Opinião

STF toma uma importante decisão sobre contratos de representação comercial

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17 de outubro de 2020, 18h15

Na sessão virtual realizada no dia 25 de setembro, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no RE 606.003, que a Justiça Comum é competente para processar e julgar as ações relacionadas a contratos de representação comercial formalizados com autônomos, e não a Justiça do Trabalho. 

A controvérsia advém do disposto na Emenda Constitucional nº 45 (EC 45), de 2004, que alterou a Constituição Federal para ampliar a competência da Justiça do Trabalho para tratar de ações oriundas da relação de trabalho, e não apenas da relação de emprego. Enquanto a relação de emprego é aquela que preenche os requisitos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a relação de trabalho é mais abrangente na medida em que trata de todo e qualquer esforço decorrente do trabalho humano. Ou seja, com a EC 45 passou-se a discutir se o contrato de representação comercial formalizado com profissional autônomo seria considerado como uma relação de trabalho, o que chamaria a competência da Justiça do Trabalho para tratar de ações decorrentes de tal relacionamento contratual, ainda que não presentes os requisitos de relação de emprego. 

A questão discutida no âmbito do RE 606.003 teve início em 2006, com uma ação de cobrança proposta no juízo cível em que foi proferida sentença em favor do autor da ação, representante autônomo, a fim de condenar a ré, representada, ao pagamento de comissão no percentual de 3% sobre as vendas efetuadas. Após interposição de recurso pela ré, o Tribunal de Justiça determinou o retorno dos autos para nova instrução pelo juízo cível, que, por sua vez, entendeu pela competência da Justiça do Trabalho para julgar a ação. Vencida, a ré (representada), entendendo eliminar o conflito de competências, recorreu ao TRT da 4ª Região e, posteriormente, ao Tribunal Superior do Trabalho, e ambos negaram seguimento ao recurso, mantendo a competência da Justiça trabalhista, fato que ensejou a interposição do recurso extraordinário ao STF pela representada. 

Em sede de julgamento no STF, apesar de o relator, ministro Marco Aurélio, acompanhado dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, ter entendido pelo desprovimento do recurso extraordinário e, portanto, que compete à Justiça do Trabalho julgar ações decorrentes de relação jurídica entre representante comercial autônomo e representada, o voto foi vencido, prevalecendo o entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux, de que não há relação de trabalho entre representante comercial autônomo e representada, sendo uma relação comercial.

O ministro Luís Roberto Barroso explicou em seu voto que a representação comercial é contrato típico de natureza comercial, regido pela Lei nº 4.886/65, cujo artigo 1º dispõe expressamente que "exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego". Para o ministro Luís Roberto Barroso, também não existiria uma relação de trabalho entre as partes contratante, pois, de acordo com a jurisprudência do STF, nem toda relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador caracteriza relação de trabalho. 

Tal decisão é importante na medida em que vai orientar decisões em processos semelhantes sobrestados em outras instâncias, haja vista que ficou consolidado o entendimento de que entre representante autônomo e representada há, em verdade, uma relação puramente comercial, regida pela Lei nº 4.886/65, que prescreve em seu artigo 39 que, para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado, é competente a Justiça Comum, restando afastada a configuração de relação de trabalho, bem como a aplicabilidade das alterações introduzidas pela EC n° 45, que deu redação aos incisos I e IX do artigo 114 da Constituição Federal, a qual versa sobre a atuação da Justiça do Trabalho. 

A tese de repercussão geral, sugerida pelo ministro Luís Roberto Barroso e posteriormente fixada, foi a seguinte: "Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes".

Por fim, é importante alertar que diferente seria a análise do caso se restasse evidenciado e comprovado que houve um desvirtuamento da relação jurídica de representação comercial, na medida em que presentes os requisitos da relação de emprego, conforme artigo 3º da CLT: 1) onerosidade; 2) não eventualidade; 3) pessoalidade; e 4) subordinação.

Desse modo, é importante que as partes contratantes não só formalizem a relação contratual via contrato escrito, mas também que a realidade fática de tal relação jurídica esteja realmente pautada na Lei nº 4.886/65.

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