Opinião

Falta tipicidade à imposição de multa nas cobranças de estimativas de IRPJ e CSLL

Autores

  • Ciro Cesar Soriano de Oliveira

    é advogado e graduado em Direito pela faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

  • Katia Soriano de Oliveira Mihara

    é advogada mestra em Direito Societário pelo Insper MBA em Análise e Gestão Tributária pela Fundação Instituto e Pesquisas Econômicas Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

  • Thiago Marini

    é advogado em São Paulo bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pós-graduado em Direito Tributário Doméstico pelo IBDT e graduando em Ciências Contábeis pela Fipecafi.

10 de outubro de 2020, 7h13

O Supremo Tribunal Federal, no final do mês de abril do ano corrente, por meio do Recurso Extraordinário nº 796.939, levou à discussão a validade da aplicação de multa de 50% em pedido de ressarcimento tributário indevido.

Após o voto do ministro Edson Fachin — relator do caso, que negava provimento ao recurso extraordinário e fixava a seguinte tese (Tema 736 da repercussão geral): "É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária" —, pediu vista dos autos o ministro Gilmar Mendes e o processo foi retirado do julgamento virtual por pedido de destaque do ministro Luiz Fux.

Enquanto os contribuintes aguardam a definição do tema submetido à repercussão geral no STF, outra multa de ofício [1] aplicada por parte das autoridades fiscais sobressai e tem sido objeto de discussão na esfera administrativa federal.

A multa de que trataremos no presente artigo encontra respaldo na Lei nº 9.430/1996, que estabeleceu, em seu artigo 44, inciso II, alínea "b", que a falta de pagamento do Imposto de Renda — Pessoa Jurídica (IRPJ) ou da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por estimativa mensal sujeita o contribuinte ao pagamento de uma multa de ofício de 50% sobre o valor do pagamento mensal que deixar de ser efetuado.

Destaca-se que não se busca, neste momento, examinar a razoabilidade da exigência da multa, muito menos discutir sobre como a jurisprudência vem enfrentando a aplicação da multa de ofício em concomitância com a multa isolada, já que esse tema resta pacificado na jurisprudência administrativa, conforme a Súmula Carf nº 105 [2].

O que se almeja é demonstrar que a legislação em vigor autoriza tão somente a cobrança da referida multa na hipótese em que a falta de recolhimento do tributo em algum(ns) dos meses do ano-calendário implique efetivo recolhimento a menor do montante total das estimativas devidas no período de apuração.

Imagine-se, por exemplo, que uma pessoa jurídica obrigada à tributação pelo lucro real tenha optado pela apuração anual, com antecipações mensais de IRPJ/CSLL apuradas por estimativa.

Ao observar a insuficiência de recolhimento da estimativa em determinado mês, essa sociedade recolhe a maior a estimativa relativa aos meses subsequentes, de modo a somar, ao fim do ano, o total correto das estimativas efetivamente devidas ao longo do ano-calendário.

Ao assim fazer, quer tivesse complementado o pagamento da estimativa relativa ao mês em que houve insuficiência de pagamento, quer fizesse essa correção ao longo do ano no recolhimento das estimativas dos meses posteriores, o somatório final de IRPJ/CSLL pagos seria idêntico, de modo a não modificar o resultado de ajuste ou o saldo negativo a ser recolhido ou compensado.

Agindo por qualquer um desses modos, resta inalterada, portanto, a estimativa devida no ano, por antecipação do valor devido no período de apuração, sem frustração à arrecadação.

Ainda que seja assim, há situações em que a Receita Federal do Brasil lavra autos de infração objetivando a cobrança de multa de ofício de 50%, com fundamento no artigo 44, inciso II, alínea "b", da Lei nº 9.430/1996, decorrente de suposta falta de recolhimento das estimativas de IRPJ e CSLL naqueles meses em que houve recolhimento a menor no ano-calendário, ainda que tenha ocorrido, posteriormente, a correção mediante recolhimento a maior.

A nosso ver, esse tipo de cobrança parte de uma visão equivocada da sistemática de incidência dos tributos em questão.

É de se ver que a própria Receita Federal do Brasil, em seu posicionamento firmado no Parecer Normativo Cosit nº 02/2018, admite não ser possível a cobrança dos tributos por estimativa mensal antes do término de apuração da CSLL ou do IRPJ. O raciocínio desenvolvido no PN Cosit está fundamentado no aspecto de que, ao final do ano-calendário, quando ocorrido o fato gerador dos referidos tributos, será apurado o crédito tributário a pagar ou haverá a formação de saldo negativo. Se houver imposto a pagar, apenas o tributo não recolhido no ajuste deverá ser devidamente cobrado. Se houver saldo negativo utilizado como crédito para compensação, a diferença não recolhida será apurada em declaração de compensação (Dcomp) não homologada.

Da compreensão da sistemática do imposto, depreende-se que a imposição da multa de ofício pelo artigo 44, inciso II, alínea "b", da Lei nº 9.430/1996 está restrita às situações em que o sujeito passivo deixa de recolher o tributo devido no período de apuração:

"Artigo 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
(…)
II – de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:
(…)
b) na forma do artigo 2º desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica".

Assim, em que pese haver insuficiência de recolhimento da estimativa em determinado mês do ano-calendário, a Receita Federal do Brasil deve considerar o total das antecipações pagas durante todo o ano-calendário e apurar o tributo devido no dia 31 de dezembro do referido ano.

Repita-se: pela sistemática de apuração dos tributos em comento, haverá IRPJ/CSLL a recolher (o denominado IRPJ/CSLL ajuste) caso o contribuinte verifique que a somatória das antecipações mensais de IRPJ/CSLL é inferior ao montante devido ao final do ano-calendário. Por outro lado, havendo antecipação a maior que o tributo devido ao final do ano-calendário, configura-se saldo negativo passível de compensação.

Esta é a sistemática de apuração do tributo prevista no artigo 2º, combinado com o artigo 6º, ambos da Lei nº 9.430/1996:

"Artigo 2º  A pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pela pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada, mediante a aplicação dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sobre a receita bruta definida pela art. 12 do Decreto-Lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida mensalmente, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 e nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei n. 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
Artigo 6º
— O imposto devido, apurado na forma do art. 2º, deverá ser pago até o último dia útil do mês subseqüente àquele a que se referir.
§1º. O saldo do imposto apurado em 31 de dezembro receberá o seguinte tratamento:
I – se positivo, será pago em quota única, até o último dia útil do mês de março do ano subsequente, observado o disposto no § 2º; ou
II – se negativo, poderá ser objeto de restituição ou de compensação nos termos do art. 74.
§2º. O saldo do imposto a pagar de que trata o inciso I do parágrafo anterior será acrescido de juros calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir de 1º de fevereiro até o último dia do mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês do pagamento.
§3º. O prazo a que se refere o inciso I do § 1º não se aplica ao imposto relativo ao mês de dezembro, que deverá ser pago até o último dia útil do mês de janeiro do ano subsequente".

Verifica-se, portanto, no exemplo citado, que não teria havido falta de recolhimento ou recolhimento a menor das estimativas a ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 44, inciso II, alínea "b", da Lei nº 9.430/1996, pois, à evidência, não foi alterado o resultado final do período, quer se tenha apurado valor a ser recolhido no ajuste, prejuízo fiscal, ou, ainda, saldo negativo a ser recuperado.

Nesse mesmo sentido, em recente julgamento, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do Carf, ao proferir o Acórdão nº 1301-004-419 [3], afastou a multa isolada quando a falta de pagamento do IRPJ decorre de erro na sua apuração, dada a inexistência de previsão legal para sua aplicação em caso de dedução indevida da base de cálculo do IRPJ.

Já no Acórdão nº 1301-004.304 [4], a turma julgadora foi precisa ao afastar a multa isolada na estimativa, sob a justificativa de que "a infração relativa ao não recolhimento da estimativa mensal caracteriza etapa preparatória do ato de reduzir o imposto no final do ano", sendo o bem jurídico mais importante a efetivação da arrecadação tributária atendida pelo recolhimento do tributo apurado ao fim do ano-calendário.

Em complemento, a se confirmar o raciocínio até aqui exposto e o entendimento dos precedentes mencionados, não se pode esquecer que o próprio Fisco conta o prazo de decadência em função do encerramento do ano-calendário, mas não o faz para as antecipações devidas ao longo do período.

Segundo o princípio da legalidade, originário do artigo 5º, incisos II e XXXIX, da Constituição Federal, para fins de Direito Penal, e disposto no artigo 150, para fins tributários, em essência, não se pode exigir tributo ou quaisquer penalidades decorrentes de suposto descumprimento de obrigação tributária sem lei anterior que estabeleça o ato ou fato como ilícito; ou, ainda, em outras palavras, a hipótese não se enquadra na previsão da multa.

Assim, é de rigor a aplicação escorreita do artigo 97, inciso V, do Código Tributário Nacional para ressaltar que a cominação de penalidades para ações ou omissões contrárias a seus dispositivos ou para outras infrações nela definidas deve expressamente ser estabelecida em lei.

De outra forma, não há que se impor uma penalidade sem que a legislação tenha determinado o ato como infração, ou que o ato sujeito ao lançamento não tenha se caracterizado como infração, nos termos em que foi prevista.

A ser dessa forma, o lançamento de multa isolada disposta no artigo 44, II, "b", da Lei nº 9.430/1996 justifica-se apenas nas situações em que o não recolhimento em determinado mês (ou meses) tenha implicado diminuição da estimativa devida no período de apuração.

 


[1] "As multas de ofício são aquelas que são objeto de lançamento de ofício pela autoridade competente, nas hipóteses em que ela constata a prática de uma infração, cabendo-lhe constituir o crédito tributário correspondente, juntamente com a penalidade cabível, nos termos do art. 142 do CTN." Sobre o tema, cf. FAJERSZTAJN, Bruno. Multas tributárias: regime jurídico, fundamentação e limites. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 201.

[2] "A multa isolada por falta de recolhimento de estimativas, lançada com fundamento no art. 44 § 1º, inciso IV da Lei n. 9.430, de 1996, não pode ser exigida ao mesmo tempo da multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ e CSLL apurado no ajuste anual, devendo subsistir a multa de ofício."

[3] Processo Administrativo n. 16327.720092/2015-90; Acórdão n. 1301-004.419 – 3ª Câmara/ 1ª Turma Ordinária/ 1ª Seção de Julgamento do CARF; Sessão de Julgamento: 10 mar. 2020.

[4] Processo Administrativo n. 10980.727742/2018-81; Acórdão n. 1301-004.304 – 3ª Câmara/ 1ª Turma Ordinária/ 1ª Seção de Julgamento do CARF; Sessão de Julgamento: 21 jan. 2020.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!