Opinião

A dedução no Imposto de Renda das contribuições extraordinárias da Funcef

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22 de outubro de 2020, 16h30

A Fundação dos Economiários Federais (Funcef) é o terceiro maior fundo de pensão do Brasil e um dos maiores da América Latina. Entidade fechada de previdência complementar, sem fins lucrativos e com autonomia administrativa e financeira; foi criada com o objetivo de administrar o plano de previdência complementar dos empregados da Caixa.

Há um plano de benefícios específico da Funcef, designado REG/Replan Saldado, que vem suportando déficits [1] desproporcionais desde 2014, na casa de milhões de reais. O resultado negativo dos investimentos culminou no déficit do plano de benefícios. A legislação vigente estabelece limite para a existência do desequilíbrio e determina que seja feito o equacionamento no caso de planos deficitários.

Ou seja, os resultados dos investimentos ficaram abaixo das necessidades projetadas atuarialmente e devem ser equacionados para os REG/Replan Saldados de 2014 a 2016. Importante salientar que há processos judiciais que também apuram a possibilidade de gestão temerária e fraudulenta do fundo de pensão, em ações criminais patrocinadas pelo Ministério Público Federal que investigam ex-diretores da Funcef.

Diante da confirmação do déficit, surge a obrigação de seu equacionamento [2] solidário entre patrocinadores, participantes e assistidos, na forma definida pelo artigo 21, da LC 109 [3].

Conforme observado nos planos de equacionamento sugeridos pela Funcef, o prazo para equacionamento de um só plano pode chegar a 18,36 anos e o maior percentual de contribuição (para o plano de 2016) incide em 9,59% sobre o benefício saldado, que já é pago pelo beneficiário (o de 2014 são 2,78% e o de 2015 são 7,86%). Essa taxa de contribuição extraordinária será revista anualmente, em tese.

Entretanto, em julho de 2017, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta º 354-Cosit, a qual, em resumo, dispôs o seguinte: 
"As contribuições extraordinárias, ou seja, aquelas que se destinam ao custeio de déficit, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal, às entidades fechadas de previdência complementar, não são dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física".

Contudo, tal entendimento não segue os parâmetros legais aplicáveis. A negativa à dedução desses valores implica no indevido reconhecimento de existência de obrigação tributária sobre as parcelas, o que vai de encontro com a legislação tributária.

Temos como primeiro fundamento contra o impedimento o seguinte: as parcelas extraordinárias para ao equacionamento de déficits não são (e nem devem ser) consideradas fato gerador de renda, conforme determina o Código Tributário Nacional [4].

Compreende-se, então, que a quantia paga à Funcef pelos participantes e assistidos, a título de contribuição extraordinária instituída para equacionamento de déficit do plano não configura acréscimo patrimonial. Por conseguinte, os contribuintes possuem pleno direito à dedução do valor para a base de cálculo do imposto de renda.

Entendimento contrário leva a uma espécie de bitributação, eis que os participantes e assistidos contribuem para a entidade de previdência complementar e recebem o valor das contribuições depois, na forma de benefício, o qual também é tributado, em conformidade com a Lei nº 9.250/95 (que dispõe sobre o Imposto de Renda).

Portanto, tal entendimento da Receita não deve prosperar por ser completamente ilegal e inconstitucional.

O conceito de contribuição — para fins de custeio de plano previdenciário —  se constrói a partir do texto do artigo 19 da Lei Complementar 109/2001: "As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário".

Pelo exposto, temos que a contribuição previdenciária destinada à constituição de reservas para o fundo de pensão sempre tem como finalidade futura o custeio do benefício previdenciário almejado — independentemente de sua classificação, normal ou extraordinária. Ou seja, tanto a contribuição normal como a extraordinária têm como objetivo viabilizar o pagamento dos benefícios mediante a constituição de reservas.

A legislação tributária referente ao Imposto de Renda também é transparente quanto ao tema, em seus artigos 4º e 8º [5].

No mesmo tom, o artigo 11 [6] da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997 (que altera a legislação tributária), trata justamente da isenção das contribuições destinadas a fundo de previdência complementar fechada.

Diante disso, é absurdo conceder tratamento tributário diferenciado às contribuições previdenciárias privadas com base, tão somente, em sua denominação classificatória, quando não há previsão legal para tanto.

Tendo em vista o entendimento equivocado da Receita Federal e a fundamentação legal que contra argumenta essa viciada posição, nasce o direito de todos os participantes (ativos ou aposentados) que estão custeando a Funcef por meio de contribuições extraordinárias a requererem judicialmente a dedução dessas contribuições no Imposto de Renda — que já tem vários resultados positivos em todo o país.

 


[1] Diferença negativa entre os recursos garantidores, ou seja, o total de ativos existente no plano, e a soma dos benefícios a serem pagos aos participantes e assistidos, líquidos de contribuições futuras, trazida a valor presente, correspondente à reserva matemática.

[2] Equacionamento é o procedimento cujo objetivo é buscar, observando-se as regras em vigor, o equilíbrio entre os recursos garantidores e a reserva matemática do plano deficitário.

[3] "Artigo 21 – O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
§ 1º O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador".

[4] "Artigo 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior".

[5] "Artigo 4º – Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:
(…)
V – as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;
(…)
Artigo 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:
I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;
II – das deduções relativas:
(…)
i) às contribuições para as entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública de que trata o § 15 do art. 40 da Constituição Federal, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social.
Artigo 11. As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência privada, a que se refere a alínea e do inciso II do art. 8o da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, (…), cujo ônus seja da própria pessoa física, ficam condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observada a contribuição mínima, e limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos. (Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004)
(…)
§ 6º As deduções relativas às contribuições para entidades de previdência complementar a que se referem o inciso VII do art. 4o e a alínea i do inciso II do art. 8o da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, desde que limitadas à alíquota de contribuição do ente público patrocinador, não se sujeitam ao limite previsto no caput. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014) (Vigência)
§ 7º Os valores de contribuição excedentes ao disposto no § 6º poderão ser deduzidos desde que seja observado o limite conjunto de dedução previsto no caput".

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