Opinião

Repercussões gerais no STF no período de crise causada pela Covid-19

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17 de outubro de 2020, 16h41

Desde o início da pandemia da Covid-19, com o intuito de seguir atuando, o Supremo Tribunal Federal aprimorou as medidas que vinha adotando para julgamento virtual, tendo passado a permitir o julgamento de qualquer processo nessa sistemática, inclusive de recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida.

Liderada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), houve forte união da comunidade jurídica no sentido de buscar a transparência absoluta desse procedimento, com a disponibilização dos votos dos ministros à medida em que registrados no sistema virtual do tribunal, além da extinção do chamado voto por omissão nos julgamentos virtuais (nessa hipótese, considerava-que o ministro que não se pronunciasse no prazo estipulado teria acompanhado o relator do processo).

Todavia, em que pese a identificação de progressos, e a louvável possibilidade de realização de sustentações orais em ambiente virtual por áudio ou vídeo, tais medidas não substituem o necessário diálogo presencial entre advogados e ministros, de maneira que se garanta a contraposição de argumentos e saneamento de dúvidas (fáticas e jurídicas), antes e durante o julgamento, especialmente naqueles de relevância nacional, com forte impacto social, jurídico e econômico.

Mais do que isso, debates entre os próprios ministros são de suma importância para julgamentos definitivos sobre temas de relevância nacional, expediente este inexistente na atual sistemática, na qual os ministros, após a inclusão do voto do relator em ambiente virtual, poderão com ele convergir ou divergir, integral ou parcialmente.

Embora não se desconheça a possibilidade de pedido de destaque, situação na qual o relator, a pedido de qualquer ministro ou das partes, retirará o processo da pauta de julgamento eletrônico e o encaminhará para julgamento presencial, com publicação de nova pauta, fato é que poucos foram encaminhados para este sentido.

Até mesmo porque, conforme Resolução nº 642/2019 do STF, qualquer ministro, a qualquer momento, poderá formular pedido de destaque, com o encerramento imediato do julgamento virtual. Por outro lado, o pedido das partes só poderá ser formulado em até 48 horas antes do início da sessão.

Em outras palavras, se verificado fato relevante no decorrer do julgamento, a ponto de ser necessária a sua interrupção para que a definição se dê em ambiente presencial após os devidos esclarecimentos, os patronos nem mesmo poderão formular requerimento nesse sentido, o que torna o pedido de destaque menos vantajoso para as partes.

Em matéria tributária, foco do presente artigo, há duas situações concretas que podem ser apontadas como exemplos. No julgamento do RE 1072485, no qual se analisou, em repercussão geral, a natureza jurídica do terço constitucional de férias para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal, em que houve derrota do contribuinte, foi formulado pedido de destaque por parte interessada, indeferido justamente por não ter sido formulado em até 48 horas antes do início do julgamento.

Por sua vez, no decorrer do julgamento do RE 603624, também com repercussão geral reconhecida, no qual se considerou constitucional a incidência da contribuição destinada ao Sebrae sobre a folha de salários após o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001, o julgamento virtual iniciado em 7/8/2020 fora paralisado em razão de pedido de destaque formulado pelo ministro Gilmar Mendes, tendo sido julgado presencialmente em 23/9/2020.

Consoante informação extraída do site do STF, até o início de outubro de 2020 julgou-se o mérito de 110 recursos extraordinários com repercussão geral (não só em matéria tributária), 78 a mais do que no ano inteiro de 2019, quando foi julgado o mérito de 32 processos, o que representa crescimento de 243%.

Especificamente em matéria tributária, até o início de outubro de 2020, foram julgados ao menos 44 recursos extraordinários com repercussão geral. Desses recursos julgados, merece destaque, entre outros, a derrota do contribuinte — embora ainda sem trânsito em julgado — quanto aos seguintes temas: 1) constitucionalidade da incidência do ISS sobre contratos de franquia (RE 603136); 2) constitucionalidade do IPI na saída do estabelecimento importador mesmo sem industrialização (RE 946648); 3) constitucionalidade da incidência da Contribuições Previdenciária Patronal sobre o terço de férias (RE 1072485); 4) constitucionalidade da incidência do Sebrae sobre a folha de salários na vigência da Emenda Constitucional nº 33/2001 (RE 603624); e 5) constitucionalidade do condicionamento do desembaraço aduaneiro de mercadoria importada ao pagamento de diferença de tributo e multa decorrente de arbitramento implementado pela autoridade fiscal (RE 1090591).

Parte das teses fixadas representa reviravolta jurisprudencial quanto à posição até então consolidada da jurisprudência a favor do contribuinte (RE 1072485) e se opõe ao entendimento já firmado à unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal também em repercussão geral (RE 603624) e, ainda, à súmula daquela corte (RE 1090591).

Por outro lado, o STF se absteve de julgar os embargos de declaração opostos no RE 574706, no qual busca a União a modulação dos efeitos do acórdão que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins e a definição do critério de exclusão do imposto das contribuições.

Nota-se, pois, no decorrer da pandemia crescimento exponencial de julgamentos de recursos extraordinários com repercussão geral em ambiente virtual sem a indispensável dialética entre advogados e ministros e entre os próprios ministros (e sem a possibilidade de pedido de destaque no decorrer do julgamento pelas partes), expedientes estes que poderiam elucidar pontos relevantes e controvertidos para resolução dessas demandas.

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