dos artigos 818, II, da CLT, e 772, III, do CPC [3]; ou 2) utilizar o módulo de afastamento de sigilo bancário da ferramenta eletrônica Sisbajud, e requisitar os extratos bancários, tornando possível constatar a real natureza da conta poupança, nos termos expostos acima.

No âmbito do TRT da 4ª Região, a situação retratada está contemplada na OJ 75:

"OJ 75. Penhora de conta poupança. Utilização com características de conta corrente. Desvirtuamento de finalidade. Possibilidade. Verificado que o executado utiliza conta poupança com as características de conta corrente resta desvirtuado o propósito da proteção legal, implicando a possibilidade de penhora sobre o valor total dos depósitos".

Em igual sentido, destaca-se julgado do STJ em sede de execução fiscal:

"Ementa: execução fiscal. Penhora. Conta poupança. Acórdão a quo que concluiu pela utilização da conta poupança como conta corrente em razão das sucessivas movimentações financeiras. Reexame. Impossibilidade. Súmula nº 7 do STJ. 1. No caso, o tribunal de origem, atento ao conjunto fático-probatório dos autos, assentou que 'verifica-se, a partir do extrato acostado às fs. 63/65, que a conta bancária nº 512.178-7 foi objeto de intensa movimentação, sendo realizados descontos e compensações de cheques, gastos com crédito e diversos saques, o que descaracteriza sua condição de conta poupança. Na verdade, a forma de utilização da referida conta mostra maior proximidade material com uma conta corrente, que, salvo as verbas de caráter alimentar, não está protegida pela impenhorabilidade do artigo 649, CPC'". (STJ — AgRg no AREsp 511240/AL — 1ª Turma — Relator Ministro Benedito Gonçalves — Data de julgamento: 19/03/2015) (grifo dos autores)

Destarte, o arcabouço normativo e jurisprudencial confere sustentáculo à penhora de saldo em caderneta de poupança no âmbito da jurisdição executiva trabalhista, o que vai ao encontro dos princípios da efetividade da execução e da responsabilidade patrimonial executiva do devedor trabalhista.

P.S.: Excerto da obra conjunta dos autores do artigo, "Execução Trabalhista na Prática", Editora Mizuno, com e-book de degustação disponível aqui.

 


[2] MALLET, Estêvão. Anotações à lei nº 11.386, de 6 de dezembro de 2006. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 73, nº 1, p.66-8, janº2007.

[3] CPC. "Artigo 772 — O juiz pode, em qualquer momento do processo: III. determinar que sujeitos indicados pelo exequente forneçam informações em geral relacionadas ao objeto da execução, tais como documentos e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes prazo razoável".

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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    é juiz do Trabalho, especialista em Direito e Processo do Trabalho e professor convidado de cursos jurídicos.

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    é juiz do Trabalho. professor de Direito Processual do Trabalho na Unisuz e especialista em Direitos Sociais e em Direito Processual do Trabalho.

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