Reflexões Trabalhistas

O valor do tempo no contrato de trabalho

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16 de outubro de 2020, 8h02

Tema de extrema relevância no cumprimento das obrigações do contrato de trabalho é o tempo pelo qual o empregado se comprometeu a entregá-lo para o empregador e a forma pela qual ele é utilizado na geração da prestação de serviços ou entrega de produtos. O tempo no contrato de trabalho é o medidor do salário, independentemente da forma de sua valorização, produtividade, comissão, tarefa, exemplificativamente, todas envolvem o tempo, razão pela qual, talvez, tenha se perdido na máxima de que "tempo é dinheiro" para quem o utiliza para si mesmo ou para outros que, atualmente, dele se apropriam por meio das redes sociais.

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Os conflitos trabalhistas, usualmente, contemplam pedidos de tempo não pago pelo empregador e dispensado além do que fora contratado e, por ficção jurídica, admite-se a devolução do tempo por meio de compensação ou banco de horas. De fato, o tempo não retorna porque já foi dispendido, mas pode ser reparado por meio de pagamento ou descanso físico.

A legislação trabalhista, a despeito de uniformizar práticas das empresas (preocupação no final da I Guerra Mundial, 1919), com a finalidade de estabelecer limites na disponibilidade do tempo de execução das tarefas contratadas, criou travas que interferem diretamente na liberdade de sua utilização, tanto para o empregado como para o empregador. Assim, o limite de tempo de horas diárias, semanais, mensais ou anuais se submete a controles materiais e que comprovariam a adequação do salário contratado e o tempo de uso da força de trabalho.

Parece que quanto mais se regulam os meios de controle, maior o volume de discussão de frações de tempo não pagas. A jurisprudência trabalhista foi se formando e se consolidando de modo a homenagear o princípio protetor na relação de emprego tais como as Súmulas 85, 338 e OJ 233 da SDI-1 do TST, apenas para citar algumas.

Desse modo, a presunção de tempo trabalhado e não pago prevalece diante da dificuldade que o dono do tempo (o empregado) teria para provar sua utilização no contrato se não observadas todas as exigências de natureza administrativa.

Ainda assim, poderia o empregado demonstrar a fragilidade dos documentos e beneficiar-se de reparação do tempo não remunerado.

No sítio do TST, nesta quinta-feira (15/10), foi publicada notícia no sentido de que o tempo não pode ser medido por média praticada e que tempo de jornada declarada pelo trabalhador tem presunção de verdade contra a ausência de prova material pelo empregador. Trata-se de decisão da 4ª Turma, em relatoria do ministro Caputo Bastos (RR-1000373-26.2015.5.02.0319), que refutou a aplicação de jornada por amostragem quando ausentes os controles de ponto indicando o tempo efetivamente entregue.

O acórdão reformou decisão do tribunal regional que estendeu a prática para os períodos em que estavam ausentes ou ilegíveis os documentos.

A decisão adquire relevância excepcional quando se considera que o tempo de trabalho dispendido não se presume verdadeiro a partir de quem paga, e, sim, a partir de quem vende, isto é, o trabalhador, desaconselhando a projeção de informações para suprir lacunas ou o uso de expressões que desprestigiem o tempo de trabalho.

O professor Pedro Paulo Manus, em coluna publicada na última semana, com a singularidade objetiva de sempre, abordou o tema envolvendo o controle de tempo de trabalho externo que a lei exclui do Capítulo da Jornada de Trabalho, artigo 62, CLT ("Avanço tecnológico, direito a horas extras e trabalho externo"), e conclui que o avanço tecnológico não é excludente do direito ao tempo controlado (horas extras) e que venha a exceder o previsto em contrato ou em lei.

No acórdão citado afirma o relator que:

"A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o contido na Súmula nº 338, I, também é aplicável quando há juntada parcial aos autos dos controles de frequência, hipótese em que se presume verdadeira a jornada apontada na inicial em relação ao período não coberto pelo registro de jornada apresentado, presunção essa que é relativa (iuris tantum), podendo ser elidida por prova em contrário.
Dessa forma, nas hipóteses em que são apresentados registros de ponto de apenas parte do período do contrato de trabalho do empregado, para fins de apuração da jornada extraordinária, não se pode acolher a pretensão de fixação da média da jornada de trabalho, com base nos cartões apresentados, para o período em que faltaram os cartões".

Prevaleceu, assim, entendimento uniformizado na Súmula 338, I, da corte superior no sentido de que "é ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do artigo 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário".

Em palavras outras, ainda no Direito do Trabalho o fato prevalece sobre a forma e a presunção deve ser acolhida em relação ao empregado diante de ausência de prova que afaste de forma inexorável a pretensão de reparação da apropriação do tempo.

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