"Tempos estranhos"

Decisão de Fux é "autofagia" que "descredita o Supremo", diz Marco Aurélio

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11 de outubro de 2020, 16h23

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, ao suspender liminar dada por outro ministro, "descredita" a Corte e tenta responder aos anseios populares em uma "busca desenfreada por justiçamento". A opinião é do ministro Marco Aurélio Mello, que havia concedido um Habeas Corpus a André Oliveira Macedo, o "André do Rap", acusado de tráfico internacional de drogas.

Carlos Moura/SCO/STF
STFMinistro Marco Aurélio lembra que Fux, como presidente do Supremo, é coordenador entre pares, não superior hierárquico

No último dia 2, Marco Aurélio julgou o pedido da defesa, e, aplicou o que determina o artigo 316 do Código de Processo Penal: entendeu que André estava preso por tempo maior do que o legalmente permitido.

"O paciente está preso, sem culpa formada, desde 15 de dezembro de 2019, tendo sido a custódia mantida, em 25 de junho de 2020, no julgamento da apelação. Uma vez não constatado ato posterior sobre a indispensabilidade da medida, formalizado nos últimos 90 dias, tem-se desrespeitada a previsão legal, surgindo o excesso de prazo", afirmou o ministro na decisão.

Em agosto, o ministro já tinha acatado outro pedido de Habeas Corpus de André, pelos mesmos motivos. Ele só não foi libertado porque havia outra condenação contra ele, a que foi alvo do novo pedido de HC. 

André foi solto na manhã do sábado. À noite, Fux atendeu pedido da Procuradoria-Geral da República e atendeu o pedido de Suspensão de Liminar para que o acusado fosse preso novamente. Segundo o ministro, havia risco à ordem pública caso André fosse libertado. A polícia divulgou, neste domingo, que o traficante teria fugido para o Paraguai. Fux alegou que Marco Aurélio não poderia ter dado o HC porque a decisão questionada era uma liminar monocrática de ministro do Superior Tribunal de Justiça.

A questão gerou um imbróglio entre os pares. Para Marco Aurélio, o presidente não podia ter feito o que fez. "É a prática da autofagia, que só descredita o Supremo." "Evidentemente, ele não tem esse poder, mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível", complementou o ministro.

"Disse-o bem o ministro Gilmar, na última sessão, repetindo minha fala na posse: ele é coordenador de iguais e não superior hierárquico."

"Se há um ato ilegal na manutenção de uma prisão e chega um Habeas Corpus a mim, eu devo fechar os olhos? Eu tenho 42 anos de experiência", afirmou o novo decano do tribunal. "Eu apliquei a lei porque o processo não tem capa, mas conteúdo. Eu não crio o critério de plantão, sou um guarda da Constituição."

"Eu não posso partir para o subjetivismo e critérios de plantão. A minha atuação é vinculada ao direito aprovado pelo Congresso Nacional: ali está a essência do Judiciário", afirmou o ministro, se referindo ao fato de que a redação do artigo 316 foi modificada com a aprovação da chamada lei "anticrime", aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Para o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, Fux "deixa dúvidas com sua decisão". "Ele sempre sustentou que não cabe HC contra ato de ministro do STF, mas agora usa lei feita para outros fins para suspender ato de ministro, como se fosse um HC às avessas".

Debate interno
Não é a primeira vez que Fux revê decisão de ministro da Corte. Em 2018, durante as eleições, o ministro Ricardo Lewandowski havia autorizado que o ex-presidente Lula desse entrevista a jornais, mesmo na prisão. Fux, que então era vice-presidente, deu outra liminar, vetando a entrevista antes da eleição.

Ao voltar a permitir as entrevistas, já depois da disputa eleitoral, Lewandowski criticou a decisão de Fux. "É necessário concluir que a teratológica decisão proferida nos autos da SL 1.178 é nula de pleno direito, pois vai de encontro à garantia constitucional da liberdade de imprensa e, além de afrontar as regras processuais vigentes, desrespeita todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal ao ignorar a inexistência de hierarquia jurisdicional entre seus membros e a missão institucional da Corte”, destacou.

O ministro acrescentou que o presidente do Supremo Tribunal Federal, assim como o vice, não são órgãos jurisdicionais hierarquicamente superiores a nenhum dos demais ministros da Corte.

"Apenas as funções de ordem estritamente administrativa para a organização dos trabalhos e o funcionamento do Tribunal o diferencia dos demais membros da Corte. Assim, não se admite que, por meio de Suspensão de Liminar, o presidente ou o vice se transformem em órgãos revisores das decisões  jurisdicionais proferidas por seus pares", disse.

Clique aqui para ler a decisão de Fux
SL 1.395

Clique aqui para ler a liminar de Marco Aurélio
HC 191.836

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