Opinião

Linha Amarela: por que a LINDB não deu match em matéria de infraestrutura?

Autor

  • Thaís Marçal

    é advogada corregedora Suplente de Controle Externo da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro mestre em Direito pela UERJ e coordenadora acadêmica da Escola Superior de Advocacia da OABRJ.

20 de outubro de 2020, 19h23

A Lei federal nº 13.655/2018 (LINDB) positivou a necessidade de serem levadas em consideração as consequências jurídicas e administrativas, bem como a impossibilidade de serem tomadas decisões com base em valores abstratos. Entre outras, essas duas premissas alcunharam a LINDB de lei de "segurança jurídica", mas será que ela pegou no Brasil? Essa é uma reflexão fundamental diante do caso da Linha Amarela, via expressa no Rio de Janeiro, foco de uma liminar que será julgada pelo Superior Tribunal de Justiça nesta quarta-feira (21/10).

É tradicional no início do estudo das ciências jurídicas a menção ao célebre estudo da Escada Ponteana, que trata da existência, validade e eficácia dos atos jurídicos. Será que no Brasil teríamos um quarto? Qual seja: "a lei pegar"? Senão, veja-se.

Em um cenário tradicional e contumaz de países em desenvolvimento, como é o caso brasileiro, é premente a necessidade de diálogo entre público e privado em busca de uma relação harmônica e eficiente. Explique-se.

O orçamento público não é suficiente para atender a todos os compromissos do Estado em matéria de desenvolvimento social. Na iniciativa privada, existe uma busca por novos mercados para movimentar o processo econômico-financeiro. Não seria essa a combinação perfeita? Por que não deu match?

Ora, veja-se. Como todos os processos decisórios sérios são considerados os riscos inerentes às escolhas a serem realizadas, sejam elas públicas ou privadas. Engana-se que está sendo mais eficiente aquele que se abstém de realizar pelas simples opções pela inércia. Discricionariedade não é opção pela paralisia. Discricionariedade é a opção inerente a cada gestor pela alternativa que esteja de acordo com a sua capacidade institucional de avaliação e adoção da medida mais eficiente, entre aquelas possíveis.

Justamente nesse ponto reside questão fulcral do tema: levar a sério o processo de tomada de decisão. Nesse momento, é fundamental o respeito pelas regras do jogo como princípio basilar do que se convencionou chamar de segurança jurídica.

Esse não pode ser entendida como mero exercício de retórica ao qual o interlocutor se vale quando lhe é conveniente para pautar sua decisão. Segurança jurídica é o respeito pela higidez do ordenamento jurídico. É diretamente relacionada ao conceito de juridicidade.

Se o Estado no exercício do Poder Executivo não respeita as leis que o mesmo Estado elaborou no exercício do seu Poder Legislativo, poderá no exercício do Poder Judiciário compelir que os privados a respeitem?

Em um exemplo concreto, é possível que seja rompido um contrato administrativo, de investimentos de longo prazo, para atender à mudança de prioridade de agente eleito por uma maioria de ocasião? Estariam as políticas de Estado sucumbidas às discricionariedades da política de governo?

E pior: poderia uma decisão administrativa ser despida da processualidade democrática e ser substituída por uma canetada sem substrato motivacional, sob o qual reside a própria legitimidade do ato administrativo?

Para ambas as perguntas acima elencadas, parece que a melhor resposta é pela negativa. Urgente que o Brasil retome a coerência administrativa entre o discurso pela atração de novos investimentos com a prática comezinha de respeito aos ditames da segurança jurídica, sob pena de se: 1) deslegitimar a própria elaboração do ato administrativo; 2) tornar sem efeito regras fundantes do devido processo administrativo atinentes a processualidade administrativa; 3) afastar investimentos privados tão necessários, em especial, em momento de grave crise econômica decorrente da pandemia.

Não se deve olvidar, ainda, que toda escolha administrativa deve ser realizada em compatibilidade com a premissa do diálogo, bem como da proporcionalidade.

Em matéria de diálogo, o Direito privado avançou em relação ao Direito público no momento em que parcela expressiva da doutrina defende que existe um dever de renegociação como corolário do princípio da boa-fé objetiva.

Na seara administrativa, a doutrina não avança a respeito, mas não se pode adotar que tal paralelismo não pudesse ser aplicado nas relações entre Estado e privado. Justamente, a vertente da consensualidade permite espraiar seus efeitos para condução dessa conclusão. Por mais que não seja "condição da ação", parecer ser compatível com a eficiência administrativa aduzir que se tente uma tratativa prévia de negociação. A autocomposição tem se revelado como instrumento de gestão que melhor soluciona conflitos administrativos.

No tocante à proporcionalidade, vias extremas como "encampação" ou "rescisão" de contratos administrativos devem ser entendidas como última ratio, ou seja, quando já esgotadas todas as outras vias de renegociação do contrato, sob pena de trazer efeitos deletérios desproporcionais.

A pauta da preservação dos negócios jurídicos, principalmente em matéria de grandes investimentos de infraestrutura, precisa ser entendida como premissa a ser ilidida em casos extremos com subsídios em ampla argumentação administrativa a justificá-la.  Essa é uma grande oportunidade para os ministros mostrarem que a LINDB "pegou".

Em resumo: que não se adotem soluções simplistas ou panfletárias quando o assunto diga respeito ao desenvolvimento da infraestrutura de que o país tanto precisa. Que não se deixe relegados à própria sorte aqueles que não possuem acesso à infraestrutura básica. Que os tão necessários postos de trabalho possam ser criados e/ou mantidos como instrumento de emancipação social pelo trabalho.

Que este momento de grande crise vivenciado mundialmente seja a oportunidade de reflexão de cada país para perceber que apenas a interação efetiva, séria e motivada na busca de convergências de interesses (público e privado) é capaz de permitir o desenvolvimento de uma busca pela solução conjunta.

Enfim, se a LINDB "não tenha pego" até o presente momento no Brasil, que não percamos a oportunidade de levá-la a efeito em casos paradigmáticos, demonstrando a seriedade do Brasil como local de promoção de investimentos públicos e privados.

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    é advogada, árbitra, mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora acadêmica da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ.

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