Lei 13.463/2017

STJ diverge sobre prescritibilidade para pedir novo precatório após cancelamento

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7 de outubro de 2020, 9h22

A possibilidade de prescrição do direito à expedição de novo precatório ou requisição de pequeno valor (RPV) quando houver o cancelamento de que trata o parágrafo 2º da Lei 13.463/2017 abriu divergência entre as turmas que julgam matéria de Direito Público no Superior Tribunal de Justiça.

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Lei 13.463/2017 não especificou se direito a nova expedição de precatório ou RPV é prescritível, nem qual seria termo inicial
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A diferença de entendimentos ficou evidenciada em quatro recursos julgados recentemente. Para a 1ª Turma, por maioria apertada, o credor não perde o direito de requisitar novamente o precatório ou a RPV. Para a 2ª Turma, por unanimidade, esse direito prescreve em cinco anos e deve ser contado a partir da data do cancelamento.

A questão está no silêncio sobre o tema contido na Lei 13.463/2007. O artigo 2º diz que, expedido o precatório ou RPV, o mesmo será cancelado após dois anos se não for levantado, com os valores transferidos à conta única do Tesouro Nacional.

Já o artigo 3º destaca: cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor. Nenhuma palavra sobre prescritibilidade ou termo inicial.

Teoria da actio nata
Para a 2ª Turma, o direito à expedição de novo precatório ou RPV prescreve. A contagem observa a aplicação da teoria da actio nata, segundo a qual o termo tem início com a violação do direito subjetivo e quando o titular do seu direito passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências.

Lucas Pricken/STJ
Para 2ª Turma, do ministro Herman Benjamin, prescrição começa a contar a partir da data do cancelamento
Lucas Pricken/STJ 

“No caso em tela, a afronta ocorre com a devolução dos montantes depositados ao Tesouro Nacional”, afirmou o ministro Herman Benjamin, relator do REsp 1.859.389, julgado por unanimidade em 29 de junho. O julgamento confirmou o entendimento da 2ª Turma, que já votara da mesma forma em 16 de junho, no REsp 1.859.409.

“A pretensão nos autos, ao contrário do que constatado na origem, é prescritível”, apontou o relator do primeiro caso, ministro Mauro Campbell Marques. “No momento em que ocorre a violação de um direito, considera-se nascida a ação para postulá-lo judicialmente e, consequentemente, aplicando-se a teoria da actio nata, tem início a fluência do prazo prescricional”, disse.

Imprescritibilidade
Os precedentes da 2ª Turma embalaram a divergência ocorrida no julgamento da 1ª Turma, nesta terça-feira (6/10). Na primeira vez que o colegiado enfrentou a matéria, o ministro Bendito Gonçalves trouxe voto-vista para entender pela prescritibilidade, no que foi acompanhado pelo ministro Gurgel de Faria.

O voto apontou que, de fato, os artigos 2º e 3º da lei de regência não estabeleceram prazo para o direito ao novo ofício requisitório ou termo inicial da prescrição. “Não significa que tal pretensão seja imprescritível, porque, consoante jurisprudência, com a prescrição evita-se a eternização dos litígios e promove-se a segurança jurídica e estabilidade”, disse o ministro Benedito.

STJ
Para 1ª Turma, do ministro Napoleão, direito é imprescritível e pode ser feito pelo credor a qualquer momento que lhe for conveniente
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Ainda assim, prevaleceu o voto do relator dos dois casos julgados (REsp 1.856.498 e REsp 1.874.973), ministro Napoleão Nunes Maia, segundo o qual o silêncio do legislador sobre o tema foi eloquente. “O que a União tem a ver com a demora do credor em levantar o valor que lhe pertence?”, indagou.

“Penso que a imprescritibilidade é solução justa para casos assim. A União depositou o dinheiro. O sujeito vai pegar dinheiro no dia que ele quiser, e a União não pode reavê-lo, porque não pertence mais a ela”, acrescentou.

Esse entendimento foi acompanhado com acréscimo de argumentação pela ministra Regina Helena Costa e pelo ministro Sergio Kukina. Segundo ela, o cancelamento só foi incluído na lei para que a União possa usar o valor enquanto o credor não vem busca-los — e por isso, a determinação de devolução à conta única do Tesouro Nacional.

“A teoria da actio nata no caso me parece inaplicável. Para que possamos falar em apliação, é preciso pressupor uma violação de direito. Qual violação aconteceu? Não consigo observar nenhuma. O que aconteceu foi a inércia do credor de pedir o levantamento. Violação houve quando a União foi condenada. E aí transitou em julgado e formou-se o título executivo”, disse a ministra Regina.

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Cancelamento tem como único objetivo devolver dinheiro ao Tesouro para União usar enquanto credor não cobrar, segundo a ministra Regina Helena Costa
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Para o ministro Kukina, não existe hipótese de prescrição da execução porque ela foi instaurada e chegou a bom termo, com expedição do precatório ou RPV. “Penso que se está à frente de mero exaurimento de direito potestativo, exercitável a qualquer momento. E parece que essa percepção acabou de forma voluntária incorporada pelo silêncio da lei de regência”, disse.

União queria diferente
Curiosamente, nos quatro casos julgados o resultado implica na não-prescrição — ainda que ela seja considerada possível pela 2ª Turma — do direito à expedição do novo precatório ou RPV. Isso porque a União defendia a tese de que esse direito, além de prescritivo, deveria ter como termo inicial a data do depósito, hipótese que não foi considerada por nenhum dos ministros do STJ.

REsp 1.859.389
REsp 1.859.409
REsp 1.856.498
REsp 1.874.973

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