Opinião

Reforma tributária, um possível prejuízo para a Advocacia

Autor

  • Luiz Antonio Sampaio Gouveia

    é advogado sócio de Sampaio Gouveia Advogados Associados conselheiro do IASP e do Con-sea/FIESP mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP especialista em Administração Contábil e Financeira pela Escola de Administração de Empresas da FGV especialista em Direito Penal Econômico pela GVlaw e ex-conselheiro da OAB-SP e da AASP.

16 de outubro de 2020, 7h11

A Advocacia (sim, com a letra A maiúscula porque instituição constitucional) parece-me adormecida em berço esplêndido, silente quanto às questões institucionais que impulsionaram as gestões de nossos presidentes federais da OAB, como Márcio, Mário Sérgio e Batochio. Um dos pontos em que silenciam muitos dos presidentes seccionais da OAB está em relação às propostas de reforma tributária em curso no Congresso Nacional. Seja em ordem ao projeto de lei do governo federal que cria a CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços), em substituição ao PIS e à Cofins, com alíquota futura e superior a ambos, na ordem de 12%. Seja no que diz respeito às propostas de emendas constitucionais números 45/2019 (inspirada pelo economista Bernard Appy) e 110/2019 (de iniciativa do deputado federal Luiz Carlos Hauly), que tramitam no Congresso Nacional, para instituir o IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços), em substituição ao ISS, ao ICMS, ao IPI e ao PIS à Cofins, com alíquota de 27%.

Descobriram os agentes arrecadadores que as receitas tributárias podem ser aumentadas, arrecadando mais dos prestadores de serviços, subjetiva e objetivamente, já que a produção nacional se distribui em 15% com origem na produção industrial, 25% advindos do agronegócio e 60% como contribuição da área de serviços. Como o Estado é um paquiderme que se alimenta incessantemente de tributos, os prestadores de serviços (profissionais liberais e outros, como hospitais e instituições de ensino) podem ser as próximas vítimas da sanha fiscal. Muito embora, e por consequência, toda a cadeia produtiva nacional venha a ser afetada porque os prestadores de serviços atuam em favor de toda a produção brasileira e, por isso, tendem, se mais onerados, a repassar o custo tributário de seus serviços a toda sua clientela, que nada mais é do que toda a nossa escala produtora de bens.

Em que pese, no Brasil, estarmos atrasados relativamente a um imposto de valor agregado e divorciados da melhor ciência tributária, quanto à moderna arrecadação de receitas cibernéticas, esses projetos, muito pior ainda, vêm à baila sem nenhuma simulação estatística, afora mudanças inconstitucionais que vão parfernalizar muito mais a Constituição.

No que tange à Advocacia, notadamente nós, que nos organizamos como firmas, vamos pagar caro por esse elevado tributo. Pode haver uma desestruturação de nossos escritórios pelo novo regime fiscal, mal chamado por reforma.

O mentor da proposta de reforma tributária (PEC 45/2019, prestes a ser aprovada na Câmara, por um acordo com o governo Bolsonaro, que desistiria da CPMF para aprová-la, em troca de outras concessões da Câmara), é Bernard Appy — cujo patriotismo e boas intenções não se discutem —, parte de certo desconhecimento para justificar a reforma tributária relativamente à Advocacia e aos prestadores de serviços em geral.

Como Appy diz na imprensa: "Vamos supor que o primeiro (um empregado CLT) recebe R$ 6 mil e o segundo (o advogado, como já foi dito por ele em um artigo na Folha de S.Paulo) preste serviços no valor de R$ 50 mil. Enquanto a renda gerada pelo trabalhador formal é tributada em 58%, a renda gerada pelo profissional liberal paga 11,3% de imposto cinco vezes menos, sendo que ele ganha muito mais".

A partir daí, o ilustre economista conclui que o empregado (pessoa natural) é hipertributado. Concluindo que nós, advogados, e os demais liberais prestadores de serviços somos subtributados. Equivocando-se porque trata o sistema de tributação da sociedade empresária de Advocacia, em regime tributário pelo lucro presumido, como se fosse o de um advogado, pessoa física.

A verdade, contudo, é que nós, advogados, organizados em sociedades simples, ao pagarmos imposto, estamos sendo tributados como pessoas jurídicas e quem paga esse tributo são elas, que geram empregos, distribuem renda e despendem em materiais caríssimos (favorecendo a indústria de tecnologia avançada) e sobre o tudo que consumimos pagamos impostos indiretamente e, quando empregados de empresas ou de sociedades jurídicas ou do poder público, temos privilégios nenhuns e somos tributados como os empregados do exemplo do professor Appy.

É muito importante que as instituições da Advocacia se preocupem em conhecer e esclarecer pontos da reforma tributária, que tem tudo para se materializar em prejuízo de todos os prestadores de serviços, entre os quais podemos destacar hospitais e escolas, bem como profissionais liberais e todo o comércio prestador de serviços.

Ainda a proposta dessa reforma tributária tem a pretensão equívoca de que vai se implantar em dez anos, convivendo nesse período com o atual regime de tributação; vigerão, nesses dez anos, o IBS e todos os demais impostos que ele pretende substituir e, no campo de partição de receitas, entre entes da federação, será uma experiência a se definir em ato, nos próximos 50 anos. É crível? Não pode ser para quem conhece o Brasil. Isso será o que se chama instituir uma indústria de liminares, que não será nossa culpa se vingar, eis que são múltiplas as inconstitucionalidades desta PEC 45.  

O que mais preocupa é que a PEC 45/2019 pode ser aprovada na Câmara enquanto estamos submetidos a esta contingência sanitária, em que a discussão sobre seus dispositivos sequer foi objeto do crivo da sociedade civil e, por exemplo, a ver como tudo é precipitação, a nova lei do ISS, Lei Complementar 175/2020, nem mesmo está consolidada, sendo objeto de questionamento no STF. 

Fico com tributaristas como Everardo Maciel, que propugnam uma reforma tributária pontual e prudentemente executada, em tempo adequado, paulatina e calibrando o atual contexto tributário à evolução fiscal pós moderna e cibernética; ou como o professor Hamilton Dias de Souza, que visualiza centenares inconstitucionalidades nela. Para mim, tudo se assemelha a um Plano Collor no campo tributário, absolutamente radical. Apenas destruição do que existe e inconsequência quanto aos melhores resultados esperados.  

Espero que as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil despertem rápido para essa realidade e lembrem-se de que quem poupa as injustiças, às mãos lhes vem.

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