Opinião

Sobre a dignidade de magistrado

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16 de outubro de 2020, 17h10

As pessoas pensam com estereótipos que nascem da percepção social de imagem formatada por anos de repetição de atitudes que caracterizam, por exemplo, uma profissão.

No caso dos juízes de Direito, a experiência convida a se crer no comportamento discreto, na prudência ao falar, no comedimento no modo de viver, na maneira formal de tratar as pessoas. Acredita-se em alguém que ostenta a imparcialidade como norma de conduta.

Pode-se dizer que se almejam apenas magistrados justos, ou ciosos de serem justos, pouco importando o padrão de aparência e educação. De fato, existem juízes que se portam fora do que se imagina e nem por isso deixam de judicar de forma séria.

Na atualidade, preocupa a ideia de que existiria novo modelo de juiz de Direito, que poderia agir em nome de valores políticos, ideológicos, ou consoante algumas perspectivas acadêmicas mais radicais (v.g., o Direito Penal do inimigo). Esse funcionário público estaria, pelo contexto histórico ou social, autorizado a conferir dinâmicas próprias ao processo judicial, assim como teria a faculdade de alargar ou reduzir a aplicação da lei, em Direito Penal inclusive, em função do fim maior que autorreconhece na missão individual.

Estereótipos tendem a levar a equívocos de observação e permitem o emergir de preconceitos, daí incomodarem tanto aos mais jovens. Todavia, mostra-se inegável que a escolha da carreira de magistrado não autoriza o descompromisso com a legalidade, nem permite interpretação jurídica sem regras, muito menos a desconsideração ao espírito de neutralidade, intrínseco ao ideal de Justiça. Na jurisdição, também se pode criar em matéria jurídica desde que a lógica da criação se compreenda em razão e métodos rígidos, bem explicitados na decisão judicial, na sentença ou no acórdão de juiz imparcial.

O leitor pode, a esta altura, especular que quem escreve está se tornando obsoleto por descrer em novas tendências da magistratura. No íntimo, melhor confessar que o advogado carrega estigmas de quem vê injustiças.   

Essas cicatrizes aumentaram com essa onda do "combate" à corrupção a qualquer custo, a qual fez surgir a mimetização de personagens italianos, como Antonio Di Pietro. Por erronia na tradução, confundiram-se promotores públicos peninsulares com juízes de Direito no Brasil, o que contribuiu para modelo ativista de magistrado.

Infelizmente, esse descomedimento de alguns poucos recebeu apoio da mídia e incentivo de alguns ministros de altas cortes, comprometidos com o viés político da magistratura, que a aproxima em demasia dos acusadores públicos. Por óbvio, parcela desse encontro de interesses advém do projeto de exibir pessoas, como heroínas, para apaziguar a descrença da opinião pública quanto ao Estado brasileiro.

Nasceu, pois, compromisso com o tal "combate", não com a verdade. Ora, esses magistrados perderam a compostura em audiências e julgamentos, em virtude dos discursos de emergência destinados a inflamarem os incultos. Ora, fizeram artimanhas procedimentais, sob o pretexto de que a lei não funcionaria mais, seria antiquada frente à macro criminalidade. Todavia, sempre quiseram pôr de lado a Constituição, a visão correta de o processo penal servir à proteção jurídica do indivíduo, a advocacia como essencial à administração da Justiça.

Em verdade, esse sebastianismo da magistratura que se vivenciou no passado recente deve desaparecer. Com o sumiço do rei D. Sebastião em Alcácer-Quibir, viu-se o surgimento do mito, mas se padeceu com a perda da independência da coroa portuguesa. Com a hipnose das operações policiais de espetáculo, inventaram-se fábulas e crenças, porém, devem-se aguardar muitas ações judiciais em face da União pelos erros judiciários que foram causados no âmbito da Justiça Federal.

Esse pragmatismo penal que popularizou alguns poucos exige do Judiciário maturidade. O país quer juízes de Direito que expressem equilíbrio, tal como sugere o símbolo da deusa Diké, não oportunistas da história.   

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