Opinião

Linha Amarela: os reflexos da decisão do presidente do STJ na infraestrutura do país

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9 de outubro de 2020, 15h11

No último dia 15 de setembro, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, deferiu o pedido de suspensão de decisões liminares que impediam o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, autorizado pela Câmara Municipal, de encampar o serviço público concedido em 1994 para operar os serviços de pedágio da Linha Amarela, importante via expressa de 17,4 km que liga Jacarepaguá à Ilha do Fundão.

De acordo com a decisão do STJ, em razão das máculas reconhecidas pelo Executivo e pelo Legislativo municipais, e diante do desequilíbrio contratual que fez cidadãos que transitam pela Linha Amarela pagarem "o mais caro pedágio do mundo", era medida de rigor a concessão da suspensão das decisões liminares que impediam a encampação do serviço público da Linha Amarela pelo poder concedente municipal do Rio de Janeiro.

A encampação é uma prerrogativa unilateral do poder concedente, prevista em lei (artigo 37, da Lei Federal nº 8.987/1995), inerente a todo contrato de concessão e independe de previsão contratual. Trata-se de um ato discricionário do poder público concedente que, em razão do interesse público envolvido, decide pela retomada do serviço objeto da concessão.

Historicamente, não é um mecanismo de rescisão usual no âmbito das contratações públicas em razão de sua peculiaridade, que vai desde o pagamento prévio de indenização à concessionária (artigo 36, Lei Federal nº 8.987/1995) a uma série de medidas prévias em nível administrativo e legislativo. Inclusive a instauração de um processo administrativo prévio para calcular o quantum devido a título de indenização ao particular, além da demonstração, pelo poder concedente, de como será a continuidade da prestação do serviço e quais os recursos que serão utilizados para a consolidação dessa continuidade com a retomada pretendida pela encampação. E, como todo ato administrativo, sujeita-se ao controle do Poder Judiciário no que diz respeito à análise de eventual violação às regras de procedimento e desvio de finalidade (aspecto formal do ato).

No caso da Linha Amarela, a discussão jurídica se inflama. Isso pelo fato de o interesse público que deu ensejo à encampação discutida no âmbito do Poder Judiciário brasileiro ter, como um dos seus fundamentos, a ocorrência de "superfaturamento de parte posterior da obra, constatado pela Controladoria-Geral do Município, pelo Tribunal de Contas dos municípios e pelo depoimento de servidor público municipal que acompanhou a confecção dos aditivos" e da alteração contratual para "exclusão do fluxo dos veículos como elemento da equação financeira".

Seja porque se trata de um contrato de longo prazo, que envolve destinação de vultosos dispêndios financeiros do particular para sua execução, seja porque envolve atos de improbidade, que possibilita a aplicação de sanções com reflexo patrimonial às pessoas jurídicas de direito privado envolvidas.

Nos contratos de concessão, como é o caso do da Linha Amarela, é praxe a obtenção de financiamento privado, pela concessionária. E a concessionária da Linha Amarela possui um financiamento da ordem de R$ 217 milhões, segundo se pode verificar da própria decisão da presidência do STJ.

Não por acaso se tem todo um imbróglio jurídico no caso. Ainda mais considerando que, no caso da Linha Amarela, o município não realizou o pagamento prévio de indenização, mas, sim, compensou o valor apurado, a título de indenização, com o devido pela concessionária ao poder concedente municipal, este último apurado no âmbito do processo administrativo, e ofereceu, em razão disso, uma garantia no valor de um R$ 1,3 bilhão, mediante apresentação de dois ativos que não possuem liquidez imediata e que são objeto de discussão quanto a sua possibilidade de alienação.

É fato que a decisão proferida pelo STJ impacta, de forma fugaz, a capacidade da concessionária de continuar a pagar pelas dívidas contraídas junto aos seus credores, impactando, inclusive, em sua classificação de crédito e na possibilidade de restabelecer seu contrato. Com a retomada de seu contrato pelo poder concedente, especialmente em razão da compensação, a concessionária deixa de auferir receita e de dispor de recursos para quitação de suas dívidas inerentes ao contrato.

A mencionada compensação foi considerada como forma de pagamento, pelo poder concedente, em razão da disposição da Lei Complementar nº 213/2019, que autorizou a encampação pelo poder concedente municipal. Este estipula que a indenização devida à concessionária fica considerada paga, devido aos prejuízos apurados por Executivo, Legislativo e Tribunal de Contas municipais, uma vez que a concessionária teria arrecadado R$ 1,6 bilhão a mais dos motoristas ao longo dos últimos anos.

O contraponto do caso em análise é que a "compensação" de prejuízo ocorrida no contrato da Linha Amarela está intimamente ligada à forma do instituto da encampação, que se sujeita ao controle do Poder Judiciário. Desse modo, uma vez decidido que não é possível a compensação no caso de encampação ou mesmo alterado o quantum devido, haverá uma ilegalidade ou mesmo a anulação do procedimento de encampação, podendo, inclusive, ensejar afronta à regra orçamentária prevista na Lei Complementar nº 101/2000 (artigo 16 e 17), ao qual o Estado do Rio de Janeiro também está vinculada.

E é exatamente tal contraponto que traz insegurança jurídica em relação ao caso da Linha Amarela. Afinal, o que se tem como grande dúvida na área de infraestrutura brasileira é a utilização do referido precedente em outros contratos administrativos, dentro e fora do Estado do Rio de Janeiro, e como o risco financeiro das concessionárias poderá ser mitigado em futuras contratações com o poder público.

Muito embora eu me atreva a pontuar que teremos de aguardar o desfecho do caso da Linha Amarela para avaliar o real risco que tal precedente trará para a área de infraestrutura brasileira. A depender do resultado final, que inclui os mecanismos existentes para mitigar tais riscos quando da celebração de novos contratos de concessão, atualmente é fato notório o agravamento da insegurança jurídica que trouxe essa decisão para o setor de infraestrutura.

Isso porque essa decisão do STJ — ainda que temporária, proferida dentro de uma situação fática peculiar, que envolveu um mecanismo de rescisão unilateral pouquíssimo habitual e sobre a qual ainda pairam discussões a respeito da legalidade da forma empregada, as quais poderão resultar, inclusive, na nulidade do processo de encampação — trouxe enormes prejuízos. Não apenas à concessionária, mas, e principalmente, à confiança dos investidores privados, em especial os estrangeiros.

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