Opinião

Recuperação judicial pode ser solução para a crise dos clubes de futebol

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13 de outubro de 2020, 21h57

Mesmo não sendo novidade que os clubes de futebol enfrentam sérias dificuldades econômico-financeiras, a delicada situação de alguns clubes brasileiros tradicionais — que ostentam um alto valor de passivo acumulado — vem incitando debates sobre possíveis formas de salvar a atividade do futebol no país, que vem sendo maltratada por décadas de má gestão.

Hoje, os clubes atuam, em sua grande maioria, por meio de associações sem fins lucrativos, que, nos termos da Lei de Recuperação de Empresas e Falências  (Lei nº 11.101/2005), não podem se valer da recuperação judicial para reestruturar suas dívidas e, com isso, superar uma crise pontual.

A lei de regência é clara ao dispor que apenas os empresários ou as sociedades empresárias regulares são legitimados para se socorrer ao remédio da recuperação judicial. Assim, para que os clubes de futebol, que giram sob a roupagem de associações civis, possam se valer dos benefícios trazidos pelo procedimento concursal, faz-se necessária a migração para o regime empresarial e o exercício de suas atividades por meio da estrutura empresarial pelo prazo mínimo de dois anos.

Em que pese existam precedentes no sentido de permitir que associações civis sem fins lucrativos se utilizem da recuperação judicial para reestruturar suas dívidas — como nos casos da Casa de Portugal e da Universidade Cândido Mendes —, certo é que esse entendimento discorda da lei em vigor.

Da mesma forma, a recuperação judicial para clubes de futebol instituídos sob a forma de associações civis pode ser pouco efetiva na prática, pois esse regime carece de uma estrutura empresarial organizada, com limitação da responsabilidade dos associados, consolidação do capital social, arranjo societário ordenado e administração empresarial, o que pode resultar em dificuldades ao longo de um processo criado para sociedades empresárias.

Todavia, por serem os clubes de futebol entes econômicos que prestam serviços inestimáveis para a sociedade, acredita-se que a lei deveria permitir que essas entidades se valessem da recuperação judicial para se soerguer em momentos de dificuldades, os quais são inerentes à atividade econômica exercida.

Isso porque a recuperação judicial consiste em importante instrumento de superação de crise, que viabiliza uma solução global mediante o alinhamento de credores e a suspensão de execuções durante certo período, o que tende a resolver problemas de liquidez e facilitar negociações em prol de soluções profundas e duradouras.

O procedimento concursal ainda tem o condão de fornecer soluções para problemas de gestão, o que aproxima o beneficiário de respostas às disfunções estruturais e operacionais, que hoje são realidade na vida dos clubes de futebol.

Além disso, ao impedir a execução desordenada, a recuperação judicial evita que o clube tenha seu patrimônio desfalcado em razão da constrição de ativos, o que permite a este atuar em linha com seu planejamento financeiro, com vistas à redução do endividamento e preservação da atividade.

Diante do caráter coletivo da negociação concursal, em que o interesse da maioria dos credores irá prevalecer, há mais inclinação destes em relação à negociação e flexibilização de obrigações do devedor, na medida em que os credores, via de regra, perdem a expectativa de recebimento integral de seus créditos e passam a usar como parâmetro, o ideal de satisfação do crédito em caso de liquidação. 

Diante do fato de que a maior parte dos clubes de futebol amarga considerável passivo fiscal, certo é que a classificação dos créditos na falência também faz com que os credores fiquem mais tendenciosos à negociar, tendo em conta que em caso de liquidação, os créditos tributários são pagos com preferência a todos os demais, com exceção aos créditos derivados da legislação do trabalho e aos créditos com garantia real, respeitados os limites legais.

Ainda que o crédito fiscal não se sujeite aos efeitos da recuperação, atualmente há determinação de suspensão dos atos constritivos provenientes de execuções fiscais movidas em face de empresas em regime de recuperação judicial, em decorrência da afetação do tema ao rito dos recursos repetitivos, o que garante proteção para os devedores.

Não se nega, portanto, que, superado o problema da legitimidade, a recuperação judicial pode ser um instrumento importante para a superação de crises que afligem os clubes de futebol no Brasil, capaz de salvar atividades cujo valor não está apenas atrelado a questões econômicas mas, também, à grande paixão nacional em relação ao futebol.

Nesse sentido, está em trâmite no Senado Federal o Projeto de Lei nº 5082/2016 — marco regulador do chamado "clube-empresa" — que visa a instituir a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), entidade que seria legitimada a se socorrer da recuperação judicial em momentos de crise.

A SAF oferece aos clubes de futebol aspectos societários em relação à sua governança e gestão, o que certamente contribui para o resgate e proteção do esporte mais popular do país, alçando-o à condição de bem econômico e possibilitando, através da recuperação judicial, sua salvação e desenvolvimento.

Assim, seja pelas barreiras que uma associação civil tem de enfrentar em um processo de recuperação judicial em razão de sua estrutura organizacional, seja pelo acolhimento que a legislação pátria deve dar aos clubes de futebol em dificuldade, imprescindível a criação de mecanismos que possibilitem àqueles que exploram a atividade do futebol se socorrer de ferramentas efetivas no combate à crise, entre as quais se destaca a recuperação judicial.

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