Opinião

Dilapidação do patrimônio da família na sucessão causa mortis poderá ficar pior

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7 de outubro de 2020, 9h08

Planejamentos patrimoniais e sucessórios eficientes, utilizados de longa data por famílias mais abastadas para mitigar os graves transtornos da instauração do inventário, modelo ordinário e retrógrado de sucessão patrimonial causa mortis, têm se tornado cada vez mais acessíveis a todas as famílias em decorrência da democratização das informações e da capacitação dos profissionais do Direito.

É fato notório que o inventário é um dilapidador do patrimônio das famílias, pois, além dos passivos ordinários (custas processuais, certidões, despesas cartorárias, impostos, honorários advocatícios etc.), que já impactam entre 10% a 15% o patrimônio sucedido, na maioria das vezes há uma grande perda patrimonial em razão da necessidade de os herdeiros alienarem parte do patrimônio inventariado para fazer frente às elevadas despesas do inventário. É nesse contexto que é possível afirmar, com certa folga, que a média de redução do patrimônio sucedido através de inventário é de 20% na realidade de mercado atual em que temos o ITCMD progressivo limitado a 8% sobre o valor dos bens, nos termos da Resolução do Senado Federal nº 9, de 5 de maio de 1992.

Entre as diversas estruturas de planejamento sucessório para mitigar os prejuízos do inventário, desde a contratação de seguros até doações de bens em vida com reserva de usufruto, a holding familiar tem se destacado como a forma mais eficiente para a grande maioria das famílias, não só pela grande eficiência tributária, mas também pela agilidade na instituição e sucessão, maior proteção patrimonial, manutenção da plena disponibilidade dos bens, eficiente prevenção dos litígios e, principalmente, ausência de perda patrimonial.

Apesar de não haver divergência sobre a importância e os inúmeros benefícios de implementar um planejamento patrimonial e sucessório eficiente para proteger o patrimônio da família, ainda há certo receio, muitas vezes em razão de insegurança decorrente da falta de conhecimento (e aqui a quantidade de informações disponíveis nos dias de hoje pesa negativamente, pois muitas notícias, artigos e opiniões sobre o tema se revelam ultrapassadas ou totalmente desvirtuadas da realidade prática, muitas delas produzidas por agentes do Fisco que não toleram a legítima conduta do contribuinte em buscar pagar menos impostos), e acabam por procrastinar a implementação de tal planejamento.

Um exemplo dessa insegurança repousa sobre as opiniões acerca da tese Tema 796 da Repercussão Geral da Suprema Corte. Muito tem se falado que a referida orientação seria equivocada e impactaria negativamente a constituição das holdings familiares, mas, como podemos aferir em artigo anterior [1], a referida tese está corretíssima e, na verdade, pesa favoravelmente ao instituto da holding familiar.

Por outro lado, as Fazendas, atentas ao movimento de massificação das estruturas societárias de planejamento sucessório e a consequente redução da arrecadação, já se movimentavam para compensar tal redução, bem como para diminuir a eficiência tributária das estruturas empresariais criadas para tal finalidade. Entre os inúmeros projetos legislativos que podem impactar a sucessão patrimonial, destacam-se aqueles que visam a majorar os impostos incidentes sobre a sucessão causa mortis e doações, inclusive para autorizar a incidência de Imposto de Renda, bem como a majoração da própria alíquota do ITCMD.

O próprio Confaz (Conselho Federal se Política Fazendária) já aprovou uma proposta de alteração do teto da alíquota do ITCMD para 20% (Ofício Consefaz n° 11/15 [2]), cujo projeto de resolução pende de tramitação perante o Senado Federal para autorizar esse aumento da alíquota. Além disso, já há em trâmite outro Projeto de Resolução do Senado, de n° 57, de 2019 [3], que tem como proposta alterar a alíquota máxima do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), dos atuais 8% para 16%.

É importante destacar que, apesar de tal proposta parecer um absurdo para os contribuintes, tecnicamente tal alteração não encontrará grandes óbices, pois, formalmente, é uma tramitação simples que desafia o quórum de instalação para a votação de 50% e para aprovação basta maioria simples (50% dos presentes). Ou seja, não é de tramitação formal complexa. Já no que pertine ao aspecto material, tampouco se vislumbra um panorama complexo, pois, como estamos vivendo em um momento de crise, em que há açodada busca pela incrementação da arrecadação, e o Brasil tem uma das menores tributações sobre a herança, há uma aparente justificativa razoável para tanto. Vejamos, nesse sentido, relevante trecho da justificação do já mencionado Projeto de Resolução do Senado de n° 57, de 2019:

"(…) A elevação do limite máximo do ITCMD aproxima a alíquota potencial das praticadas nos países desenvolvidos, que, na sua maioria, tributam fortemente a herança, tanto a antecipada em vida como a recebida após a morte. Mesmo com o aumento proposto, elas ainda estarão distantes das alíquotas máximas utilizadas em grande parte dos países da Europa Ocidental, como França (60%) e Alemanha (50%), Suíça (50%), Luxemburgo (48%), Inglaterra (40%) e da América do Norte, como os Estados Unidos (40%) além de países como Japão (55%) e Chile (25%). Convicto da importância do projeto para alcançar a justiça fiscal e aumentar a arrecadação dos Estados, pedimos o apoio dos Senadores para o aperfeiçoamento e aprovação do projeto".

E não para por aí. Há ainda, na Câmara Federal, propostas de emendas constitucionais (via mais difícil) para aumentar a carga tributária incidente sobre a sucessão patrimonial, conforme as abaixo destacadas de for exemplificativa:

— Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 60/2015 [4], de autoria do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que prevê estabelecer um imposto federal que vai cobrar até 20% sobre doações e transferências e seria partilhado entre os estados da federação e, também continuariam a receber a fatia do ITCMD;

— Projeto de Lei nº 6.094/2013 [5], do deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), que prevê a retirada da isenção de Imposto de Renda para heranças e doações, estabelecendo alíquotas progressivas, que podem chegar a 25%.

Diante do cenário acima, não há necessidade de maiores esforços para se concluir que o preço a ser pago em razão da procrastinação está ficando cada vez maior e, dependendo das alterações legislativas que forem aprovadas, a redução do patrimônio da família em qualquer tipo de sucessão poderá ser duplicada apenas com o impacto da majoração da alíquota do ITCMD. Isso poderá acarretar, na sucessão através de inventário, em uma perda patrimonial de até 50% do patrimônio sucedido.

Nesse contexto, o planejamento sucessório realizado antes das alterações legislativas em trâmite poderá proteger o patrimônio da família e afastar a incidência dessas novas regras, que certamente pesarão severamente sobre a sucessão (majoração do ITCMD, incidência de Imposto de Renda, alteração da base de cálculo, implementação do IGF etc.).

Para as famílias que prezam pelo suado patrimônio construído ao logo de uma vida e que não pretendem vê-lo dilapidado pelo inventário ou pela grande fome do leão, a premência em implementar um planejamento patrimonial e sucessório para reduzir os custos e proteger o patrimônio da família é manifesta, pois negligenciar essa necessidade no panorama atual pode ter consequências extremamente onerosas.

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