Direto do Carf

Carf analisa operações com uso de Fundo de Investimento em Participação (FIP)

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

14 de outubro de 2020, 9h18

Spacca
Nesta semana, trataremos das decisões do Carf acerca da tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ou pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) em casos que envolveram um fundo de investimento em participação (FIP).

Os primeiros agrupamentos para realização de investimentos coletivos no Brasil se davam sob a forma jurídica de sociedades de investimento, conforme apontam os estudos de Oscar Barreto Filho1 e Peter Walter Ashton2.

Todavia, Ricardo de Santos Freitas assinala que a disciplina jurídica atual dos fundos de investimento se fundamenta nos artigos 49 e 50 da Lei n. 4.278/65, que os qualificam como um condomínio cujo objetivo é a aplicação em títulos e valores mobiliários3.

Assim, vale notar que o fundo de investimento é um condomínio, não possuindo personalidade jurídica, embora deva possuir registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e escrituração contábil própria, que seguirá as regras do Cosif4.

Com relação à tributação dos fundos de investimento, cumpre ressaltar que há isenção do imposto de renda para todos os rendimentos e ganhos de capital auferidos pelos fundos nas operações com títulos, valores mobiliários e aplicações financeiras que compõem a sua carteira.

Elidie Bifano aponta a importância da classificação dos fundos em de renda fixa e de renda variável com base no percentual de ações em suas carteiras, dado que há consequências tributárias distintas, tal como os eventuais ganhos líquidos no mercado variável serem tributados como ganhos a título de valorização da quota dos fundos de renda fixa e não como ganhos líquidos5.

Conforme bem resumido por Rodrigo Pará Diniz, os rendimentos auferidos pelos quotistas dos fundos de investimento são geralmente tributados pelo imposto de renda, de acordo com as alíquotas regressivas em função do período das aplicações e dos ativos componentes das carteiras, no momento do resgate das respectivas quotas ou do encerramento dos fundos, no entanto, há o regime de “come-quotas” aplicável aos fundos de renda fixa e multimercado, pelo qual ocorre uma tributação nos meses de maio e novembro pelo imposto de renda sobre a valorização das quotas detidas pelos quotistas do fundo independentemente de seu resgate6.

No que tange especificamente ao FIP, este foi regulamentado inicialmente pela Instrução CVM n. 391/03, que dispôs sobre constituição, a administração e funcionamento. Atualmente, os FIPs são regulamentados pela Instrução CVM n. 578/16.

Dessa forma, segundo a referida norma, um FIP é uma comunhão de recursos, constituída sob a forma de condomínio fechado, destinada à aquisição de ações, bônus de subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, bem como títulos e valores mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas, que deve participar do processo decisório da sociedade investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão.

No tocante à tributação do FIP, Rodrigo Pará Diniz assinala que ela se equipara àquela aplicável aos fundos de investimento em ações, isto é, o imposto de renda incidirá no resgate ou amortização das quotas à alíquota de 15%7.

Como se observa, não há tributação “come-quotas” no FIP, embora já tenha havido tentativas de inclusão de tal regime para os FIPs na Medida Provisória n. 806/17 e nos Projetos de Lei n. 336/18 (do Senado) e 10.638/18 (da Câmara dos Deputados).

No âmbito dos autos de infração lavrados pela Receita Federal do Brasil, destacam-se aqueles relacionados com o uso do FIP como ferramenta para planejamento sucessório ou patrimonial.

Nesse sentido, foi editado o Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 7/07, que versa sobre a conferência de participações societárias a um FIP. Nos termos do referido ato normativo, o imposto de renda devido sobre o ganho de capital apurado na integralização de cotas de fundos de investimentos por meio da entrega de títulos ou valores mobiliários deve ser pago até o último dia útil do mês subsequente à data da integralização à alíquota de 15%, sendo que o ganho será calculado por meio da diferença positiva entre o valor de mercado dos títulos ou valores mobiliários alienados, na data da integralização das cotas, e o respectivo custo de aquisição.

Por fim, no referido ato normativo, consta que a Receita Federal do Brasil, poderá arbitrar o valor ou preço informado pelo contribuinte, sempre que este não mereça fé, por ser notoriamente diferente do de mercado.

Feitas as principais considerações sobre o regime tributário dos FIPs, analisaremos os precedentes do Carf sobre o tema, sendo que é possível encontrar julgados tanto na 2ª Seção do Carf quanto na 1ª Seção do Carf.

Com relação aos precedentes da 2ª Seção, destaque-se que nos Acórdãos 2202-004.793 e 2202-004.794 (de 12/09/18), negou-se provimento, por unanimidade, aos recursos de ofício.

A fiscalização havia lavrado os autos de infração sob a justificativa que haveria um planejamento tributário abusivo e sem propósito negocial no uso de um FIP em uma operação de reorganização societária cujo resultado seria a alienação do investimento originalmente detido pelas pessoas físicas.

A DRJ julgou a impugnação do contribuinte procedente, exonerando os créditos tributários constituídos. Para tanto, foi entendido que a alíquota de 15% aplicável ao ganho de capital de quotas de FIP induz ao seu uso para implementação de operações complexas; o contribuinte poderia fazer os investimentos em seu próprio nome, mas não haveria óbice à utilização de FIP; a reorganização societária antecedeu o negócio jurídico de alienação da empresa; houve prazo razoável de 8 meses entre o início e o fim das operações; e as partes envolvidas são independentes.

No voto do relator dos Acórdãos do Carf, consta que não há como questionar a relevância ou necessidade da reorganização societária antes da alienação da sociedade operacional, de forma que tampouco haveria que se falar em simulação ou ausência de propósito negocial. Também foi citado que o uso de um FIP foi exigência do adquirente das sociedades operacionais naquele caso concreto.

Nos Acórdãos 2301-005.929, 2301-005.930, 2301-005.931, 2301-005.932, 2301-005.933, 2301-005.934 (de 14/03/19), decidiu-se, por maioria de votos, pela abusividade na constituição do FIP, visto que este deveria ser constituído para investimentos novos e não para a gestão profissional de investimentos existentes, de modo que foram mantidos os créditos tributários lançados de imposto de renda sobre o ganho de capital das pessoas físicas que haviam constituído o FIP.

Nos referidos casos, houve a constituição de um FIP em que as pessoas físicas integralizaram ações de sociedade holding que detinham anteriormente. Após a integralização, a sociedade holding foi extinta, ao passo que as quotas do FIP foram integralizadas em um fundo de investimento multimercado.

A fiscalização entendeu que todas estas operações societárias foram feitas concomitantemente à venda da sociedade operacional controlada pela sociedade holding anteriormente citada, ao passo que elas não tiveram outro propósito negocial que não fosse a diminuição da carga tributária devida, por meio da alteração do sujeito passivo da obrigação tributária.

Assim, na visão das autoridades fiscais, a criação do FIP teve por objetivo o não pagamento do ganho de capital da venda da sociedade operacional, de forma que a isenção do imposto de renda nos rendimentos do FIP foi utilizada de forma abusiva.

No voto, a conselheira relatora entendeu que não houve no decorrer do processo administrativo a comprovação clara do motivo e finalidade negocial das operações societárias, sendo que o curto lapso temporal das operações demonstraria que a alienação da sociedade operacional já estava ajustada. Ainda entendeu que os fatos formalizados juridicamente não pareceriam corresponder à realidade econômica, o que configuraria uma simulação, de modo que estar-se-ia diante de um planejamento tributário abusivo, justificando-se a aplicação de multa qualificada.

As mesmas operações também foram analisadas no Acórdão 2401-006.611 (de 05/06/19), em que também se decidiu, mas desta vez por voto de qualidade, pela falta de propósito negocial na constituição do FIP, o que implicou a tributação das pessoas físicas.

No voto do relator, constou como argumento para comprovar a ausência de propósito negocial que a tomada de decisões se deu segundo a ata da Assembleia Geral pelo maior cotista do fundo, o que afastaria a ideia de que o FIP foi criado para uma maior governança e profissionalização, visando a sucessão do controle do grupo empresarial.

Mais uma vez, foi levantado o ponto de que o FIP não foi constituído para novos investimentos, mas para a continuidade de um investimento antigo, de forma que o argumento utilizado pelo contribuinte de uso do FIP para planejamento patrimonial e sucessório não logrou êxito.

Na seara dos precedentes da 1ª Seção, nota-se também que há controvérsias sobre o uso de FIP para planejamento sucessório.

No Acórdão 1201-001.640 (de 11/04/17), decidiu-se, por unanimidade, por negar provimento ao Recurso Voluntário.

No referido caso, entendeu-se que a integralização de quotas de uma sociedade holding na constituição de um FIP, com posterior incorporação de ações da sociedade investida e apuração do ganho de capital de tal operação no FIP, configuraria ato simulado, o que ensejaria a aplicação de multa qualificada.

A ausência de propósito negocial do FIP foi ressaltada no voto vencedor, sendo que o ato foi considerado simulado pela falta de recursos novos pelo FIP, pelas operações terem ocorridos em datas próximas e o fato de que o FIP possui uma única investidora.

Por fim, cumpre destacar que foi afastada a responsabilidade solidária do gestor do FIP, visto que as suas atividades aparentemente se resumiram ao cumprimento de formalidades inerentes ao FIP.

No Acórdão 1201-002.278 (de 15/06/18), foi dado provimento ao Recurso Voluntário por maioria. Nessa linha, foi considerada válida a integralização em FIP em razão de planejamento sucessório antes de efetuada a alienação do investimento.

No voto vencedor, o conselheiro cita ainda que há até uma indução ao uso de um FIP por meio de uma tributação privilegiada, bem como ressalta que a simples alegação de ausência de propósito negocial não é suficiente para a desconsideração da alienação do investimento pelo FIP e a consideração de que ela ocorreu na pessoa jurídica.

Diante das controvérsias nos resultados dos julgamentos das turmas ordinárias, houve interposição de Recurso Especial na Câmara Superior ao Acórdão 1201-001.640, o que culminou na prolação do Acórdão 9101-004.382 (de 10/09/19), em que se decidiu, por voto de qualidade, pela manutenção do auto de infração no que tange à ausência de propósito negocial do FIP e à multa qualificada.

No voto vencedor, a redatora designada assinala que o FIP não foi o alienante da participação societária, sendo que ele foi criado quando a aquisição da participação já havia sido anunciada. Assim, o FIP teria sido criado para servir à reorganização societária no que toca aos seus efeitos tributários e não para viabilizá-la.

À guisa de conclusão, nota-se que há casos favoráveis e desfavoráveis ao contribuinte tanto na 1ª quanto na 2ª Seção do Carf, embora haja quantitativamente mais precedentes desfavoráveis no sentido de que o uso do FIP para uma reestruturação societária interna foi considerado planejamento tributário abusivo e sem propósito negocial quando tal reorganização teve por objetivo a alienação das sociedades operacionais do grupo empresarial, sobretudo quando havia alguma comprovação de que a operação de alienação já estava feita ou estava adiantada.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


1 BARRETO FILHO, Oscar. Regime Jurídico das Sociedades de Investimento. São Paulo: Max Limonad, 1956.

2 ASHTON, Peter Walter. Companhias de Investimentos. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1963.

3 FREITAS, Ricardo de Santos. Natureza Jurídica dos Fundos de Investimento. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 268.

4 LIMA, Iran Siqueira; LISBOA, Lázaro Plácido; LOPES, Alexsandro Broedel; ANTUNES, Maria Thereza Pompa; EL HAJJ, Zaina Said. Fundos de Investimentos: Aspectos Operacionais e Contábeis. São Paulo: Atlas, 2004.

5 BIFANO, Elidie Palma. O Mercado Financeiro e o Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 301-302.

6 DINIZ, Rodrigo Madureira Pará. Fundos de Investimento no Direito Brasileiro. São Paulo: Almedina,2014. p. 30-31.

7 DINIZ, Rodrigo Madureira Pará. Fundos de Investimento no Direito Brasileiro. São Paulo: Almedina,2014. p. 58-59.

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    é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Comercial pela USP. Professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e coordenador do MBA IFRS da Fipecafi.

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