Opinião

É tempo de reinventar a Justiça Federal!

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7 de outubro de 2020, 16h11

Passados alguns meses da suspensão das atividades presenciais da Justiça Federal, é hora da retomada gradual e cautelosa dos trabalhos nos fóruns. Esse retorno, contudo, não levará o Judiciário Federal da 3ª Região ao estado pré-pandemia.

As práticas de distanciamento, monitoramento e isolamento, recomendadas pela OMS, provocaram certamente profundas alterações nas relações de trabalho, o que não terá efeito temporário, mas modificará definitivamente muito daquilo que conhecíamos em nossa vida laboral.

O trabalho do Judiciário nesse período de exceção foi marcado por uma série de desafios e dificuldades que tiveram de ser superados. Em um primeiro momento, foi necessário realocar todos os servidores e magistrados para o sistema de trabalho remoto, transição que se deu de forma repentina. Isso trouxe imediatamente inúmeras preocupações, como a falta de equipamentos, a inexistência de um local ergonomicamente adequado para o labor, a necessidade de adequação da rotina de trabalho ao ambiente doméstico, a questão dos sistemas informatizados e da conexão via internet, bem como a imprescindível ampliação dos cuidados inerentes à saúde mental.

Em face dessa profunda mudança de paradigma, muitos chegaram a afirmar que não tinham condições de trabalho em casa, pedindo para manter o trabalho presencial nos fóruns, não obstante os riscos de infecção.

Contudo, superadas as aflições iniciais, despontou o que a Justiça Federal tem de mais precioso, isto é, um quadro de profissionais extremamente qualificado, que, com muita versatilidade, superou os desafios lançados pela pandemia, revelando a vocação virtual da Justiça do século XXI. E, nessa linha, diante do processamento digital da quase totalidade do acervo, houve não somente a manutenção de grande parte da prestação jurisdicional, como também ocorreu um considerável aumento da produção, dando-se maior celeridade aos atos processuais, em atendimento ao direito à duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII da CF).

Ao lado dos resultados positivos do trabalho remoto, que garantiram maior efetividade e celeridade à prestação jurisdicional, o sistema virtual também se mostrou muito mais econômico, aspecto extremamente relevante, haja vista que a pandemia foi bastante prejudicial para a economia do país e para a arrecadação do Estado, que mantém as atividades jurisdicionais. Isso significa que também sob o ponto de vista econômico, o trabalho virtual veio para ficar, podendo-se então canalizar os recursos poupados, que não foram gastos na manutenção dos fóruns, para o aprimoramento dos sistemas de informática.

De fato, o trabalho virtual deve proporcionar uma verdadeira revisão de toda a estrutura física do Judiciário. A pandemia mostrou que não faz mais sentido a existência de fóruns instalados em imóveis muito grandes, que geram elevados gastos com conservação, limpeza, segurança etc. Os fóruns continuarão logicamente a existir, mas somente serão mantidos para a prática de atos cuja presença física seja imprescindível, como a realização de determinadas perícias, ou ainda para o atendimento de pessoas que, por razões financeiras ou por dificuldades técnicas, não puderem utilizar os recursos tecnológicos para acessar a Justiça.

Nessa linha, também deixa de fazer sentido o funcionamento dos prédios da Justiça Federal de São Paulo das 9h às 19h. O acesso aos serviços judiciários agora é virtual, funciona de forma ininterrupta, todos os dias do ano e 24 horas por dia. O advogado não mais necessita, como acontecia no século XX, ir ao prédio do fórum para praticar os atos processuais. Hoje é impensável a figura do advogado que, até alguns anos atrás, necessitava do atendimento de um servidor para, por exemplo, fazer carga do processo no balcão de uma das varas federais. Agora o causídico conta com acesso virtual direto aos processos, aos servidores e aos magistrados. Desse modo, o funcionamento dos prédios da Justiça não mais se justifica na forma como ocorria antes da pandemia, visto que para o atendimento presencial das partes e dos advogados é muito mais do que suficiente a abertura dos fóruns por cerca de quatro horas diárias.

No que toca ainda ao atendimento presencial, vale ressaltar que tal demanda atualmente faz mais sentido em relação às pessoas mais simples, jurisdicionados que não contam com advogado e que muitas vezes sequer sabem ler e escrever. Essa parcela hipossuficiente da população seria enormemente prejudicada se o funcionamento da Justiça passasse a ser apenas virtual. E isso ficou muito evidente no auge da pandemia, quando os atendimentos por telefone se multiplicaram exponencialmente. Assim sendo, particularmente no que diz respeito aos jurisdicionados dos Juizados Especiais Federais, é imprescindível que toda essa reformulação do funcionamento dos fóruns não venha a prejudicá-los, mantendo o direito constitucional que possuem de acesso à Justiça.

Outrossim, a melhor utilização da tecnologia como maneira de economizar tempo e dinheiro também passa pelas audiências por videoconferência, que permitem a oitiva das partes e testemunhas sem a necessidade de deslocamento até o tribunal. Consideradas um tabu por boa parte da comunidade jurídica, foram elas, em certa medida, admitidas como solução plausível para a manutenção dos trabalhos jurisdicionais. Sem dúvidas, são necessários ajustes nessa prática, alguns problemas emergiram, como foi o caso de testemunhas que tentaram ler seu depoimento por escrito ou de outras que não foram separadas das que seriam ouvidas em seguida. A matéria, já tratada pelo Código de Processo Civil de 2015, certamente demanda melhor regulamentação, mas o que foi praticado até o momento já foi um excelente laboratório para comprovar que também no que toca às audiências, a presença física das partes, dos advogados, do parquet e até mesmo dos magistrados nos fóruns não é imprescindível. Fica a ressalva quanto às testemunhas, melhor parecendo que continuem indo até os fóruns para que sejam ouvidas com o atendimento das disposições processuais em vigor, o mesmo podendo ser dito em relação àquelas que não têm acesso ou domínio das tecnologias da informática, ficando os servidores à sua disposição para a realização da oitiva presencial nos prédios da Justiça. Em todo caso, diante das transformações causadas pela pandemia, as audiências por videoconferência são um caminho sem volta.

Ademais, não se pode esquecer que esse novo paradigma representa também um grande ganho para todos os envolvidos nos atos processuais no que toca ao tempo de deslocamento até os fóruns, o qual agora pode ser utilizado para a realização de outras atividades. Igualmente, evita-se o dispêndio dos recursos que seriam empregados na locomoção até as instalações físicas da Justiça.

Por conseguinte, as dificuldades trazidas pela pandemia devem ser vistas como uma oportunidade ímpar para uma grande mudança dos serviços judiciais, pois a necessidade de adaptação à realidade do distanciamento social fez com que a virtualização da Justiça progredisse em alguns meses o que talvez demandaria no mínimo uma década. Também ficou demonstrada a capacidade de trabalho virtual e a excelência dessa forma de atuação, haja vista a elevada produtividade e eficiência apresentadas por todo o Judiciário brasileiro. Assim sendo, passada essa situação excepcional, a Justiça não pode abrir mão dos ganhos alcançados em termos de efetividade, celeridade, acesso e economia, que vieram para ficar, não se admitindo retrocesso na virtualização da atividade jurisdicional.

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