Para ficar

A videoconferência trouxe uma solução ao Judiciário, diz corregedor do TJ-SP

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11 de outubro de 2020, 8h22

Citações e intimações virtuais e audiências de réus presos por videoconferência. Para o corregedor-geral da Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Anafe, essas são as principais medidas adotadas em razão da Covid e que serão mantidas após o fim das restrições sanitárias. Para ele, a videoconferência trouxe uma solução, e não um problema ao Judiciário paulista. "O avanço tecnológico tem que ser aproveitado da melhor forma possível", afirmou.

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Segundo o corregedor, as citações e intimações de réus presos serão mantidas 100% em ambiente virtual. Nesse modelo, os documentos são enviados por e-mail, impressos na unidade prisional e entregues ao preso, com a formalização do ato por meio de videoconferência. Além disso, haverá uma mescla entre audiências presenciais e por videoconferência com réus presos: "O juiz terá liberdade para definir a forma da audiência. A Corregedoria vai disponibilizar os instrumentos necessários".

Anafe também apontou inúmeros benefícios das audiências por videoconferência e diz acreditar que o modelo foi bem recebido pelos magistrados. "Com a videoconferência, diminui o risco dentro do fórum e beneficia a sociedade, e também se gasta menos, podendo direcionar esses valores para outras áreas. Além disso, as audiências acontecem exatamente na hora marcada", completou.

Em entrevista à ConJur, Anafe falou sobre o trabalho da Corregedoria para instrumentalizar e orientar os juízes de primeira instância no período da pandemia. Foram editados inúmeros provimentos e comunicados desde março. O resultado, na visão do corregedor, tem sido muito positivo. "A produtividade está batendo recordes em São Paulo. Ou seja, os juízes estão se dedicando. Eles estão sensíveis a esse problema da pandemia. O tribunal tem se saído muito bem", afirmou.

Leia a entrevista:

Conjur — Quais foram as principais ações adotadas pela Corregedoria desde o início da pandemia?
Ricardo Anafe — A Corregedoria tem atuado direto desde o início da pandemia, porque trabalha perante a primeira instância e os cartórios extrajudiciais, que são o maior volume de movimentação processual do tribunal. Ou seja, tudo foi regulado pela Corregedoria: a normatização do sistema de teleaudiência, os e-mails especiais para contato direto do advogado com o juiz, entre outros. São diversos provimentos e comunicados. Toda atividade da primeira instância e do extrajudicial foi regulada pela Corregedoria — até menos detalhes no extrajudicial, porque muita coisa foi disciplinada nas resoluções do CNJ. Mas a disciplina de São Paulo é própria, muito particular. São muitas unidades:1.545 judiciais e 1.527 extrajudiciais. Nas extrajudiciais, tivemos cerca de 200 vacâncias no curso da pandemia, mas houve a colocação de interventor em todas essas unidades. A Corregedoria tem trabalhado muito. Agora, as coisas estão relativamente estabilizadas e as adequações, hoje, são poucas.

ConJur — Como está a retomada dos atendimentos presenciais nos fóruns do estado?
Anafe   As comarcas do interior não têm grande problema. Os problemas são mais na capital. O primeiro susto foi em relação ao protocolo. Por cautela, antecipamos a abertura do protocolo em uma semana, com trabalho exclusivamente interno. Essa antecipação evitou aglomeração entre quem ia nas varas, nos cartórios e quem ia se dirigir exclusivamente ao protocolo. E ainda há a possibilidade de o processo físico ser digitalizado pela unidade judiciária às dispensas do tribunal. Foi uma forma de se garantir a segurança de todos. Diminuímos o fluxo de pessoas circulando nos fóruns.

ConJur — Como a Corregedoria lidou com o retorno dos julgamentos presenciais do Tribunal do Júri?
Anafe — Tivemos reclamações dos juízes, da Ordem dos Advogados, de promotores, de defensores. Mas, hoje, o que se vê, na grande maioria, são elogios, porque o modelo funciona bem. Conversei com uma juíza do júri de Guarulhos e ela me relatou que fez um grande, com três réus, cada um em um CDP diferente. E foi audiência de ponta a ponta em videoconferência com os réus. Com contato direto, dois defensores comum dos réus, isso foi estabelecido na videoconferência para se garantir totalmente o devido processo legal nos termos de incomunicabilidade das testemunhas. Hoje, não há problema nenhum. E tem outra: o júri é um espaço muito grande, o que permitiu uma adequação de isolamento muito boa pelo distanciamento. Não há mais sete jurados apertados. Eles estão espalhados no tribunal, de uma forma que tanto o defensor quanto o promotor continuem olhando para um lado só. A videoconferência trouxe uma solução e não um problema.

Conjur — A videoconferência, então, veio para ficar no Judiciário? Em que áreas?
Anafe   Veio para ficar. Em especial, na área criminal. Hoje há, por exemplo, o trabalho 100% remoto de citação e intimação de réus presos. Foi regulamentado pela Corregedoria com apoio da Secretaria de Administração Penitenciária. Todas as intimações e citações são remotas e são apenas formalizadas na videoconferência com os presos. Todos os documentos, os mandados, saem via e-mail, são impressos na unidade penitenciária e entregues ao preso. Isso será 100% mantido após a pandemia. Assim, garante-se, em primeiro lugar, maior agilidade. Garante-se também segurança em relação à entrada e saída dos presídios. E garantir segurança no presídio é garantir segurança para a sociedade. E o dispêndio financeiro é infinitamente menor, porque não há deslocamento. Tem ato da Corregedoria da impossibilidade de cobrança de deslocamento. As audiências de réus presos também serão mantidas, na medida do possível, em videoconferência. O avanço tecnológico tem que ser aproveitado da melhor forma possível.

ConJur — Então, é deixar o trabalho da primeira instância o mais virtual possível?
Anafe   É para manter a videoconferência. No caso de réu preso, tem mil vantagens. A primeira, é o deslocamento da penitenciária até o fórum. Há deslocamento de policiais militares junto com agentes penitenciários, que tem um custo ao estado, que é, segundo o governador, de R$ 77 milhões ao ano. E, toda vez que há deslocamento, há risco de fuga. Com a videoconferência, diminui o risco dentro do fórum e beneficia a sociedade, e também se gasta menos, podendo direcionar esses valores para outras áreas. Além disso, as audiências acontecem exatamente na hora marcada. Quem já foi em audiência no criminal, às vezes espera muito tempo. Mas, na teleaudiência, a hora é marcada e o juiz pode agendar melhor. Sem sombra de dúvida, facilita para todo mundo.

ConJur — Nos juizados especiais, também foram adotados atendimentos virtuais para os cidadãos sem advogado. Como isso funcionou?
Anafe   Ali é um pouco mais difícil, porque muitas pessoas que procuram o juizado especial não têm equipamentos de informática hábeis a fazer uso. Foi disponibilizado, então, um Whatsapp só para marcar os atendimentos. As primeiras iniciativas foram dos juízes, não da Corregedoria, porque eles viram a necessidade de seguir com os atendimentos mesmo na pandemia.

Conjur — Os juizados foram criados com intuito de serem mais rápidos, mas, hoje, estão com uma carga processual enorme. Como está a situação dos juizados no estado? O que precisa ser melhorado?
Anafe   O juizado nasceu com o intuito de absorver as pequenas demandas e de ser uma facilidade ao cidadão. Mas a demanda é muito grande. Com o Código de Defesa do Consumidor, houve um aumento exponencial de ações. Para se acompanhar esse aumento exponencial, o orçamento do tribunal teria que ser duas, três vezes o que é hoje, sendo que, já há algum tempo, o plano é de gastar cada vez menos. O tribunal precisaria, em tese, de alguns juizados a mais, em alguns locais específicos, porque não são todos os juizados do estado que apresentam problemas. Seria importante ter mais servidores, até porque o funcionário tem de ouvir a parte e traduzir aquele reclamo para que possa ser entendido também pela parte contrária. Esse problema existe, mas os juizados, em termos gerais, vão bem. Em termos de produtividade, também vão bem. Os servidores e juízes têm sido extremamente dedicados. Mesmo havendo falta, o pessoal está cobrindo.

Conjur — Como resolver o problema histórico das execuções fiscais, um dos gargalos do Judiciário?
Anafe — Já conversei com o presidente [desembargador Geraldo Pinheiro Franco] e queremos levar a robótica a todos os anexos de execução fiscal. O problema é que a robótica custa dinheiro. Hoje, o sistema Sisbajud [que substituiu o Bacenjud] funciona muitíssimo bem, especialmente em relação ao arquivamento de processos. Esse é outro problema na execução fiscal e que está em todas as varas. Há um sistema de robótica para o arquivamento. Isso também seria essencial.

Conjur — Como esse sistema de robótica atuaria nas varas de execução fiscal?
Anafe   Se eu colocar os dados do processo, ele faz a pesquisa, efetua o bloqueio, e comunica. O trabalho de pesquisa, que, outrora, no sistema Bacenjud, era repetitivo e tinha que ser feito diariamente, agora, no sistema Sisbajud, não é mais necessário. O sistema faz a pesquisa uma vez, que vale por 30 dias.

Conjur — Que projetos a Corregedoria teve que deixar de lado temporariamente em razão da pandemia?
Anafe   O único programa era o levantamento das comarcas e onde tinha a necessidade imediata de correções. Havia duas ou três correções presenciais marcadas, que não foram realizadas pela pandemia. Acredito que a visão que se tem da Corregedoria é de "bicho papão", um órgão censório, que pune. Mas a função primordial da Corregedoria é orientar e instrumentalizar. Sob esse aspecto, é uma satisfação poder fazer isso nesse período de pandemia. Conseguimos dar instrumentos aos juízes para que eles trabalhassem com eficiência e produtividade. A Corregedoria tem também a função de fiscalização, mas o foco principal, de jeito nenhum, é a atividade censória. A atividade é de orientar, dar instrumentos e fiscalizar. Agora, nesse ínterim da fiscalização, se houver algo errado, dá-se início à atividade censória.

ConJur — O que senhor está projetando mais para frente, passando a pandemia?
Anafe — Ficarão as intimações e citações virtuais de réus presos, e as audiências com os réus presos no sistema de videoconferência ou sistema misto. Se o juiz achar que é essencial, poderá fazer a audiência de forma presencial. Ele tem plena liberdade para isso. A Corregedoria apenas dá os instrumentos necessários. Salvo em relação às intimações de réus presos, que serão feitas 100% por videoconferência, porque não há razão para deslocamento, salvo se houver uma pane elétrica na região, por exemplo. Acredito que a videoconferência, em 90% dos casos, é mais eficiente. Agora, o que mais terá de novo? É muito difícil para a Corregedoria ter grandes programas. Na realidade, a Corregedoria tem que antever o problema e antecipar correções para a primeira instância. Os grandes planejamentos são da presidência, do Conselho, do Órgão Especial. A Corregedoria atua muito com a circunstância, com o factual. Algumas coisas são efetivamente planejadas. Na parte de menores infratores, por exemplo, 90% são ações planejadas para o futuro. Mas, em outras áreas, nem sempre é possível. De qualquer forma, o resultado até agora tem sido muito bom. A produtividade está batendo recordes em São Paulo. Ou seja, os juízes estão se dedicando. Eles estão sensíveis a esse problema da pandemia. O tribunal tem se saído muito bem.

Conjur — O cargo de corregedor é sempre disputado e muito almejado. Por que o senhor resolveu entrar na disputa?
Anafe Entrei na carreira em 1985 e, logo no início, fui assessor da Corregedoria-Geral de Justiça. Na época, era juiz auxiliar da 19ª Vara Criminal e fui convocado para atuar na Corregedoria. Não tinha noção do que era a Corregedoria, mas fiquei imensamente satisfeito de ter uma visão diferente do Poder Judiciário, que abrangia tanto o serviço judicial como o extrajudicial. Me deu uma satisfação muito grande, porque o juiz, normalmente, não vê efetividade nas suas decisões. Ele decide e não sabe o que que aconteceu depois, em outras instâncias. Mas, na Corregedoria, o juiz vê efetividade, ele faz uma correção e recebe um feedback. Isso é muito importante. É uma oportunidade de efetivamente fazer com que os colegas pudessem prestar uma jurisdição melhor, mais rápida, a critério dele de convencimento, mas a instrumentalização de todo o serviço, que dá uma tranquilidade imensa para o juiz, é da Corregedoria. Ou seja, é uma forma de poder prestar um serviço que é muito efetivo, muito próximo ao jurisdicionado.

Nessa passagem pela Corregedoria, confesso que fiquei apaixonado e decidi concorrer ao cargo [Anafe concorreu pela primeira vez em 2016, mas foi derrotado pelo desembargador Manoel Pereira Calças, que depois se tornou presidente do TJ-SP; em 2019, Anafe venceu no segundo turno].

Conjur — No caso do desembargador Eduardo Siqueira [flagrado ofendendo um guarda municipal ao ser abordado sem máscara na praia], o CNJ avocou o processo. Na avaliação do senhor, o conselho nacional agiu corretamente?
Anafe   O que posso dizer é o seguinte: o fato ocorreu no sábado. Ainda no sábado, o presidente do TJ-SP determinou a abertura de expediente administrativo. No domingo, veio a decisão do CNJ. Mas, cronologicamente, a primeira ação foi do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e não do Conselho Nacional de Justiça. É o que posso dizer.

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