Opinião

A Linha Amarela legal e o confronto histórico no STJ

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21 de outubro de 2020, 6h05

Esta quarta-feira (21/10) promete ser um marco de afirmação da legalidade no Brasil. Estarão em confronto, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, a prevalência da lei, da moralidade e da probidade públicas versus o interesse econômico privado de alto apelo e baixa substância. O pano de fundo, já conhecido, é o julgamento da encampação da Linha Amarela e seu pedágio, cuja receita diária, exorbitante contra a população usuária, só não supera a argúcia e a ganância de seus recebedores.

Muito se tem dito, de maneira descompromissada com um mínimo de realidade, que as ações do município do Rio de Janeiro são "populistas", "abusivas" ou "descompromissadas", não cuidando esses narradores de ocasião de sequer investigar que se tratam de debates amadurecidos em processos administrativos e judiciais que tramitam há mais de três anos, sujeitos todos eles à mais ampla defesa e participação da concessionária.

Em resumo, indesejável também para quem contava com uma gestão honesta e eficiente de sua via pública mais moderna e relevante, o que se tem ali é a certeza de que uma concessão que nasceu e que foi calculada para bem remunerar o prestador durante dez anos veio sendo seguidamente agraciada com aumentos de valor e de prazo, chegando a uma vigência prometida para quatro décadas e um custo de R$ 15, no trajeto de ida e volta. Isso sem falar nos veículos de transporte, que pagam R$ 90 e transferem o custo para as mercadorias que carregam, arcando também a população consumidora.

Pode-se dizer que o bom serviço merece ser bem remunerado. A eficiência reconhecida pode ser renovada muitas vezes no serviço que presta, tecnicamente chamada de prorrogação. Mas fica sem resposta quando as obras de melhorias contratadas não são sequer realizadas. Fica insustentável quando os preços que se dizem praticados estão superiores a todo o mercado e fica intolerável, aí sem nenhuma chance mesmo de aceitação, quando nenhuma nota fiscal de mercadorias ou serviços é exibida, ao argumento de que quem realiza as obras na via é uma empresa coirmã de quem herdou o butim, ex-administradora da própria concessão.

Nenhuma pessoa minimamente informada ousaria aplaudir esse estado de coisas. Não se falam de miudezas. As obras contratadas e não realizadas se avaliam na casa dos R$ 200 milhões, pequena parte em verdade de um sobrepreço praticado nas tarifas de pedágio que a Controladoria-Geral do Município contabiliza em R$ 1,6 bilhão, tudo isso sem resposta pela concessionária Lamsa.

Ao administrador público, em casos assim, confronta-se, pois, um verdadeiro dever de intervir e cessar com serenidade a malfeitoria. O contrário seria prevaricação. Não se pode esperar de um secretário, do prefeito da cidade ou da inédita unanimidade de seus vereadores assistir calados a esse descalabro.

O poder econômico que aqui já se disse sem substância, de seu lado, assanha-se com o seu brilhante diversionismo retórico. Tripudia ele da inteligência das pessoas, com o terror, para dizer que é urgente a "proteção da coletividade", pois o vencimento antecipado de dívidas da companhia e o risco de insolvência afeta empregados e fornecedores. Para dizer que o rebaixamento das notas de crédito da Lamsa por agências de classificação de risco provocaria abalo aos acionistas majoritários da Invepar, na verdade os aposentados brasileiros. E ainda que a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estaria preocupada com um cenário de insegurança que se sinaliza pelo descumprimento de acordos firmados entre o poder público e a iniciativa privada, dizendo que "a mensagem é extremamente negativa para investidores, em um contexto em que os governos federal, estadual e até mesmo o municipal buscam concessões para destravar investimentos".

Tudo isso, na verdade, é tão sólido quanto uma duna de areia ao vento. Não é de aposentados que se trata e nem de respeito a contratos. É de fundos financeiros e sua ansiosa produção de dinheiro a qualquer custo. A segurança jurídica e a solidez de investimentos mundialmente preconizados são aqueles baseados na legalidade, em um Estado democrático de Direito e, no século XXI, não há mais espaço para jeitinhos, para manobras, para um protecionismo exagerado ou, pior, para o indesejável "levar vantagem em tudo".

Eis, então, o que estará em confronto, nesta data que já se prevê marcante. A prevalência da legalidade, inquebrantável, irá dobrar a retórica e o capital abusivo, não em rompimento, mas em prestígio ao investimento particular sério, laborioso, e ao regime de concessões comprometido com o interesse do povo.

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